A AMBIVALÊNCIA E A DIGNIDADE
Os grandes responsáveis pelo estado a que o País chegou, nos últimos trinta anos, são o PSD e o PS. O círculo de cumplicidades estabelecido entre os dois partidos de poder configura algo de tenebroso.
Um processo extremamente confuso fez tombar o peso do silêncio sobre os mais tenazes e corajosos combatentes da liberdade, especialmente comunistas, mas não apenas – levando-nos a interrogar acerca da propensão desta democracia para integrar uns e desintegrar outros. Sendo que muitos dos integrados pouco ou nada tinham, ou têm, a ver com os ideias democráticos.
Toda a forma de culpabilidade envolve, pela sua específica natureza, impulsos de rejeição. O remorso mal emendado conduz a algumas perplexidades. E ninguém dos que entenderam misturar as coisas admite a responsabilidade que sobre si próprio impende.
Quando Luís Marques Mendes esbraceja contra este Executivo, parece esquecer que não está inocente de culpa. Sócrates, por seu turno, não é nenhum anjo de coro. Recuso-me, porém, a acreditar que não possuam a consciência clara do que fizeram ou têm feito. Cometeram-se tropelias inomináveis. Depredou-se o capital de esperança que o 25 de Abril trouxera à população mais desfavorecida. A ambivalência tomou o lugar da dignidade da clareza de conceitos. O trânsito pelo governo não passou de isso mesmo: de um trânsito para vantajosíssimos lugares no privado ou na administração pública. O impudor saiu à rua, agora sem máscara.
O instrutivo de isto tudo é que não há ex-ministro, ex-secretário de Estado, tanto do PS como do PSD, que não surjam, amiúde, para clamar contra o estado das coisas. A recente indignação de Mira Amaral carece de sentido ético. (Não aludo, nem de leve, à choruda reforma de 3 600 contos mensais, auferidos após seis meses de funções na Caixa Geral de Depósitos, considerada como obscena por Bagão Félix). Amaral também partilhou do poder, e parte substancial do que acontece resulta do redesenhar de circunstâncias político-ideológicas marcadas pela Direita, a que ele pertence.
Um ponto de passagem obrigatório para o exercício de funções governamentais é uma forte coerência moral, um inabalável espírito de missão e a recusa obstinada em se obter benefícios e privilégios. Mira Amaral, cultivando uma ambiguidade desnecessária, porque são óbvios os seus desejos, diz que está e que não está disponível para regressar. Regressar a quê? Ao governo? Mas que pode este homem trazer de novo a um sistema apodrecido, desacreditado, que ele próprio ajudou a edificar? Aliás, está por fazer a análise crítica à década cavaquista, mais iluminada pelos holofotes do marquetingue do que pela eficácia e pelo equilíbrio social. Por isso mesmo, nenhum daqueles que serviram Cavaco possui autoridade moral para contestar o marquetingue que faz de Sócrates o génio da lâmpada.
A sociedade portuguesa está gravemente enferma. E a doença espalha-se e molesta todos os sectores. Esta gente que nos governa, que nos governou, e, sem pejo mas com descaramento, se disponibiliza para voltar a governar-nos - não serve. Precisa-se de uma nova geração, preferivelmente não saída das juventudes partidárias, o maior alfobre de ociosos e de mentecaptos que o País já viu, além de notável escola de arrivistas. Recordo-me de, há anos, o inexaurível António José Seguro conceder uma entrevista ao Expresso (este Expresso também demonstra cada ideia!), na qual o mancebo dizia estar fatigado da política mas disponível para o Parlamento Europeu. Para onde, aliás, foi, evidentemente muito aborrecido.
A conivência de interesses entre o PS e o PSD corresponde a uma coesão domesticada, favorável à troca de lugares, às intrigas uniformizadas para se perseguir este e aquele que saia dos eixos. Há dias, um velho amigo meu, fundador do partido de Sá Carneiro (adivinhem que acertam!), dizia-me que a mestiçagem ideológica do PS não começara no conúbio com o PSD. Nascera de uma falaciosa luta contra o PCP. E notava que numerosos daqueles que se acoitaram no albergue anticomunista provinham do esquerdismo, condenando o PCP como revisionista. Estão, quase todos, no PS, no PSD, ou defendem, em editoriais, artigos e comentários as impolutas virtudes do capitalismo. Seria elucidativo fazer-se o registo daqueles, socialistas e sociais-democratas genuínos, que abandonaram o PS e o PSD por falta de compromissos das cliques dirigentes para com os seus eleitorados.
As movimentações das últimas semanas seriam interessantes não fora o caso de espelharem o ridículo generalizado. Afogado na sua pessoal intranquilidade, Paulo Portas, emérito intriguista, prepara-se para regressar ao local de onde nunca saiu. Se a autoridade cívica ainda dispõe de alguma autoridade (do que seriamente duvido), recusará esta sujeição à palhaçada, este autoclonismo bacoco, travestido de civilizado e culto. O autoconvencimento de Portas reproduz uma certa Direita autóctone, reprodutora de ideias feitas, cediças, e esvaziada de qualquer conteúdo original. Chega a ser deprimente assistir ao patético espectáculo de Paulo Portas a discretear nas televisões, especialmente na SIC: sem grandeza e com petulância, sem modéstia e com soberba - como se estivesse a falar para uma audiência de zoilos.
É esta gente que deseja voltar. É esta gente que está. E não há possibilidade de fazermos zapping
B.B.
Um processo extremamente confuso fez tombar o peso do silêncio sobre os mais tenazes e corajosos combatentes da liberdade, especialmente comunistas, mas não apenas – levando-nos a interrogar acerca da propensão desta democracia para integrar uns e desintegrar outros. Sendo que muitos dos integrados pouco ou nada tinham, ou têm, a ver com os ideias democráticos.
Toda a forma de culpabilidade envolve, pela sua específica natureza, impulsos de rejeição. O remorso mal emendado conduz a algumas perplexidades. E ninguém dos que entenderam misturar as coisas admite a responsabilidade que sobre si próprio impende.
Quando Luís Marques Mendes esbraceja contra este Executivo, parece esquecer que não está inocente de culpa. Sócrates, por seu turno, não é nenhum anjo de coro. Recuso-me, porém, a acreditar que não possuam a consciência clara do que fizeram ou têm feito. Cometeram-se tropelias inomináveis. Depredou-se o capital de esperança que o 25 de Abril trouxera à população mais desfavorecida. A ambivalência tomou o lugar da dignidade da clareza de conceitos. O trânsito pelo governo não passou de isso mesmo: de um trânsito para vantajosíssimos lugares no privado ou na administração pública. O impudor saiu à rua, agora sem máscara.
O instrutivo de isto tudo é que não há ex-ministro, ex-secretário de Estado, tanto do PS como do PSD, que não surjam, amiúde, para clamar contra o estado das coisas. A recente indignação de Mira Amaral carece de sentido ético. (Não aludo, nem de leve, à choruda reforma de 3 600 contos mensais, auferidos após seis meses de funções na Caixa Geral de Depósitos, considerada como obscena por Bagão Félix). Amaral também partilhou do poder, e parte substancial do que acontece resulta do redesenhar de circunstâncias político-ideológicas marcadas pela Direita, a que ele pertence.
Um ponto de passagem obrigatório para o exercício de funções governamentais é uma forte coerência moral, um inabalável espírito de missão e a recusa obstinada em se obter benefícios e privilégios. Mira Amaral, cultivando uma ambiguidade desnecessária, porque são óbvios os seus desejos, diz que está e que não está disponível para regressar. Regressar a quê? Ao governo? Mas que pode este homem trazer de novo a um sistema apodrecido, desacreditado, que ele próprio ajudou a edificar? Aliás, está por fazer a análise crítica à década cavaquista, mais iluminada pelos holofotes do marquetingue do que pela eficácia e pelo equilíbrio social. Por isso mesmo, nenhum daqueles que serviram Cavaco possui autoridade moral para contestar o marquetingue que faz de Sócrates o génio da lâmpada.
A sociedade portuguesa está gravemente enferma. E a doença espalha-se e molesta todos os sectores. Esta gente que nos governa, que nos governou, e, sem pejo mas com descaramento, se disponibiliza para voltar a governar-nos - não serve. Precisa-se de uma nova geração, preferivelmente não saída das juventudes partidárias, o maior alfobre de ociosos e de mentecaptos que o País já viu, além de notável escola de arrivistas. Recordo-me de, há anos, o inexaurível António José Seguro conceder uma entrevista ao Expresso (este Expresso também demonstra cada ideia!), na qual o mancebo dizia estar fatigado da política mas disponível para o Parlamento Europeu. Para onde, aliás, foi, evidentemente muito aborrecido.
A conivência de interesses entre o PS e o PSD corresponde a uma coesão domesticada, favorável à troca de lugares, às intrigas uniformizadas para se perseguir este e aquele que saia dos eixos. Há dias, um velho amigo meu, fundador do partido de Sá Carneiro (adivinhem que acertam!), dizia-me que a mestiçagem ideológica do PS não começara no conúbio com o PSD. Nascera de uma falaciosa luta contra o PCP. E notava que numerosos daqueles que se acoitaram no albergue anticomunista provinham do esquerdismo, condenando o PCP como revisionista. Estão, quase todos, no PS, no PSD, ou defendem, em editoriais, artigos e comentários as impolutas virtudes do capitalismo. Seria elucidativo fazer-se o registo daqueles, socialistas e sociais-democratas genuínos, que abandonaram o PS e o PSD por falta de compromissos das cliques dirigentes para com os seus eleitorados.
É esta gente que deseja voltar. É esta gente que está. E não há possibilidade de fazermos zapping
B.B.
Etiquetas: Portugal
1 Comments:
Nas próximas eleições legislativas já não escolheremos o governo em função das suas promessas ou das suas propostas eleitorais, o governo que sair das próximas eleições será um governo científico, as suas medidas serão inquestionáveis o que nos poupará a debates inúteis, não terá programa, o seu ponto de partida será um portfólio de consultores, assessores e empresas de consultoria em que os eleitores mais confiaram.
Os programas eleitorais terão a validade dos iogurtes, apenas servirão para animar os debates televisivos, serão o argumento para que os candidatos tenham matéria para provar as suas capacidades de comunicação. Os programa de governo terão a mesma validade dos programas eleitorais, funcionarão como se fossem uma tese, o debate do programa do governo não passará de um cerimónia para investir o primeiro-ministro como o próximo contratador de estudos, um misto entre a abertura do ano judicial e do programa Prós & Contras.
Se há dúvidas quanto à necessidade de aumentar os impostos encomenda-se um estudo ao dr. Constâncio, se há dúvidas quanto à necessidade de um novo aeroporto ou quanto à sua localização encomendam-se meia dúzia de estudos, se não se sabe o que fazer às forças de segurança compra-se um estudo à Accenture, se é necessário acabar com as férias judiciais encomenda-se um estudo a quem percebe da coisa, para mudar as urgências há um estudo com tudo devidamente analisado, as maternidades ficarão onde um estudo determinar, se o objectivo é modernizar o Estado manda-se fazer um estudo para cada ministério, para todos os problemas há-de haver um estudo com as soluções mais adequadas e sem margem para discussão.
As melhores soluções serão as dos melhores estudos e o melhor primeiro-ministro será aquele que escolher os melhores produtores de estudos. E um primeiro-ministro que decide com base em estudos, para além de ser mais eficaz pois não perde tempo a pensar nas soluções, nunca será o responsável pelas más soluções o problema era do estudo, nunca lhe poderão ser imputadas as culpas do erros do estudo, os estudo nunca falham, as suas premissas é que podem mudar.
Os cidadãos ficam dispensados de discutir o país, contratado quem faz o estudo e depois de concluído basta ouvir as medidas propostas no estudo, suportar os custos e as consequências e voltar ao trabalho. Um sistema político assente nos estudos vai mais de encontro às necessidades da economia, perde-se menos tempo e a produtividade aumenta. As eleições serão uma mera formalidade, a todo o momento sabemos a opinião dos eleitores e o que eles pensam do governo, de cada uma das suas medidas, o próprio Presidente da República olhará aos estudos para saber se os portugueses gostam mais dele do que o primeiro-ministro.
Depois da ditadura e da democracia chegámos à estudocracia, na ditadura o pensamento do ditador dispensava a democracia, na estudocracia as conclusões dos estudos substituem o debate político, a democracia foi o modelo político de transição entre uma revolução industrial que chegou com atraso e uma globalização adoptada à pressa. A ditadura era o regime de um tempo em que nada mudava, quando a Farinha 33 não precisava de mudar de embalagem, a estudocracia é a resposta política à globalização, no novo mundo a democracia e o debate de ideias é uma perda de tempo, as soluções eficazes são as dos estudos.
A estudocracia é uma forma superior de sistema político, na ditadura o ditador decidiam porque os cidadãos eram ignorantes, na democracia os cidadãos falam do que sabem e do que não sabem, com a estudocracia os cidadãos não só estão dispensados de pensar como ainda são formados e informados por estudos encomendados para esclarecer todas as suas dúvidas. A estudocracia é uma forma superior de democracia, é uma democracia que consegue ter a virtude de dispensar os cidadãos do exercício da própria democracia.
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