quarta-feira, 11 de julho de 2007

A LIBERDADE AMEAÇADA

E quanto os candidatos à Câmara de Lisboa se entretêm, amenamente, com chamar-se, uns aos outros, de mentirosos, velhacos e ignorantes, o nosso querido primeiro-ministro é apupado no estádio da Luz.
Neste país parece que ninguém gosta de ninguém, e as interpretações torcidas que, de hábito, se fazem destas manifestações sentimentais tendem a considerá-las como normais em democracia. Na verdade, elas não são, somente, uma necessidade de ordem psicológica e uma representação da incomodidade geral: afirmam a separação absoluta entre dois países no interior de um só.

A confusão entre Estado e indivíduo, singularidade e colectividade, massa e cidadão é propícia à classe dirigente. Alguns afáveis intelectuais pensaram (creio que ainda pensam, se é que pensam) vogar no rumo certo da História e têm apoiado, com sistemático enternecimento, o "socialismo moderno". Em Portugal, esta misteriosa designação tem, actualmente, um visível paladino, José Sócrates, epígono do socialismo de turíbulo, defendido com doçura pelo inesquecível António Guterres.

Ora, em dois anos de socialismo moderno acentuou--se a separação entre nós e eles, entre o espírito da História e uma História sem espírito. Duas linguagens diferentes e incompatíveis, cada vez mais contaminadas pelo ódio e pela indiferença, pelo desdém e pela resignação. O novo Estatuto do Jornalista, caucionado por deputados servis, assinala, uma vez ainda, as características destes socialistas, cujo elevado défice democrático, intelectual, moral, social e cultural causa-nos as maiores preocupações. Subordinar a livre expressão aos critérios de uma decisão que se sobrepõe aos princípios fundamentais da democracia constitui o mais grave atentado, registado depois de Abril, contra a liberdade de informação. Não se trata de uma questão corporativa: é um problema vital.

Está em causa uma normatividade que pretende coagir os jornalistas ao temor e à reverência, e que tende a relegar a liberdade de Imprensa para a lista dos produtos supérfluos.
A Conferência Episcopal protesta, porque descobre, tardiamente, o maniqueísmo de tábua rasa de um Governo absolutamente anti-social.
Só agora, Igreja?
As legislações que nos têm regido (Constituição, Código Penal, Lei de Imprensa) não correspondem a uma visão contemplativa do jornalismo; punem quem prevarica. O Estatuto é um cão-de-guarda.

E o desatino é de tal monta que se chega ao ponto de pedir, encarecidamente, a um Presidente de República, cujo currículo não possui o mais módico vestígio de luta pela liberdade, que vete o Estatuto, cuja natureza agride a expressão do livre pensamento.


B.B.

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2 Comments:

At 12 de julho de 2007 às 14:00, Anonymous Anónimo said...

Apesar de condenáveis os casos da DREN ou do serviço de saúde de Vieira do Minho estão longe de serem excepção na Administração Pública, ainda que no passado a comunicação social não prestasse atenção a este tipo se situações. A confusão entre o Estado e o partido no poder é uma regra da política portuguesa, é dessa confusão que vivem os aparelhos partidários, todos os partidos com acesso ao poder, central, regional ou autárquico, tem telhados de vidro.

A democracia portuguesa tem um longo historial de saneamento político, tudo começou no pós 25 de Abril e desde então a “confiança política” tem sido um instrumento de consolidação do poder. PCP, PSD e PS têm um vasto currículo nesta matéria, ainda que no caso do PS a vocação saneadora nunca tenha sido tão evidente como com os serviçais de Sócrates.

Quem não se lembra das grandes de cerimónias de apresentação dos novos militantes no tempo de Cavaco Silva, quando aceder a um lugar de chefia do Estado quase implicava a inscrição prévia no PSD? Já estamos esquecidos do recente saneamento do presidente da CM de Setúbal pela direcção do PCP? Vamos ignorar o que se passa na Madeira, esse paraíso da democracia de um Marques Mendes que agora anda armado em defensor das liberdades?

O que me incomoda não são dois ou três caso pois já assisti a centenas de funcionários saneados sem direito à denúncia pública da forma como foram tratados, o que mais me preocupa é a evidente falta de formação de democrática que alguns membros do governo têm evidenciado.

Mais grave do que o saneamento da DREN foi a ministra da Educação ter ido ao Parlamento dizer que o processo disciplinar ao professor Charrua garante a defesa da liberdade e da democracia. A ministra acha que um processo disciplinar à vítima, conduzido por um instrutor escolhido por estar na mão da directora da DREN, com testemunhas da confiança da mesma directora e cuja conclusão vai ter o despacho dessa directora. Se a ministra defende isto no Parlamento é porque tem um conceito de democracia muito duvidoso.

O ministro das Obras Públicas fala do investimento no novo aeroporto como se tratasse de uma reparação na sua casa e não tivesse que prestar contas aos contribuintes e muito menos justificar as suas decisões apoiadas em estudos que ninguém viu. Como se não bastasse trata as regiões que exclui dos seus projectos sem o menor respeito pelos cidadãos que lá vivem.

O ministro da Economia, que não ouviu dizer que o que se come em casa não se diz na rua, foi para a China apresentar a nossa pobreza e a suposta mansidão dos trabalhadores como vantagem comparativa da nossa economia.

O ministro das Finanças não achou nade de estranho no facto de o director-geral dos Impostos ter mandado fazer listas pormenorizadas dos funcionários que aderiram a uma greve, sujeitando-se a ser enxovalhado no dia seguinte por uma decisão da Comissão Nacional de Protecção de Dados proibindo a elaboração de tais listas.

O primeiro-ministro que deveria dar o exemplo e ser o primeiro a corrigir estes comportamentos idiotas opta pelo consentimento proporcionado pelo seu silêncio. Além disso, parece que não gostou que os portugueses tivessem ficado a saber do seu brilhante currículo enquanto estudante de engenharia e decidiu promover duas queixas-crime contra o bloguista que ousou beliscar a sua imagem.

Sempre que o primeiro-ministro faz uma viagem ao estrangeiro os seus assessores desdobram-se a fazer contas para determinar que percentagem do PIB reporesenta a comitiva que acompanha Sócrates. Quase um século depois de se ter generalizado a regra "um homem, um voto" a equipa de um primeiro-ministro de um país democrático descrimina os portugueses em função do capital que possuem, como se a criação de riqueza fosse exclusivo do capital!

Estamos perante casos de evidente défice de formação democrática a que urge pôr termo.

 
At 12 de julho de 2007 às 14:01, Anonymous Anónimo said...

Se soubesse o que é um processo disciplinar a ministra da Educação não afirmaria que «os procedimentos disciplinares são garante da liberdade e da democracia». É preciso ter "lata" para ir ao parlamento fazer tal afirmação, que só denota desconhecimento e um desconhecimento do que é a democracia.
Um processo disciplinar decidido pela directora da DREN, conduzido por um instrutor da confiança da mesma directora que ainda antes da divulgação da nota de culpa já estava a antecipar a acusação e cuja conclusão vai ser decidida pela mesma directora é para uma ministra da Educação de um país democrático um garante da liberdade e da democracia! Fico sem perceber se a ministra está a gozar com os portugueses ou com a própria democracia.

Além disso, a ter havido alguma violação das regras da democracia não foram cometidas pelo professor sujeito ao processo, mas sim à directora que o decidiu. Ora, se a ministra acha que defende a democracia com processos disciplinares então que determine um para o comportamento da directora, até porque há sinais evidentes de perseguição e isso constitui uma infracção disciplinar, que a ministra não pode esquecer, até porque a lei obriga-a a abrir pelos menos um processo de averiguação.

Estará a ministra à espera que o despacho da directora da DREN vá concluir que o professor Charrua é inocente que todo este processo foi uma perseguição política conduzida por ela própria? Se isto fosse possível até poderia acreditar na ministra.

 

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