domingo, 21 de janeiro de 2007

PORTUGUESES

Para combater o envelhecimento e a desertificação humana, uma junta de freguesia do interior instituiu um prémio de 500 euros a cada casal que ali tivesse um filho. A televisão foi ouvir a primeira candidata ao prémio, uma jovem grávida de sete meses, e perguntou-lhe o que achava desta medida. Resposta imediata: “Acho pouco”.

A resposta traduz exemplarmente aquilo que é o sentimento dominante entre os portugueses de hoje: tudo lhes é devido. Um ditado antigo garante que, quando a esmola é grande, o pobre desconfia. Mas isso era dantes: agora, acha pouco. Por isso é que pensionistas que nunca descontaram para a Segurança Social acham-se no direito a ter uma pensão de reforma igual à daqueles que descontaram uma vida inteira; por isso é que os trabalhadores do Metro de Lisboa acham que poder ter 36 dias de férias úteis por ano é um direito adquirido e inegociável, mesmo que para tal tenham de deixar apeadas todas as semanas umas dezenas de milhares de pessoas e todos os anos deixem uma conta de prejuízos de dezenas de milhões de contos para os contribuintes pagarem; por isso é que os professores, que se declaram incompetentes para substituir os colegas que faltam, já aceitam as aulas de substituição se lhas pagarem como trabalho extraordinário, mesmo que dentro do seu horário normal. OK: tudo é devido. Mas quem paga a conta?

É a minha opinião e apenas isso: a ideia de ‘eleger’ por voto telefónico de valor acrescentado os ‘maiores portugueses de sempre’ é simplesmente idiota e só pode chegar a conclusões constrangedoras. Alguém me consegue explicar por que motivo aquela ‘tia’ que foi episodicamente ministra da Educação do Governo Santana Lopes está entre os 100 maiores portugueses de sempre?

Já a escolha de Salazar e Cunhal entre os ‘10 mais’, devo reconhecer que faz todo o sentido e corresponde ao sentimento profundo que uma larga parte dos portugueses tem sobre a liberdade: um bem acessório. Salazar governou em ditadura durante quarenta e tal anos; Cunhal só não o fez porque foi impedido pela parte sã da nação. Salazar fez de nós o país mais retrógrado e subdesenvolvido da Europa; Cunhal tentou o que pôde para nos transformar numa Albânia. Ainda hoje pagamos a factura, económica e intelectual, das suas heranças. Que uma grande parte dos portugueses ache que eles são dos maiores de sempre entre nós explica a razão pela qual somos actualmente o mais atrasado país da Europa. Mas escusavam de nos relembrar isso, com a grande fanfarra de um programa ‘de serviço público’.

Ray-Gude Mertin não consta, obviamente, da lista dos ‘100 mais’, e, aliás, não era portuguesa mas sim alemã. Nunca, também, constou da lista dos condecorados do país, reservada a militares, empresários e à quota do politicamente correcto - desportistas profissionais, artistas variados e ‘especialistas de género’. Mas ela, sozinha, fez mais pela divulgação da literatura portuguesa no estrangeiro do que todos os organismos públicos encarregues do mesmo. A Ray traduziu, agenciou, fez editar e divulgou pelo mundo o que entendeu que de melhor Portugal tinha escrito nas últimas décadas. Muitos, entre os quais tenho a honra de me incluir, têm para com ela uma dívida incobrável. Mas o que mais falta nos vai fazer é, acima de tudo, o seu entusiasmo, a sua alegria, o seu amor por Portugal e pelas coisas portuguesas. A mim, pessoalmente, vão-me faltar os seus regulares ‘«mails» de manutenção’, a apoiar, a incentivar, a dar notícias e a pedir notícias. E vai-me custar esse gesto último e terrível de apagar o seu endereço electrónico da lista do computador.

Ao entrar no ciclo do «countdown» eleitoral, o PSD sente que o tempo joga contra ele e a favor de Sócrates. Não é um problema de liderança de oposição, mas um problema, mais simples e mais complexo, de circunstâncias. Nem a liderança do partido, a cargo de Marques Mendes, nem a liderança do grupo parlamentar, a cargo de Marques Guedes, podem ser seriamente contestadas. Mas eles sentem que nenhum dos dois lhes assegura a derrota de Sócrates daqui a dois anos. Não se trata de ideias nem da forma de fazer política: trata-se de dar espectáculo e promover a demagogia. E, assim, vai germinando a fantástica tentação de apelar a Santana Lopes para a direcção do grupo parlamentar. Não porque ele tenha alguma coisa de novo a dizer ou propor, mas porque assegura a agitação, a confusão, a Feira da Ladra e a abertura dos telejornais. É melhor do que nada. E é a demonstração de que há coisas que nunca se aprendem.

Contra a despenalização do aborto milita uma estrutura chamada ‘Plataforma Não, Obrigado’, que reúne nomes sonantes da direita e, ao que dizem, apoios financeiros bastantes. Presumo que sejam a favor daqueles ‘valores’ sólidos como a vida humana e a família. Se assim é, pergunto-me, todavia, por que razão aceitam o apoio instrumental da agência de publicidade Partners - a responsável por aquela campanha de publicidade da TV-Cabo em que o filho e a mãe saem de casa porque o pai não tem a assinatura da TV-Cabo? Acharão que isso é um modelo dos valores de família que propõem, ou acharão que uma coisa são os valores e outra os contratos?

De entre as vaguíssimas e piedosas intenções do Governo na aplicação dos 21,5 mil milhões de euros do terceiro e último Quadro Comunitário de Apoio, houve uma que me chamou a atenção, pela sua requintada hipocrisia: a ‘valorização do território’. Mas, qual território? O pouco que restar, depois de toda a Reserva Agrícola, Reserva Ecológica e Rede Natura terem sido sacrificadas aos projectos PIN - que, agora, já não abrangem apenas urbanizações turísticas mas também pisciculturas e fábricas de móveis? Ora, deixem-se de hipocrisias e concentrem-se, ao menos, em alguma coisa de concreto: querem valorizar o território que resta, depois de terem vendido tudo o que interessava preservar? Então, devolvam-nos o Terreiro do Paço. Corram com os tapumes dali, desistam daquela impossível via subaquática e voltem lá a pôr o Cais das Colunas. Dez anos depois, é o mínimo exigível.

Miguel Sousa Tavares

2 Comments:

At 21 de janeiro de 2007 às 19:14, Anonymous Anónimo said...

Miguel Sousa Tavares, "indignava-se" pela presença de Salazar e de Cunhal nos dez "finalistas" da D. Elisa.
Por outras palavras, o Miguel explicava que não íamos a lado nenhum precisamente por causa deste deslumbramento por autoritários e ditadores.
De facto, ao lado destes dois, temos ainda o poeta da "Mensagem" - o do "presidente-rei" e da saudação inicial ao "Estado Novo"- , o Marquês de Pombal que não brincava em serviço e meia dúzia de "humanistas" e de visionários cujo legado os vindouros se encarregaram metodicamente de destruir. Porventura o último "homem bom" terá sido D. Carlos I - ninguém se lembrou dele na D. Elisa- e, mesmo esse, apascentou o "ditador" João Franco, acabando às mãos dos tiranos que se seguiram, os amiguinhos do dr. Afonso Costa.
Depois do 25 de Abril, a saga continuou.
O MFA quis "reeducar" o povo à força por via da "dinamização cultural" e sempre se soube o que queriam o dr. Cunhal e os seus "homens de palha". Com o 25 de Novembro chegou o austero Eanes e, anos depois, o "absolutismo democrático" de Cavaco Silva e de José Sócrates.
Somos "geridos" - na política, na cultura, no "espírito" e na economia - por ex-maoístas, por maus salazarentos e por antigos estalinistas reciclados, todos genuínos anti-democratas.
São eles a "elite".
Não temos, por isso, o lastro de uma democracia liberal que nunca seremos.
A "massa autoritária" está-nos no sangue e em tudo.
Entre nós não existe - nem nunca existirá - uma verdadeira cultura democrática.
O trágico episódio da "rua assassina do Arsenal", como lhe chamou em poema o Joaquim Manuel Magalhães, terá posto um fim a quaisquer veleidades de isto poder ter sido outra coisa. As coisas, porém, são o que são e nós somos o que somos. Sempre pequeninos, sempre respeitosos, sempre venerandos e obrigados.

 
At 23 de janeiro de 2007 às 00:12, Anonymous Anónimo said...

CARTA AO PRIMEIRO-MINISTRO

«Exmo Senhor Primeiro Ministro de Portugal

Excelência

Não tenho fortuna pessoal, não tenho apelido sonante, não pertenço ao mundo empresarial, nunca organizei comícios nem manifestações, não pertenço à sua roda de amigos, não tenho cartão do PS!

No Portugal de hoje sou portanto “ninguém”!

Tenho nacionalidade portuguesa, trabalho, tenho opinião, penso pela minha cabeça, tenho formações superiores obtidas em Universidades Estatais Portuguesas e Estrangeiras.

Tudo meros detalhes a que o Senhor não dá a mínima importância, salvo se, por mera coincidência, tudo isto se enquadrar no grupo do seus eleitos!

Assim pertenço ao grupo dos “exportados”, o tal círculo que o Senhor não permite que cresça no seu território. O Portugal de hoje exclui esta gente, por conflito de interesses, em rigor. Os nossos não são os seus, Senhor Primeiro Ministro.

O seu apregoado apelo ao desenvolvimento tem forçosamente que ser conseguido com os seus amigos, se não forem capazes, não faz mal, muda-se a palavra de ordem, esquece-se o desenvolvimento, mas nunca os superiores interesses do seu grupo!

Ouvimos o seus discursos sobre o rigor, o mérito, o crescimento, ditos com uma pose de Estado, com ar convicto, quase somos tentados a acreditar....não fora termos sofrido na pele outro rigor que, esse sim, o Senhor logrou impôr. Qual? O nepotismo, Senhor Primeiro Ministro!

Exemplos? O Senhor não esconde, basta ler os jornais!

Usa Vexa o nome de Portugal tantas vezes e com tão altos propósitos que cabe perguntar para quê quando olhamos à volta e vimos a sua obra. Onde pretende levar o País, Senhor Engenheiro? Às próximas eleições ? Claro que sim, e aí, ganhar por falta de comparência..

Senhor Primeiro Ministro, nós os que não pertencemos ao seu grupo, temos medo! A incerteza instalou-se. Não há expectativas legítimas asseguradas, a legalidade muda com o vento e com as opiniões do seu Governo!

Assiste-se a discussões absurdas, formas sem conteúdo, razões que nunca o foram, empolamentos do nada, branqueamento do muito!

Onde vai o Senhor inspirar-se para destruir a nossa esperança no futuro? Quem lhe nega a real informação de que o seu povo tem fome, tem medo, está inseguro, não sabe o que é isso do desenvolvimento tecnológico antes do seu bem estar pessoal, antes da Justiça e dos seus Direitos Fundamentais!

A Ota do nosso descontentamento é o produto que agora pretende vender-nos. Deixe-nos perguntar-lhe porquê e responda-nos para que não pensemos mal de si. Mas fale-nos das nossas necessidades, explique-nos porque nos quer dar uma Ota , mais longe, consumista, duvidosa e troca a nossa vontade por esse quase incontornável destino que nos quer impor.

Nós os que não pertencemos ao seu grupo, somos naturalmente ingénuos e quanto a si pouco dotados, por isso acreditamos na Democracia, devoramos manuais, artigos sem parar e ...em lado nenhum vislumbramos que governar contra o povo seja o conteúdo da democracia.

Senhor Primeiro, tenha um pouco de respeito por nós e não nos tome por tão estúpidos.

Já vimos demais e por isso perdemos a inocência.

Não temos razão? Então mostre-nos que faz escolhas por mérito, em absoluto independentes da cor política, mostre-nos que o seu Governo nos ouve, mostre-nos que os cidadãos são iguais perante Vexa, mostre-nos que as nossas prioridades são prioridades do Governo de Portugal.

Não nos deixe cobrir de vergonha quando fora do País temos de explicar como se vive aqui, como se ascende a cargos superiores, como se representa Portugal, lá fora.

Provavelmente não prestamos! Provavelmente é verdade. Provavelmente acreditamos demais, provavelmente não estamos à altura dos seus altos desígnios! É isso, não o merecemos . O Senhor está para além do que o seu povo podia esperar do destino. Tudo é mau demais para ser verdade, até numa história de “faz-de-conta”.

“Ninguém”»

 

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