segunda-feira, 1 de outubro de 2007

COISAS DE ESPANTAR

1. Para dar cumprimento às instruções do procurador-geral da República, que mandou investigar se José Sócrates foi ou não favorecido na sua licenciatura na Universidade Independente, os investigadores não estiveram com meias medidas: puseram sob escuta os telefones do reitor e de outros intervenientes. Não se sabe se chegaram também a pôr sob escuta o telefone do próprio primeiro-ministro, sabe-se apenas que acabaram a escutar conversas dele. É claro que, como lhes competia, também foram ver todos os papéis da Universidade, ouvir o reitor e professores e os antigos colegas de curso de Sócrates. Acho que não é preciso ser detective para perceber que apenas os papéis e os testemunhos bastavam para chegar a uma conclusão, como, aliás, eles chegaram: a de que José Sócrates está inocente porque se limitou a beneficiar de uma ribaldaria geral existente naquela espécie de Universidade e de que todos os alunos terão beneficiado por igual. Mas, se assim era, como foi, pergunta-se: para quê a necessidade das escutas, neste caso? Resposta: para poupar trabalho, para ver se alguma conversa comprometedora lhes dispensava a necessidade de investigar. E também por tique já instalado. Escutar as conversas de toda a gente, a propósito e a despropósito, transformou-se numa banalidade para a PJ e o Ministério Público.

2. Terá o PSD sobrevivido ao dia de ontem? Sobreviverá ao dia de amanhã? Sobreviverá a nova derrota nas legislativas, tão certa e inevitável como certa e inevitável é a morte de tantas coisas que tínhamos como vivas para sempre?

O mais português de todos os partidos portugueses sofre de crónicos males portugueses: a incapacidade de viver longe do poder e das suas benesses; a impaciência dos que acreditam que o sucesso não precisa de trabalho, tempo e talento; a tentação de imaginar que a agitação oca e a guerrilha permanente e sem sentido podem esconder a falta de substância das ideias e dos programas.

A presente campanha eleitoral 'basista', que veio demagogicamente substituir os congressos dos cabos eleitorais, tem sido, aos olhos de todos, um exercício pungente de autoflagelação de que vai ser difícil curar as feridas. Podemos sempre repetir compungidamente aquela frase de que o PSD, maior partido da oposição, faz falta à democracia portuguesa. Mas essa verdade inócua não adianta nada: este PSD não faz falta nenhuma, outro talvez. Tirando os partidos que nunca foram governo, todos os outros apresentam esta mesma face desgastada e velha. Como se governar o país fosse um fardo demasiado pesado para os que prestam e a única coisa que interessa na política para os que não prestam. A doença de que padece o PSD está manifestamente muito para lá desta ocasional e desagradável disputa entre Mendes e Menezes. O mal é mais profundo e não atinge só o PSD. É um mal de raiz, cada vez mais acentuado: os que poderiam bem servir não estão interessados ou têm coisas mais rentáveis a fazer; os que querem servir, de qualquer maneira, não estão à altura das suas ambições. Felizmente, ainda vai havendo algumas excepções que, às vezes, como actualmente, chegam para formar meio governo capaz. Mas é uma vocação que cada vez atrai menos gente de mérito.

3. O presidente da Câmara Municipal de Alenquer diz que encara a possibilidade de processar o Estado caso não vá avante o aeroporto da Ota. O raciocínio é este: há sempre uma legítima expectativa de obras públicas, mesmo que elas se demonstrem, a tempo, serem uma ruinosa e disparatada empreitada. O bem comum e o interesse público diluem-se face às expectativas e interesses particulares criados. Com base nesta crença, muitas e muitas acções têm sido postas contra o Estado nos tribunais administrativos. Aqui há tempos, até houve uma companhia de teatro que demandou o Estado por não lhe ter sido atribuído um subsídio a que tinha concorrido. O mais engraçado neste caso é que em Junho passado a assembleia municipal da mesma Câmara de Alenquer tinha votado uma moção em que reclamava uma compensação do Estado fundada nas limitações impostas pelo futuro aeroporto da Ota. Ou seja: em Alenquer, acham-se com o direito a serem indemnizados se houver Ota, e o mesmo se não houver. De certeza que nenhum destes putativos litigantes paga 42% de IRS...

4. Saiu o regulamento para a classificação dos professores com vista à sua subida na carreira. Desapareceu a enormidade da participação dos pais no processo (a menos que sejam os próprios professores a requerê-la), evitou-se a discriminação de condições entre escolas boas e escolas "difíceis" e o que restou pareceu-me um sistema adequado e justo para premiar o mérito, a assiduidade e o esforço - certamente melhor do que nada. Mas, claro, a Fenprof está contra - como sempre, sempre, está contra qualquer medida que exija resultados ao sistema e aos professores e que tente inverter a situação catastrófica em que tem vivido o ensino. À Fenprof interessa apenas o que respeite ao bem-estar dos professores, mesmo que à custa da perpetuação do subdesenvolvimento cultural do país. A Fenprof acha que um professor que falte deve ter os mesmos direitos que um que não falte; acha que um que obtenha melhores resultados não deve ser beneficiado relativamente a outro que se está nas tintas para os resultados dos alunos; acha que um sistema de classificação em que nem todos podem obter a classificação máxima está desvirtuado à partida; acha, em suma, que classificar professores em função do seu mérito e dos resultados obtidos é uma ofensa aos direitos adquiridos.

5. O presidente da Universidade de Columbia, apostado em dar uma lição prática sobre os benefícios da liberdade de expressão, resolveu convidar o Presidente do Irão, Ahmadinejad, de visita à Assembleia-Geral da ONU, para discursar na sua Universidade. Porém, convite feito e aceite, sentado o convidado frente à plateia, o ilustre Lee Bollinger resolveu entrar para a história com esta frase de boas-vindas:

- Vamos ser claros desde o princípio, senhor Presidente: o senhor tem todos os sinais de um ditador mesquinho e cruel, de uma espantosa ignorância.

Só um americano é que seria capaz de tamanha grosseria e falta de educação. As pessoas normais ou não convidam para casa aqueles que desprezam ou, se o fazem, não é para os insultar. Mas o sr. Bollinger transformou o pretexto da liberdade de expressão numa ocasião para o insulto fácil e de costas quentes. Certamente que não se atreveria a dizer a mesma coisa se estivesse no Irão e certamente que também não diria o mesmo a alguém ainda mais espantosamente ignorante, como é o Presidente dos Estados Unidos. A ignorância da gente de Bush tem sido, aliás, a maior fonte de perturbação global dos últimos anos. Resta esperar que o tempo passe depressa e que a lição tenha sido aprendida.

Miguel Sousa Tavares

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3 Comments:

At 1 de outubro de 2007 às 16:11, Anonymous Anónimo said...

Miguel Sousa Tavares está esta semana de volta a um dos seus passatempos favoritos: zurzir nos professores e, em especial, na Fenprof.
Não sei se o trauma é mesmo com os sindicalistas, se é com algum professor(a) que se lhe atravessou na vida quando foi aluno, ou quando fazia a sua educação sentimental ou mesmo se quando lhe exigiram que cumprisse deveres de encarregado de educação.

Não sei, não percebo. Como é habitual em MST a sua argumentação tem uma base por vezes tão irracional que é quase impossível tentar perceber o que o motiva. Vamos considerar que é um génio oscilante. Quando está em dia bom, acerta em cheio; quando está do avesso, falha por completo. Infelizmente, com o passar do tempo, os dias bons têm vindo a escassear.

Mas concentremo-nos no naquinho de prosa que esta semana dedica ao tema da avaliação dos docentes e à posição da Fenprof, de que todos já sabem que não sou filiado e de que nem sempre partilho os pontos de vista. Então a coisa reza resumidamente assim:

1. Saiu o regulamento para a classificação dos professores.
2. O regulamento é bom porque evita a discriminação entre escolas e parece a MST ser «um sistema adequado e justo para premiar o mérito, a assiduidade e o esforço».
3. A Fenprof está contra e, por isso, quer manter o «subdesenvolvimento cultural do país».
4. A Fenprof quer um sistema onde todos tenham a nota máxima.
5. A Fenprof é má, má, má (pronto, aqui sou eu já a exagerar).

Do parágrafo lido a páginas 7 do caderno principal do Expresso, retiro eu as seguintes conclusões:

1. MST não percebeu que a regulamentação ainda não saiu.
2. MST não leu a regulamentação, caso contrário não teceria considerações vagas sobre aspectos que não surgem nos documentos (a tal coisa da não discrimnação entre escolas). E quanto a este aspecto aposto simples contra quadriplicado ou mais que nem sequer cheirou as grelhas destinadas á avaliação.
3. MST escreveu em piloto automático, caso contrário tentaria demonstrar o que afirma, exemplificando, como por vezes faz com outros assuntos.
4. MST não gosta da Fenprof. Está no seu direito.
5. MST parece não perceber que não é só a Fenprof que está contra este modelo, ainda não formalmente aprovado, de avaliação. Estão outras organizações sindicais e professores não sindicalizados como eu próprio, fortemente críticos de alguma acção sindical e que não têm receio de ser avaliados de forma rigorosa. Mas não por MST com mau humor em praça pública.
6. MST parece ter algum pudor em ofender todos os professores, pelo que usa o bode espiatório da Fenprof para os desancar indirectamente. Não é muito correcto, mas parece que os tempos já estão para tudo.
7. MST é demasiado bem pago por estas prosas para que elas sejam tão confrangedoras em termos de fundamento.

Esta última consideração não resulta, como é óbvio, apenas da leitura das suas crónicas, mas de uma relativa inconfidência de um elemento bem antigo dos quadros do expresso e que conhece bem os termos em que as crónicas de MST são reproduzidas e remuneradas.

E, sim, admito que não gosto de dar a outra face quando - por interposta organização - ofendem as minhas posições.

E sim comprei e li o Equador que acho um livro mediano de ficção histórica, por vezes chato e pobre em matéria de intriga. Mas li todo. A opinião expressa sobre a obra não tem impurezas decorrentes da minha opinião sobre o autor. Também não simpatizo por aí além com o Lobo Antunes, mas gosto das suas crónicas na Visão.

Conhaque é conhaque.

 
At 2 de outubro de 2007 às 12:39, Anonymous Anónimo said...

As "trapalhadas" do PS e de José Sócrates e o ataque ao Juiz de Instrução que validou as escutas

As conversas telefónicas que o semanário "Sol" publicou, no passado Sábado ,são mais uma razão para ser revogado o regime de publicação das conversas telefónicas , escutadas nos vários processos.A publicação tem de ser livre, porque é do interesse público.

O Poder, o arco PS/PSD/CDS, movimenta-se subterraneamente, ao sabor dos interesses das lojas maçónicas ,umas vezes ,e da Opus Dei outras.

No fundo, jogos de poder.

O jornal "O Sol" teve a coragem de as publicar e desmascarar José Sócrates, mais Paulo Portas, mais Rui Pereira.

Há uma outra situação preocupante. Parece que o Ministro da Administração Interna está a castigar o Juiz Dr. Carlos Alexandre ,juiz de instrução do Tribunal Central de Instrução Criminal, que validou as escutas, que ordenou as buscas.

O Juiz Carlos Alexandre sofreu um "assalto" na sua casa, facto noticiado no jornal Expresso da passada semana. Terá pedido protecção, a cargo da PSP, mas o Ministério da Administração Interna, atavés da sua longa mão na PSP, não lhe terá disponibilizado segurança pessoal.

Estive no Tribunal da Boa Hora, na passada sexta-feira e o caso é comentado entre advogados e outros, grassando a revolta pela prepotência, dizem.

Se for verdade que Rui Pereira, enquanto Ministro da Administração Interna está a prejudicar e a pôr a vida ,e a liberdade do Juiz Carlos Alexandre em perigo, não lhe atribuíndo segurança pessoal - ao contrário do que acontece com a Drª Ana Peres do caso Casa Pia e do próprio "Bibi" - então as coisas são muitissimo graves.

O Juiz Carlos Alexandre é só o equivalente português ao juiz Baltazar Garçon, em Espanha.

Tem a ser cargo, como juiz de instrução, os processsos "Furacão", "Portucale", "Burla às OGFE envolvendo militares , incluindo oficiais generais portugueses , polacos e bitânicos", entre outros, que mexem com o Poder.

O Poder estará a apertar o juiz Carlos Alexandre, negando-lhe segurança pessoal, condições de trabalho.

Quem como eu luta contra a corrupção, o tráfico de influências, o amiguismo e a cunha, só pode ficar preocupado.E revoltado.

O Ministro Rui Pereira tem de agir na prossecução do interesse público. Não pode interferir no Poder Judicial ,nem directa nem indirectamente.E como diz o Povo "há muitas maneiras de matar moscas ".

O Presidente da República tem de tomar uma posição sobre esta questão e nós devemos denunciá-la, sem medos, sem constrangimentos.

Porque se o MAI não proporcionar ao juiz Dr. Carlos Alexandre as condições para ele se sentir livre e seguro no seu trabalho, há uma inversão total dos valores.

Um ataque ao Estado de Direito e à Liberdade da Justiça actuar.

Se acontecer alguma coisa ao Dr. Carlos Alexandre ,alguém vai ter de ser responsabilizado.

Os jogos das lojas maçónicas - verdadeiros centros de emprego e tráfico de influência, como se vê das escutas publicadas pelo "Sol" - são os principais agentes do marasmo que é Portugal.

 
At 2 de outubro de 2007 às 23:47, Anonymous Anónimo said...

No fim do século XIX o imperador austro-húngaro era contra a existência da luz eléctrica. E tremia de medo só de pensar que o caminho-de-ferro pudesse trazer a revolução socialista. Passados mais de 100 anos o sistema político português vive apavorado com qualquer sinal de mudança. Se fosse de outra maneira como é que existiriam “acordos de regime” para a tentativa subterrânea no transparente mundo da democracia, de substituição de Souto Moura por Rui Pereira?
É por isso que a eleição de Luís Filipe Menezes dói. Não porque traga alguma ideia de novo à democracia portuguesa. Mas porque é um terramoto no bem comportado sistema de rotativismo de interesses nacional. E traz consigo a mais temível das dores de cabeça: o populismo. À sua maneira Sócrates é um populista poupado: só oferece telemóveis e computadores. Menezes abre as portas de Pandora de um outro populismo. Não está só: ele é o Dom Quixote de um populismo para que os portugueses se viram em momentos de exaustão. Até porque a política economicista de Sócrates está a fazer afogar-se o centro que decide as eleições: a chamada classe média. É aí que o populismo cresce. Nesse combate Menezes não está só: a ele juntam-se essa figura nebulosa crescida em Macau, de nome Nuno Delerue. E Ribau Esteves. Isto sem esquecer Ângelo Correia. A Menezes para combater em 2009 falta uma equipa-sombra de Governo: rejuvenescida face aos nomes de sempre do PSD. E aí o populismo expansivo de Menezes será uma ameaça para o populismo poupado de Sócrates.

 

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