sexta-feira, 14 de setembro de 2007

SÓCRATES NÃO PERCEBE NADA DO QUE ESTÁ A FAZER

Um bom Governo é aquele cujas decisões servem a maioria. Desde quando um Governo português tem correspondido a este princípio? A seguir a Abril, durante dezoito meses. Historicamente, é um facto. E, quer se queira ou não, o PREC [Processo Revolucionário em Curso] foi carregado de conotações pejorativas, destinadas a diabolizar o que correspondia, afinal, a uma ética: a da revolução.

Sou capaz de entender os imensos e profundos traumas causados por uma ruptura político-social sem precedentes. Mas temos de admitir que a história desse período tem sido escrita unilateralmente.

Um domínio restrito da sociedade foi directamente afectado: o das oligarquias, escoras do poder económico sustentador do Estado Novo, e causador da estagnação cultural, moral, cívica, social – e até económica, de um povo, considerado uma insignificância sem excepção. Como acentuou Eduardo Lourenço, Abril foi, sobretudo, um acto cultural. A normalização acabou com a ideia de que o homem português poderia ser melhor, se melhorassem o sistema, depois de aniquilar o regime.

A verdade é que, a seguir a Novembro, nunca mais Governo algum serviu a maioria. Não se trata aqui, de defender ou de atacar as origens da normalização, ou o que ela posteriormente originou. Esse trabalho terá de ser feito não só por historiadores mas, conjuntamente, por sociólogos e investigadores de ciências sociais, a fim de se poder esclarecer o grau de conivência dos grupos radicais; a cumplicidade de políticos responsáveis com serviços secretos externos; e as vultosas somas, provenientes de fundações estrangeiras, e aceites por partidos democráticos, em nome do patriotismo e contra os vendilhões da pátria. Ainda hoje se desconhece quem foram, realmente, os vendilhões.

Portugal tem sido uma metáfora americanizada, primeiro, da Guerra Fria; depois, da política de última fronteira dos Estados Unidos. Qualquer pessoa de bem sente-se incapaz de apagar da memória aquela imagem nas Lajes (Açores), com o inconcebível Durão Barroso a servir de mordomo a Bush, Blair e Aznar, na preparação do sinistro morticínio no Iraque. Esta sórdida coligação eliminou toda a possibilidade de análise e de discussão, com o pobre Kofi Annan, desgraçado secretário-geral das Nações Unidas, a admitir toda a espécie de enxovalhos por parte da santa aliança.

Claro que o País evoluiu. Dentro de limites impostos por fora. A evolução do País, porém, foi morosa e direccionada. Não creio que todos os governantes tenham sido, ou são, matóides embasbacados. Submeteram-se, por incapacidade de bater o pé. O que não é novo na História de Portugal. E desbarataram caudais de dinheiro, sem o aplicar nas áreas sociais mais urgentes por mais pungentes.

É neste círculo dramático que temos vivido. Os recém-chegados à política não estavam preparados para dirigir, a não ser, talvez, Mário Soares e Álvaro Cunhal. Excepção feita a Francisco Sá Carneiro, todos os outros procediam do protesto, da contestação estudantil, do antifascismo, da revolta. Por muito estimáveis que sejam (e são) as virtudes contidas nestes movimentos, elas não chegam para garantir o estatuto de governante. E as exigências do Portugal saído do 25 de Abril eram desmedidas. Contudo, e dando de barato a inexperiência, a incipiência e as hesitações de quantos constituíram a classe dirigente, temos de convir que já passaram trinta anos bem contados, e depredadas importâncias consideráveis.

Entrou-se na rotina da governação. Alternância sem alternativa. O aparelho de Estado está repleto de gente do PSD e do PS. A partilha é feita entre aqueles dois partidos, e a democracia reassume o aspecto formal que mantém quem a defende naqueles moldes. A relação empática entre governantes e governados é o principal traço identificador da cultura democrática. Essa empatia não implica ausência de conflito. Pelo contrário. O pior é que já não existe relação como traço identificador.

O português demonstra a pior impressão dos políticos: desconfia da honestidade deles; despreza o Parlamento e despreza os deputados porque o não representam e apenas estão ali para organizar a vidinha; desemboca na incerteza e assiste ao progresso da mentira, das promessas incumpridas, do enriquecimento rápido de uns tantos.

O tripudiar sobre valores, padrões e princípios que simbolizavam as escoras da sociedade, deixou o português perplexo, a princípio e, depois, angustiado e desesperado – por não adivinhar a mais escassa luz ao fundo do túnel. Quando, há dias, o querido primeiro-ministro exprimiu grande contentamento, devido ao facto de o Governo já haver encerrado duas mil escolas, e se regozijava com os miúdos porque iam aprender inglês – julguei que estava assistir a uma cena dos Monty Python.
O homem não possui o senso de equilíbrio, diz coisas absurdas, fala desprovido da razão sensorial.

Enfim
: Sócrates não percebe nada do que está a fazer. E, lenta e cuidadosamente, dá cabo de nós.
O pior é que a alternância não nos resgata.


B.B.

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