sexta-feira, 17 de outubro de 2008

A VERSÃO DO CIVISMO

José Sócrates está perto de nova maioria absoluta leio, na prospectiva de um politólogo. É bem capaz de ser verdade. O que, para mim, tanto se me fez como se me faz. Há muito que se perdeu a noção de magistério. E todo aquele que denuncia esta grave amolgadela no tecido cultural português corre perigos vários.

O prof. dr. José Gil, num admirável artigo editado na Visão, revista que raríssima vez frequento, fala acerca do processo de domesticação da sociedade, por parte deste Governo. E diz: Como foi possível passar da contestação à obediência, da revolta à ‘servidão voluntária’, como lhe chamava La Boétie? Indiquemos um só mecanismo que o Governo utiliza: a ausência total de resposta a todo o tipo de protesto. Cem mil pessoas na rua? Que se manifestem, têm todo o direito – quanto a nós continuaremos a enviar-lhes directivas, portarias, regulamentos a cumprir, sob pena de … (existe a lei). Ausentando-se da contenda, tornando-se ausente, o poder torna a realidade ausente e pendura o adversário num limbo irreal.

É uma leitura devastadora da sociedade portuguesa. E a ameaça de nova maioria absoluta é muito presumível, e deve-se, substancialmente, à inexistência de alternativa. A dr.ª Manuela Ferreira Leite não possui compleição para exercer as funções de um terço do eleitorado do PSD lhe conferiu. Quando, nestas mesmas colunas, escrevi, há meses, o que dizem, agora, muitos barões do PSD, caiu o Carmo e a Trindade!

Luís Filipe Menezes, tão vilipendiado, torna público o que a maioria dos militantes sociais-democratas e numerosos outros portugueses têm reconhecido: a senhora reduziu-se ao silêncio porque, na verdade, nada tem a dizer. E o lento afundamento do PSD, como partido de poder, começa a ser preocupante. Há dias, numa inesperada aparição, ela rasgou, levemente, a cortina do mutismo, e ofereceu-se para colaborar com o Governo na solução da crise. Ficou tudo siderado. Porque o Governo (mal ou bem) já havia tomado decisões práticas. E porque, na assunção do seu papel de líder da oposição, deveria, isso sim, apresentar a sua solução, a sua proposta, o projecto de solução do PSD.

Não é, apenas, a crise geral que favorece o cimento no qual se baseia José Sócrates. Com ligeiro atraso, enfrentou a crise. Mais: promoveu aumentos aqui e ali, tranquilizou o desassossego nacional, lançou umas lentilhas, desguarneceu as críticas. Ele sabe muito bem utilizar as técnicas de marquetingue, a máscara austera da convicção, o discurso com ecolalia, repetitivo e, pelos vistos, extremamente eficaz. Por enquanto está tudo sob controlo, afirma ele e os outros eles que o compõem. Perante o que se vê em redor, o pessoal acredita.

Entretanto a dr.ª Ferreira Leite, quando se não envolve no manto do silêncio, embrulha-se em desastrosas contradições. A última das quais é a escolha de Santana Lopes para candidato ao Município de Lisboa. Não haveria outro, no PSD? Por exemplo: o engraçadíssimo dr. Morais Sarmento, ledo e brejeiro no falar de coisas sem nada dizer, como ficou testemunhado numa hilariante entrevista à revista Pública, salvo seja! Ou o dr. Pacheco Pereira, grande educador da alta burguesia; ou o dr. Arnaut, admirável figura de intelectual pós-moderno. Qualquer destas invulgares personagens faria a diferença – e a perplexidade. Rezam surdas confissões que a dr.ª Manuela Ferreira Leite nomeou o dr. Santana porque "ele é muito visível" e dispõe de muito carisma. Quer-se dizer: é um populista, categoria política que a chefe do PSD execrava, ainda há escassas semanas.

Devo dizer aos meus Dilectos que tanto se me faz o dr. Costa como o dr. Santana. E as razões nas quais se baseia a minha decisão são as mesmas, aplicáveis, por igual, a um e a outro. A obediência como servidão, de que fala o prof. dr. José Gil, foi em mim substituída pela indiferença raivosa. Será uma forma de protesto moral, de posição recalcitrante contra formas de governação que estão a ser rudemente sovadas em todo o mundo.

Porque o que está a acontecer no mundo prova o erro tamanho de uma ideologia laminar, fruto da obediência servil dos partidos de Direita e de Esquerda pouco inclinados a contrariar a tese da ganância e do desenfreado lucro pelo lucro que marcou as leis do mercado. Fala-se, agora, da resgulação, porque o mercado é muito bom: os seus executantes é que se desviaram do são caminho. Lembra a defesa do estalinismo, feita por áulicos, que atribuía aos desvios a degradação do sistema. Se há múltiplas razões para se criticar as estruturas do comunismo, muitas mais há para se analisar os meios e os fins da globalização – não já como uma estratégia económica perigosíssima, como um desígnio político totalitário.

Será demasiado pedir aos protagonistas mais directamente em causa, o PS e o PSD, um esforço teórico, uma explanação didáctica e pedagógica da situação do mundo e das coisas?

O problema é que a falta de preparação dos nossos políticos, a abdicação dos nossos intelectuais, a displicência demencial dos nossos jornalistas e o torpor dos nossos comentadores – levam-nos não só ao desgosto da palavra como à aversão a tudo. Até ao civismo.


B.B.

Etiquetas: , , ,

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

O ESTADO DO DISTRITO...

Ilídio Pinto Cardoso!


Pelo artigo de opinião publicado na edição de 08 de Julho do Jornal Fonte Nova, percebi que se tratava de "laranja" apanhada do chão.´


Informei-me um pouco mais acerca do que faz e do que vive e soube que tem recebido dinheiros do Governo Civil, das Águas do Norte Alentejano, da Administração Regional de Saúde, de vários Municípios, possivelmente da Rádio e quem sabe do Jornal.

Soube assim que se trata de um "mercenário" da política, que se paga principescamente em euros cor-de-rosa.

Há tempos tentou também sacar algum ao Município de Fronteira! Teve azar!

O estado do Distrito resulta em grande parte de personagens como o IPC e de quem lhes dá cobertura!

Para ter notícias no jornal é preciso pagar!

Para não ser ofendido pelo IPC, deveria ter pago!


Para que a rádio dê u
m tratamento igual, não basta pagar é preciso ser socialista!

Quem não paga fica na mira do mercenário!


Tem a pouca vergonha de classificar os autarcas sociais-democratas como:

"Não têm coluna vertebral" (Vermes?)

"São comerciantes" (Vigaristas?)

"São pobres de espírito" (Alcoólicos?)

Fala desta forma de pessoas eleitas por outras pessoas que as consideram íntegras, honestas e capazes.

O IPC chama aos autarcas tudo aquilo que eu penso de um mercenário.

O Distrito não está neste estado por culpa dos pobres de espírito, mas sim por causa de tantos espertos que por aqui vivem à custa do pagode usando o expediente e a astúcia!

Ilídio Pinto Cardoso, os autarcas sociais-democratas não lhe pagam um cêntimo, mas todos têm um presente de trabalho em prol dos seus Municípios e do Distrito de Portalegre e um passado de que se orgulham.

Os autarcas sociais-democratas gostavam de conhecer o seu currículo profissional até chegar ao grande jornalista cor-de-rosa.

Que fez antes?

Donde veio?

Porque veio?


Quais as sua credenciais?

Gostávamos de ter uma radiografia sua, para estudarmos a sua "coluna vertebral"!

Desta vez pagávamos, mas só para ver!




Pedro Na
morado Lancha





Etiquetas: , , , , , ,

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

OS 'GÉNIOS' E OS OUTROS

As afrontosas injustiças sociais conduzem as pessoas a um cada vez maior afastamento do acto cívico e ao desprezo repugnante pelos políticos.
As estatísticas são reveladoras.
Nunca será de mais referir as evidências.
Está em marcha uma espécie de mexicanização do regime, em que apenas o PS e o PSD estão dotados da autoridade do poder.
A tentativa de se amordaçar a voz dos pequenos partidos destrói a tese segundo a qual, em democracia, as singularidades devem ser afirmadas, reivindicadas e, inclusive, estimuladas.
Aos homens da minha geração e àqueles que se nos seguiram causa calafrios a doutrina de que os outros não dispõem de bons argumentos.

Temos, talvez, excesso de memória, como disse a investigadora Irene Pimentel: possuímos o lastro de uma História cuja linguagem se choca com esta realidade, que serve de ligação a versões turvas da liberdade, da equanimidade e da justiça.

As perversões bradam aos céus.
Vão-se conhecendo as reformas obscenas [expressão de Bagão Félix] atribuídas a gestores de instituições públicas;
os salários indecorosos;
os privilégios e os prémios;
as mordomias e as sinecuras.
A soma das iniquidades causa ressentimento num país com dois milhões de pobres, elevadas taxas de desemprego, velhos a morrer nos jardins, jovens perplexos com o futuro.

A revista Visão publicou [10 de Janeiro, p.p.] um documento impressionante, no qual são reveladas as diferenças das folhas de ordenado em 25 grandes empresas.
Os números são revoltantes. Henrique Granadeiro, administrador-mor da Portugal Telecom, aufere, mensalmente, 185 590 euros [cerca de 37 500 contos], ou seja: 128 vezes mais do que a empresa gasta com 128 trabalhadores, na base de que cada um destes recebe 1449 euros [cerca de 300 contos] mensais.
O rol de disparidades não se limita a este caso.
E um tal Rui Luz, perito em recursos humanos, sustenta a indecência com a frase: A escassez de talento justifica os salários de directores de primeira linha.
Na interpretação deste cavalheiro, estamos perante Einsteins, Oppenheimers, seres incomuns, com elevados graus de genialidade.
Não é assim.
Conheço alguns dos indicados, cujas meninges deixam apreensivos todos aqueles que não escrevem samarra com cê de cedilha e polícia com U.

Mas este é o discurso do poder e os seus ecos mais condenáveis.
Perdeu-se o sentido das proporções, e a ética foi torpedeada por uma democracia administrativa que protege e premeia quem a defende e vitupera e persegue quem a critica.
Não há grande variação das formas da palavra.
Entre os que decidem, os que se submetem e os que reivindicam existe o domínio de classe que tende a confundir a generalidade e o interesse geral.

Quem nos acode?

B.B.

Etiquetas: , , , , ,

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

DIÁRIO DE UM CLANDESTINO

Domingo, 6 de Janeiro - Chega ao fim a primeira semana após a entrada em vigor da Lei da Discriminação, também conhecida por Lei 37/07, ou Lei Antitabaco. Dois milhões de portugueses viram as suas vidas mudadas de um dia para o outro, sendo remetidos para a rua nos locais de trabalho, nos cafés e nos restaurantes, nos centros comerciais e nas lojas. Faz-me lembrar, irresistivelmente, os primeiros decretos antijudeus da Alemanha nazi. Será que aguentaremos o gueto sem nos revoltarmos?

Foi dito que a ASAE já está inundada de queixas de donos de restaurantes e bares. De que se queixam eles - de clientes que insistem em fumar? Não, queixam-se de concorrentes que, em sua opinião, optaram por terem espaço para fumadores, mas em condições contrárias à lei - cuja especificação ninguém entende, mas todos temem. Eis o que era de prever: uma lei fascista teria como consequência inevitável o despertar do espírito de bufaria, em que os portugueses se tornaram mestres durante cinquenta anos. Nas repartições públicas há contínuos a vigiar atentamente se os trabalhadores fumam ou não, instalam-se detectores de fumo, o país inunda-se de dísticos vermelhos, e um clima geral de vigilância, de delação, de guerra civil larvar cobre esta onda de modernidade e civismo.

E, subitamente, emergem dois heróis públicos, os polícias encarregues de fazer cumprir a lei: um é o director-geral de Saúde, aquele engraçado cavalheiro que, há tempos, nos ameaçava com a inevitabilidade da pandemia da gripe das aves e dezenas de milhares de mortos no Verão de 2007 e agora nos ameaça com dezenas de milhares de processos em nome da saúde pública dos não fumadores. É pena que não se preocupe antes com as urgências e os SAP que fecham, com as condições miseráveis de hospitais como o São José, o São João ou o de Faro, com os doentes que esperam dois anos por uma consulta urgente ou uma operação inadiável. O outro herói é o já célebre presidente da famigerada ASAE, o tal que declara que, se não quisermos viver nesta sociedade, podemos sempre emigrar.

Eu não faço tenções de emigrar, muito menos a mando dos ayatholahs que estão a tomar conta do país e das nossas sociedades. Até ver, a minha saúde é assunto meu, e a liberdade é assunto de todos e demasiado sério para ser confiado a dois directores-gerais que ninguém elegeu e cuja autoridade para decidir como é que devemos viver não reconheço.

Segunda-feira, 7 de Janeiro - A esplanada do café do bairro está cheia de gente, velhos incluídos, que tomam o pequeno-almoço e o café da manhã ao frio. É sabido que os velhos têm mais frio e vivem mais tempo pelos cafés. Agora, resta-lhes as esplanadas ou a rua.

Os jornais e os sindicatos fazem um grande alarido, porque parece que os casinos obtiveram, em negociação, um regime de semiexcepção para o fumo, invocando que 80% dos seus clientes são fumadores. A virtude pública indigna-se. Extraordinária indignação: nos casinos joga-se - muitas vezes não apenas a fortuna, mas a carreira profissional, o destino de famílias e a própria vida. Os jogadores são incentivados a beber, a jogar e a distrair-se de tudo o resto. O Estado agradece e cobra impostos. Chega mesmo ao ponto de aprovar uma lei de excepção para que o sr. Stanley Ho possa ter um megacasino em Lisboa - o primeiro em cem anos a ser autorizado dentro de uma cidade. Mas só fumar é que ofende...

Terça-feira, 8 de Janeiro - Do Minho chega mais uma extraordinária notícia, nesta cruzada cívica em que a nação está lançada: um grupo de escolas resolveu ministrar compulsivamente um curso aos seus alunos para que eles convençam os pais a não fumar em casa. O objectivo final do curso é que os alunos sejam capazes de trazer, devidamente assinado pelos pais, um certificado fornecido pelas escolas, onde eles se comprometem solenemente a não fumar em suas casas. Leiam bem: as escolas ensinam os filhos a darem ordens aos pais em casa. Para já, é a de não fumar. Que outras se seguirão?

Enfim, uma notícia reconfortante, para desanuviar. A quem se dispuser a fazer uma generosa contribuição para as obras de um convento de carmelitas, algures no interior, as freiras comprometem-se a dedicar-lhe em exclusivo as suas orações e preces, por tempo indeterminado. A facilidade com que os católicos resolvem alguns problemas complicados de consciência e de culpa nunca cessa de me espantar. Será que vão voltar a vender indulgências plenárias?

Quarta-feira, 9 de Janeiro - Em nome do PSD, Zita Seabra comunicou solenemente ao país que "a liberdade e a democracia estão em perigo". Às vezes também acho que sim, mas as razões dela são outras: O PS quer tomar o poder financeiro. No mesmo dia, o PSD, na pessoa de Faria de Oliveira, tomou posse da Caixa Geral de Depósitos - que reivindicou e obteve.

Dois quarteirões abaixo, Santos Ferreira, pelo PS, e Miguel Cadilhe, pelo PSD, foram fazer campanha eleitoral perante o descorçoado conselho superior do moribundo BCP. A eleição dos corpos gerentes dos Alunos de Apolo tem mais grandeza do que isto.

Quinta-feira, 10 de Janeiro - Diz o Tribunal de Contas que, em 2006, o Governo Regional da Madeira gastou 17 milhões de euros em estudos, consultadoria, pareceres e procuradoria. 28 mil euros, por ajuste directo, foram para o advogado da classe operária e eterno candidato a tudo o que mexa, Garcia Pereira. E 150 mil euros para o deputado e então líder da bancada parlamentar do PSD, Guilherme Silva. Não sei que mais admirar: se a liberdade funcional de que goza este deputado, se a indignação dos que se sentem ofendidos por o novo bastonário dos advogados, Marinho Pinto (que hoje tomou posse), ter dito que advogado e deputado não são coisas compatíveis.

Alcochete - Eis a escolha final do Governo. Satisfez a CIP, não satisfez nem os contribuintes nem o interesse nacional. Todos os que estão de boa-fé perceberam de há muito que a única opção de interesse público era a Portela+1 - a mais rápida, a mais eficaz, a mais barata. Mas há que satisfazer a clientela das obras públicas, porque é esse o paradigma de desenvolvimento em que vivemos. Visto à luz desta fatalidade, Alcochete é o mal menor.

Li há dias no Sol que o arq. Saraiva atribui a ele e ao seu jornal a glória de terem travado, sozinhos, o desfecho Ota. Não impede que também me sinta contente: em Julho de 2006, ainda o Sol não tinha nascido, eu publiquei aqui um artigo intitulado Foi você que pediu um aeroporto?, onde procurei explicar o embuste da Ota. Muitos outros fizeram o mesmo, contrariando interesses superiores e arrostando, por vezes, com as respectivas consequências. Às vezes vale a pena lutar, mesmo que depois não haja uma freira a rezar por nós.


Miguel Sousa Tavares

Etiquetas: , , , , , , ,

domingo, 28 de outubro de 2007

DA MENTIRA COMO VIRTUDE POLÍTICA

Há os que sabem tudo e hoje dirão: "Os políticos sempre mentiram." Pode por isso parecer ingénuo ficar surpreendido com o modo como a mentira se instalou na vida política. Mas a verdade é que o hábito vem ganhando contornos inéditos. Quase todos a usam. Quase todos a perdoam. A mentira é corrente. Ganhou novas feições. É por vezes obrigatória. Recomendável, de qualquer maneira. Até sinal de esperteza. Nas relações humanas e familiares, a mentira é castigada. Nos empregos, condenada. Na justiça, apesar de o perjúrio ser olhado com complacência, é mal vista. Mas na política... Na política... É apreciada. Se um político mente para dar emprego aos seguidores, derrotar os adversários ou enganar parceiros, o seu gesto tem todas as probabilidades de ser festejado.

A mentira, a fria mentira transformou-se em instrumento de governo. Há muito que os políticos mentem, aqui e ali. Mas sempre com alguma má consciência. Ou desculpa. Ou sentimento de culpa. Agora as coisas mudaram: mentir é possível, simples e necessário. Sem remorsos nem correcção. Se a intenção é boa, qualquer meio serve e a mentira é necessária. Com a guerra do Iraque, ficou consagrado o direito dos governantes à mentira.

Há quem pense que a mentira é reservada às ditaduras. Sem imprensa livre, escrutínio parlamentar ou oposição legal, qualquer ditador mente quanto e quando lhe apetece. Isso é verdade. Com a democracia, tudo seria diferente. A liberdade de expressão e a imprensa seriam suficientes para conter a mentira. O Parlamento, os partidos e as associações de interesses obrigariam os governos a dizer a verdade. As eleições seriam um correctivo para os políticos mentirosos: exigentes, os eleitores castigá-los-iam. Infelizmente, nada disto é verdade. A democracia vive hoje da mentira. Sob todas as suas formas: ocultação, contradição, correcção, circunstância superveniente ou melhor ponderação. A política tem regras parecidas com as que vigoram no futebol, nalguns negócios e na guerra: o único critério importante é ganhar. Só são condenados os que mentem e perdem. Os que mentem e ganham são respeitados.

Não aumentar os impostos é uma mentira clássica. Criar emprego é outra. Tal como aumentar as pensões e os abonos de família. Durão Barroso e José Sócrates, por exemplo, oferecem-nos ilustrações inesquecíveis deste género de mentiras. Apesar de totalmente irresponsáveis, as promessas de criação de empregos teriam uma desculpa: as dificuldades económicas tê-los-ão impedido de concretizar tão gloriosas promessas. É demagogia, mas chama-se-lhe mentira piedosa. Com os impostos, a experiência é mais radical. Os candidatos a primeiro-ministro garantiram, um que baixava os impostos, outro que os não aumentava. Ambos decretaram sólidos aumentos dias ou semanas depois de tomarem posse. As desculpas não se fizeram esperar: não sabiam que a situação financeira do país era tão grave quanto a encontraram! É extraordinário como, para desculpar uma mentira, os primeiros-ministros não se importaram de se confessar ignorantes, incompetentes e irresponsáveis!

Durão Barroso prometeu, antes das eleições, "um choque fiscal" e garantiu que diminuiria os impostos, sobretudo os que incidem sobre as empresas. Não fez nada disso, antes pelo contrário. Mentiu. Mas as suas mentiras passam por ser outra coisa - correcções motivadas pelo conhecimento dos números e dos factos. José Sócrates garantiu, antes das eleições, que diminuiria o número de funcionários públicos em dezenas de milhares, que criaria 150.000 empregos e que não aumentaria os impostos. Não fez nada disso, antes pelo contrário. Mentiu. Mas as suas mentiras passaram por inocentes necessidades.

O PSD e o PS têm, a propósito dos referendos em geral e do referendo europeu em particular, uma longa folha de serviço de mentiras e negações. Já foram a favor e contra várias vezes. O critério é o das conveniências, não o do programa ou da convicção. Se o referendo incomoda o adversário, são a favor. Se correm riscos, são contra. Se a matéria causa mal-estar dentro do partido, são a favor. Se têm de submeter os seus projectos à vontade popular, são contra. Actualmente, está nos programas do PS e do PSD, consta das promessas eleitorais de um e de outro, faz parte do programa do Governo de José Sócrates. Nada disso tem qualquer importância. O PSD é agora contra. E os dirigentes do PS, incluindo alguns ministros, já são contra. Quanto ao primeiro-ministro, só se pode pronunciar em Janeiro, o que é uma desculpa infantil. A verdade é que esta é a mais frequente das variedades da mentira, mas que parece também ter o perdão da opinião pública e a desatenção da imprensa. Não fazer o prometido, deixar de o fazer ou fazer outra coisa é uma forma de sublinhar a mentira original. Mas também passa, na política, por benigno constrangimento.

Será esta mais uma triste sina portuguesa? Nem sequer. A mentira tem-se transformado, nestas décadas, na moeda comum das democracias ocidentais. A guerra do Iraque é, a este propósito, um caso para estudo. As mentiras de George Bush e Tony Blair, dos seus governos e serviços de informação, ultrapassaram tudo o que se conhecia. Sobretudo pelas consequências mortais para tanta gente. Ao lado, as mentiras de George Bush pai, sobre os impostos, de Nixon, sobre tudo, ou de Clinton, sobre o sexo, foram quase inocentes.

Quanto à União Europeia, nem precisa de mentir: os seus ministros usam e abusam do novo hábito. O ministro Manuel Pinho confirmou que a mentira tem vigorado com rigor na União Europeia. Diz ele, em artigo do Diário de Notícias (de que é co-signatário com dois comissários da UE): "A partir de agora, o que a Europa faz e o que a Europa diz são uma e a mesma coisa"! Ficámos a saber, por vozes autorizadas, que a União mentia. Só não sabemos é se esta declaração não passa de mais uma mentira.

Será possível contrariar esta nefasta tendência para a mentira? É difícil. Não há esperança nos deputados. Como estes se tratam sempre, uns aos outros, de mentirosos, já ninguém acredita. Se os nossos media escritos, falados ou televisivos, estivessem à altura, talvez a sucessão de mentiras não fosse tão rica. Mas também parece que, com frequência crescente, gostam do novo hábito. Que usam com volúpia. Ou perdoam com malícia.


António Barreto

Etiquetas: , , , , , ,

sábado, 6 de outubro de 2007

MENEZES, A POLÍTICA, O POVO: O DESENCANTO

Nesta espécie de campanha eleitoral sofrida pelo PSD, houve uma senhora do povo, algures numa feira ou coisa assim, que se virou para Luís Filipe Menezes e lhe disse: Espero que o senhor ganhe para que isto melhore, porque, como está, não vamos a lado nenhum!. Não sei dizer exactamente porquê, mas este simples comentário, lido num jornal, pareceu-me encerrar em si tudo o que o país e a política actuais podem conter de desilusão e descrença.

Como é óbvio, nenhum de nós acredita que, se amanhã já, Luís Filipe Menezes fosse primeiro-ministro, melhoraria o que quer que fosse. Nem sequer por ele ou principalmente por ele, mas porque não há muito mais para melhorar - e o que há, político ou partido algum teria coragem de fazer. Ninguém se atreveria a terminar com a promiscuidade entre o Estado e os grandes negócios privados, ninguém se atreveria a ter uma política de ordenamento territorial e ambiental que protegesse o interesse público derrotando os predadores imobiliários, ninguém se atreveria a pôr a Justiça ao serviço das pessoas e da economia contrariando os lóbis instalados, ninguém se atreveria a enfrentar a sério o caciquismo autárquico e o dr. Jardim, ninguém ousaria cortar o que fosse preciso nas despesas correntes do Estado - por exemplo, seguindo a sugestão de Daniel Bessa de fixar um limite à cobrança fiscal em função do PIB. O PCP seguramente que não mudaria nada que tivesse que ver com os legítimos interesses dos trabalhadores, e que é quase tudo; a direita do PP seguramente que não mexeria uma palha para afectar os inúmeros interesses representados pelo sr. Abel Pinheiro e afins; e o PS e o PSD, com mais ou menos social e mais ou menos projectos PIN, obviamente que nunca chegariam ao fundo da reforma de um sistema que criaram e alimentaram.

Pelo que, como todos já compreendemos, o Governo de Sócrates é o mal menor, e em certas áreas, como a saúde, a educação e a segurança social, tem sido até o único Governo a reformar e a tentar mudar alguma coisa. É certo que governa em obediência a um princípio de equilíbrio entre contrários: concede à esquerda as questões de moral e costumes (o aborto, as seringas nas prisões, em breve o casamento de homossexuais) e concede à direita o sossego de leis para sossegarem a paranóia securitária; concede à esquerda a manutenção de um sistema laboral que protege os maus trabalhadores e fecha as portas do mercado aos jovens; e concede à direita a garantia de manter vivo e actuante o consagrado sistema do tráfico de influências políticas nos grandes negócios dos privados com o Estado. E é certo que, assim actuando, mantém imutável o essencial: a protecção dos direitos adquiridos, contra o mérito, contra a mudança e contra o risco, quer à direita quer à esquerda. Mas é o melhor que temos, o melhor que conseguimos, o mais a que pode aspirar o bom povo português.

Se algum dia me desse a tentação para a política (coisa que, até agora, nunca sucedeu), eu acho que recuaria perante a obrigação de prestar vassalagem ao bom povo português. O bom povo português é um mito de trazer por casa. Existem, é claro, muitos e bons portugueses, sem distinção de classes ou de categoria profissional, que são bons aqui como o seriam em qualquer lado do mundo. Existem ainda e felizmente, muitos empresários que investem, que correm riscos, que tentam competir num mercado global e que não vivem de pagar salários de miséria e fazer batota com a Segurança Social. Existem agricultores que não abandonaram as terras nem as venderam aos espanhóis e que investiram, modernizaram, investigaram, sem ficar sentados à espera do subsídio que nunca é suficiente. Assim como existem grandes médicos, arquitectos, cientistas, juízes, ou financeiros, tal como existem trabalhadores sérios, competentes, empenhados em fazer melhor, aprender e progredir profissionalmente. Mas duvido que grande parte do bom povo português não seja antes constituído por batoteiros e preguiçosos, que se especializaram a viver em dívida para com a comunidade, seja fugindo ao fisco ou gastando apoios que não justificam, seja corrompendo autarcas ou traficando influências com os governos, seja, a outro nível, metendo baixas fraudulentas ou vivendo instalados no subsídio de desemprego, acumulando com biscates por fora sem passar recibo. Acontece que os políticos, para chegarem onde chegou, por exemplo, o dr. Menezes, têm de passar a vida a ouvir lastimar uns e outros e a prometer o milagre de conseguir satisfazer uns e outros. Não se chega ao poder dizendo às pessoas: Não contem comigo para proteger a evasão fiscal ou o «off-shore» da Madeira, para fazer obras públicas sumptuárias ou inúteis só para dar dinheiro a ganhar à clientela do sector, para fazer negócios como o da Lusoponte, para assistir, impávido, ao endividamento constante das autarquias e das Regiões, ou para pagar subsídios de desemprego e baixas por falsas doenças. Não contem comigo para gastar o dinheiro dos que trabalham e investem por sua conta e risco para sustentar os que se habituaram a viver à sombra do Estado.

Como é óbvio, Luís Filipe Menezes não disse nem dirá nada disto ao povo do PSD que vê nele apenas uma melhor hipótese de conseguir chegar à manjedoura pública do que aquela que lhe podia prometer Marques Mendes. Marques Mendes não foi apeado por ser mau político ou desonesto ou mau líder da oposição - ele foi apeado porque não cheirava a poder possível e Menezes cheira. Menezes ganha eleições e Marques Mendes não. Mendes foi o único (julgo que apenas acompanhado de Miguel Veiga) que, no Conselho Nacional do PSD, votou contra Santana Lopes - todos os outros se calaram, porque Santana garantia o poder, embora todos desconfiassem da inevitabilidade da catástrofe que se iria seguir.

Luís Filipe Menezes tem sido um excelente presidente da Câmara de Gaia, que recebeu em situação indescritível, após anos de governação socialista que representaram o que de pior o poder autárquico alguma vez mostrou. Ele transformou aquele pardieiro no melhor que alguém poderia imaginar possível. Esse mérito ninguém lho tira. O problema é que o fez à moda de Jardim: transformando Gaia no mais endividado concelho do país, em percentagem. Também passou a defender a Ota e a Regionalização, ou seja, tem a mentalidade de um «big spender» de dinheiros públicos: é tudo o que o país não precisa neste momento, mas é também tudo o que muitos esperam dele, se algum dia chegar lá acima.

Por outro lado, ele traz consigo alguma da pior gente que alguma vez habitou na nossa política, do género que faz querer gritar: Socorro, que eles vão voltar!. Como também não disse ao que vinha e se limitou a contar votos e espingardas e a alimentar uma guerra suja que as directas consentem, apresenta-se ao país (Gaia à parte) com o pior cartão de visita possível.

Chega como lídimo representante do bom povo português contra as elites. Não sei se sabem o que isto quer dizer: que todas as campainhas de alarme devem ser ligadas e que, por enquanto, José Sócrates agradece.


Miguel Sousa Tavares

Etiquetas: , , ,

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

COISAS DE ESPANTAR

1. Para dar cumprimento às instruções do procurador-geral da República, que mandou investigar se José Sócrates foi ou não favorecido na sua licenciatura na Universidade Independente, os investigadores não estiveram com meias medidas: puseram sob escuta os telefones do reitor e de outros intervenientes. Não se sabe se chegaram também a pôr sob escuta o telefone do próprio primeiro-ministro, sabe-se apenas que acabaram a escutar conversas dele. É claro que, como lhes competia, também foram ver todos os papéis da Universidade, ouvir o reitor e professores e os antigos colegas de curso de Sócrates. Acho que não é preciso ser detective para perceber que apenas os papéis e os testemunhos bastavam para chegar a uma conclusão, como, aliás, eles chegaram: a de que José Sócrates está inocente porque se limitou a beneficiar de uma ribaldaria geral existente naquela espécie de Universidade e de que todos os alunos terão beneficiado por igual. Mas, se assim era, como foi, pergunta-se: para quê a necessidade das escutas, neste caso? Resposta: para poupar trabalho, para ver se alguma conversa comprometedora lhes dispensava a necessidade de investigar. E também por tique já instalado. Escutar as conversas de toda a gente, a propósito e a despropósito, transformou-se numa banalidade para a PJ e o Ministério Público.

2. Terá o PSD sobrevivido ao dia de ontem? Sobreviverá ao dia de amanhã? Sobreviverá a nova derrota nas legislativas, tão certa e inevitável como certa e inevitável é a morte de tantas coisas que tínhamos como vivas para sempre?

O mais português de todos os partidos portugueses sofre de crónicos males portugueses: a incapacidade de viver longe do poder e das suas benesses; a impaciência dos que acreditam que o sucesso não precisa de trabalho, tempo e talento; a tentação de imaginar que a agitação oca e a guerrilha permanente e sem sentido podem esconder a falta de substância das ideias e dos programas.

A presente campanha eleitoral 'basista', que veio demagogicamente substituir os congressos dos cabos eleitorais, tem sido, aos olhos de todos, um exercício pungente de autoflagelação de que vai ser difícil curar as feridas. Podemos sempre repetir compungidamente aquela frase de que o PSD, maior partido da oposição, faz falta à democracia portuguesa. Mas essa verdade inócua não adianta nada: este PSD não faz falta nenhuma, outro talvez. Tirando os partidos que nunca foram governo, todos os outros apresentam esta mesma face desgastada e velha. Como se governar o país fosse um fardo demasiado pesado para os que prestam e a única coisa que interessa na política para os que não prestam. A doença de que padece o PSD está manifestamente muito para lá desta ocasional e desagradável disputa entre Mendes e Menezes. O mal é mais profundo e não atinge só o PSD. É um mal de raiz, cada vez mais acentuado: os que poderiam bem servir não estão interessados ou têm coisas mais rentáveis a fazer; os que querem servir, de qualquer maneira, não estão à altura das suas ambições. Felizmente, ainda vai havendo algumas excepções que, às vezes, como actualmente, chegam para formar meio governo capaz. Mas é uma vocação que cada vez atrai menos gente de mérito.

3. O presidente da Câmara Municipal de Alenquer diz que encara a possibilidade de processar o Estado caso não vá avante o aeroporto da Ota. O raciocínio é este: há sempre uma legítima expectativa de obras públicas, mesmo que elas se demonstrem, a tempo, serem uma ruinosa e disparatada empreitada. O bem comum e o interesse público diluem-se face às expectativas e interesses particulares criados. Com base nesta crença, muitas e muitas acções têm sido postas contra o Estado nos tribunais administrativos. Aqui há tempos, até houve uma companhia de teatro que demandou o Estado por não lhe ter sido atribuído um subsídio a que tinha concorrido. O mais engraçado neste caso é que em Junho passado a assembleia municipal da mesma Câmara de Alenquer tinha votado uma moção em que reclamava uma compensação do Estado fundada nas limitações impostas pelo futuro aeroporto da Ota. Ou seja: em Alenquer, acham-se com o direito a serem indemnizados se houver Ota, e o mesmo se não houver. De certeza que nenhum destes putativos litigantes paga 42% de IRS...

4. Saiu o regulamento para a classificação dos professores com vista à sua subida na carreira. Desapareceu a enormidade da participação dos pais no processo (a menos que sejam os próprios professores a requerê-la), evitou-se a discriminação de condições entre escolas boas e escolas "difíceis" e o que restou pareceu-me um sistema adequado e justo para premiar o mérito, a assiduidade e o esforço - certamente melhor do que nada. Mas, claro, a Fenprof está contra - como sempre, sempre, está contra qualquer medida que exija resultados ao sistema e aos professores e que tente inverter a situação catastrófica em que tem vivido o ensino. À Fenprof interessa apenas o que respeite ao bem-estar dos professores, mesmo que à custa da perpetuação do subdesenvolvimento cultural do país. A Fenprof acha que um professor que falte deve ter os mesmos direitos que um que não falte; acha que um que obtenha melhores resultados não deve ser beneficiado relativamente a outro que se está nas tintas para os resultados dos alunos; acha que um sistema de classificação em que nem todos podem obter a classificação máxima está desvirtuado à partida; acha, em suma, que classificar professores em função do seu mérito e dos resultados obtidos é uma ofensa aos direitos adquiridos.

5. O presidente da Universidade de Columbia, apostado em dar uma lição prática sobre os benefícios da liberdade de expressão, resolveu convidar o Presidente do Irão, Ahmadinejad, de visita à Assembleia-Geral da ONU, para discursar na sua Universidade. Porém, convite feito e aceite, sentado o convidado frente à plateia, o ilustre Lee Bollinger resolveu entrar para a história com esta frase de boas-vindas:

- Vamos ser claros desde o princípio, senhor Presidente: o senhor tem todos os sinais de um ditador mesquinho e cruel, de uma espantosa ignorância.

Só um americano é que seria capaz de tamanha grosseria e falta de educação. As pessoas normais ou não convidam para casa aqueles que desprezam ou, se o fazem, não é para os insultar. Mas o sr. Bollinger transformou o pretexto da liberdade de expressão numa ocasião para o insulto fácil e de costas quentes. Certamente que não se atreveria a dizer a mesma coisa se estivesse no Irão e certamente que também não diria o mesmo a alguém ainda mais espantosamente ignorante, como é o Presidente dos Estados Unidos. A ignorância da gente de Bush tem sido, aliás, a maior fonte de perturbação global dos últimos anos. Resta esperar que o tempo passe depressa e que a lição tenha sido aprendida.

Miguel Sousa Tavares

Etiquetas: , , , , ,

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

A POLÍTICA ELECTRO-POP

As eleições no PSD não vão resolver coisíssima nenhuma. O partido está fracturado não apenas em duas facções mas em outros e pequenos fragmentos, de desigual importância e semelhante gula. Seja quem for o ganhador, nenhum deles, nos seus saberes e fazeres, conseguirá unir o que originariamente está separado. É difícil, acaso impossível, corrigir o ponto de partida. Exacerbando a dúvida, a que PSD correspondem Luís Marques Mendes e Luís Filipe Menezes? Ao de sempre. O que percorreu, em vários sentidos, determinadas distâncias, procurando determinados equilíbrios, com o objectivo único da conquista do poder pelo poder.

Nem nas analogias das ideias fundamentais o PSD alguma vez foi social-democrata. As crises por que tem passado não decorrem da sua diversidade cultural, mas das múltiplas incertezas na base das quais foi fundado. A ambiguidade daquela misteriosa expressão, partido interclassista, propicia o regular regresso de fenómenos esquisitos e de epifenómenos previsíveis, encadeados em idêntica associação.

O equívoco Durão Barroso originou o intermezzo cómico Santana Lopes. Não há um sem o outro. E ambos introduziram, na sociedade portuguesa, o electro-pop, a equação mais abstrusa da matemática política. Transformaram em categoria a realidade primária das suas pessoalíssimas vidas, impondo a vacuidade e a indigência intelectual como urgência da verdade.

Mendes e Menezes são ramos da mesma árvore, demonstrando que neles actua a mesma providência. No sentido de totalidade, englobam-se no lote comum ao dos fundadores do PSD. Criaram-se alguns mitos, certamente estimáveis, decididamente falazes, em torno de Francisco Sá Carneiro. Possuía o estofo de estadista; porém, não teve tempo de provar a eficácia do testemunho. Melhor do que ninguém, ele sabia os grãos de sabores opostos que iam aparecendo no almofariz do partido. Não se embaraçou muito com a mistela. A batalha contra o comunismo era-lhe prioritária; depois, o PSD adaptar-se-ia às circunstâncias. Ele acreditava na temporalidade cíclica das coisas, nas flutuações do carácter humano e na política como instância sem coerência, porque isenta de moral. E, apesar dos pesares, desejava criar um partido baseado na tradição liberal da grande burguesia do Norte, um pouco republicano, levemente laico, intermitentemente social.

Estar à altura do quotidiano implica a adequação ao momento. Soares sabe-o como ninguém. Sá Carneiro foi aprendendo. Eis porque as eleições e a crise no PSD vão ter repercussões significativas no PS, em cujo interior os sinais de contrariedade deixaram de ser evasivos. Ambos os partidos reflectem-se entre si. E, afinal, sempre foram a reinterpretação um do outro.


B.B.

Etiquetas:

domingo, 23 de setembro de 2007

UM ESCOLHA SEM AMBIGUIDADES NO PSD

Já aprendi o suficiente sobre o modo como funcionam os partidos para não ter ilusões sobre a realidade que se esconde por detrás da retórica das grandes escolhas, grandes opções e grandes lideranças. Já aprendi o suficiente para perceber como o tempo de oposição prolongada é de vacas magríssimas e que algumas debilidades da oposição têm razões estruturais e não conjunturais, não dependem das lideranças, mas sim da falta de autonomia da sociedade civil e do espaço público face ao peso do Estado e do seu executante, o Governo. Não há solução salvífica, só há a realidade: a de Portugal em 2007 e a do PSD em 2007.

Quem combate o PS no Governo porque acha que este está a fazer mal ao país, não se pode dar ao luxo de esperar por soluções salvíficas, onde se confunde "carisma" com populismo e se acredita que há um Houdini escondido numa esquina à espera de se libertar de todas as cordas e emergir glorioso à tona da água. Não há, e a tentação do PSD pelo escapismo populista do karma, que ganhava todas as eleições, é um dos fardos que pesam sobre a sua crise de credibilidade actual. Não é por aí, nem a espera pelos "notáveis" nem por Houdini servem os dias de hoje.

Vamos aos "notáveis", a sombra que pesa sobre o PSD dos que seriam desejados mas não aparecem. Não sabemos muito bem quão desejados seriam se aparecessem, mas eles pairam sempre como uma sombra de deslegitimação sobre quem está. Seria possível encher esta página de nomes sonantes e conhecidos que estão associados ao PSD, muitos dos quais são mesmo militantes do partido. Mas contam-se pelos dedos de uma mão o número desses "notáveis" que, na sua actividade, tenham efectiva independência do Governo e que estejam dispostos a serem vozes activas da oposição. Eu não digo sequer que estivessem dispostos a actuar na oposição estritamente partidária, como sendo porta-vozes de áreas sectoriais em que têm prestígio e actividade, digo, pura e simplesmente, manifestarem a sua opinião crítica de forma consistente e duradoura contra o Governo, mesmo que a título individual, caso não quisessem sujar as mãos nos partidos. Por exemplo, escrever artigos, dar uma entrevista, exprimir uma crítica séria, tudo coisas que se esperava de quem pela sua postura política é suposto achar que o país está mal governado pelo PS, tanto mais que apoiam o partido alternante. Será porque acham que o Governo de Sócrates é bom? Alguns acham que é um mal menor e que é melhor de que as alternativas e isso leva-os ao silêncio. Mas duvido que seja um número muito significativo. O que se passa é que mesmo entre esses notáveis a independência real do Governo, das suas decisões, da sua colaboração benévola, é escassa. O que muitas vezes se esconde numa certa postura de "silêncio de Estado", que é uma habilidade retórica muito portuguesa, é a necessidade de não hostilizar um Governo que tem sempre mil dossiers em aberto que podem afectar empresas, negócios, lugares, fundações, projectos, ou mesmo esse bem raro que é o "prestígio".

Portugal é um país muito pequeno e com demasiado Estado para ter uma sociedade civil com efectiva independência e isso é mortífero para qualquer partido da oposição que não queira ser apenas uma variante pobre de "bloco central". É este o problema estrutural número um da oposição. A não ser em períodos em que se torna evidente que vai haver uma mudança política a curto prazo, como quando Barroso fez uma convenção no Coliseu com tudo que era colunável na política e na economia na primeira fila, os "notáveis" primam pela prudência e pela cautelosa reserva da política. Não é por acharem que Marques Mendes seja um "mau líder", é porque só tem a perder alguma coisa pelo envolvimento político contra o Governo, fora do tempo. Não é só Marques Mendes que prova o fel desta atitude, mesmo Marcelo Rebelo de Sousa, que frequenta os mesmo salões do poder, quando quis contestar alguns negócios e interesses também provou a solidão e os ataques ao seu "prestígio".

Os defeitos de Marques Mendes são conhecidos. Como herdeiro directo do "nogueirismo", ele representa bem um partido clientelar e provinciano, que hoje é o essencial do PSD que ainda resiste no poder autárquico com sucesso. Como o seu poder vem desse establishment partidário interno, ele precisa de dar-lhes um retorno para manter os seus votos. Mil e uma voltas pelo circuito da "carne assada" atestam essa dependência. Mas seria errado ignorar que ele fez mais pelo "partido nacional" do que os seus antecessores. Embora seriamente limitado pela herança do grupo parlamentar vindo da direcção anterior e com o "partido nacional" em muito mau estado - e aqui Mendes poderia ir mais longe do que a tentação de sucessivas listas de "notáveis" para cargos nominais - Mendes tem ajudado o PSD a libertar-se da crise de credibilidade que vinha do desastre do "menino guerreiro", e duvido que alguém estivesse com vontade e na posição de o ter feito.

E fez ainda mais. Se ultrapassarmos a coreografia, mesmo aquela para que Mendes contribuiu com aquela linguagem morta do "politiquês" com que se exprime, teríamos que olhar com mais atenção para a tendência programática que algumas das suas propostas exprimem, porque me merecem completa concordância e são mais inovadoras do que parecem. Mendes defrontou a questão do aval político automático que se dava aos que ganham no partido apenas porque ganham, autarcas em particular, seja qual for o "escândalo" público e a situação jurídica que os seus actos assumem para o país. Fê-lo imperfeitamente? Fê-lo fechando os olhos a uns casos para empolar outros? Pode ser, mas fê-lo com os custos que até então nenhum dirigente partidário estava disposto a pagar, a começar por aqueles que, como Mendes, foram feitos dentro do aparelho. Avançou com um conjunto de propostas liberais e não teve medo de assim as classificar? Fê-lo na segurança social, na proposta do fim da RTP pública e no modo como enquadrou a proposta de baixa de impostos, como medida alternativa ao modo como o Estado se relaciona com a economia e com o seu próprio tamanho. Foi contraditório nestas propostas com outras em que criticou o encerramento de serviços públicos e "reformas" que o Governo apresenta como destinadas a emagrecer o Estado? Talvez, mas quando se olham essas propostas como foram feitas e não como o PS e Sócrates diz que foram feitas, não há tanta contradição como isso. Aliás, a oposição do PSD com Mendes ao Governo PS está nos antípodas da que o PS fez ao PSD, é muito mais responsável e consistente. O modo como Sócrates trata a oposição justificaria que se dissesse que não merece esta moderação, mas é bom que assim seja.

Isto significa que vou votar em Marques Mendes nas eleições directas do PSD. Com o meu voto singular, de quem tem as quotas em dia, na minha secção, vou votar sem "mas" nenhum, no homem que muitas vezes critiquei com dureza, e certamente continuarei a criticar, e nem sequer o faço pelo princípio do mal menor. Ou seja, não voto Marques Mendes porque a alternativa é Luís Filipe Menezes; votaria Marques Mendes mesmo que a alternativa fosse algum dos "notáveis" que são sempre falados em eleições e se mantêm em silêncio como eternas esperanças do porvir. Estando o país como está, esse silêncio é mais uma abstenção cívica do que um mérito, e num partido como o PSD é mortífero viver de esperanças sebastianistas.


José Pacheco Pereira

Etiquetas:

sexta-feira, 31 de agosto de 2007

AO ESTADO A QUE ISTO CHEGOU

O Governo resolveu apresentar um novo rosto.
Para felicidade dos portugueses, o Executivo anuncia crédito para estudantes e distribui computadores pelo País.
Generoso, Sócrates revela vocação para as promoções.
A nova estratégia do Governo passa pela lógica da grande superfície – sem sorteio, tudo para todos.

O Governo entrou na nova fase do ciclo político.
Perante o afastamento do Presidente da República e face à pressão dos resultados, Sócrates resolveu garantir a paz social.
Calculista, o primeiro-ministro conhece as exigências da Presidência da União Europeia e sonha com o Tratado de Lisboa.
A nova política do Governo passa pelo adiamento das reformas e, sem contradição, pelo cumprimento do défice.
Sem grande especulação, a política da facilidade e o prestígio internacional garantem a Sócrates um novo mandato.

Subitamente, eis que Guterres renasce com Sócrates.
Agradar e adiar foram os grandes motivos da passividade política de Guterres. Junte-se a descoordenação bem visível no exercício do Governo e o cenário repete-se sem imaginação – Portugal ou o País parado.
Afinal, onde está o animal feroz que existe em Sócrates?
Quando o desemprego atinge os 7.9% e a ETA circula impune em Portugal, o primeiro-ministro desaparece e remete-se ao silêncio.
Talvez Sócrates não seja Sócrates, mas o disfarce de primeiro-ministro é com certeza o bluff político da temporada.

Mas a passividade também atinge a oposição.
O PSD acredita que todos os problemas serão resolvidos com a eleição directa de um novo líder.
Na aparência, uma tese perfeita.
Na realidade, um precioso adiamento.
O PSD necessita de uma descontaminação.
Para os portugueses, o PSD está associado à degradação política do País.
A memória do sucesso cavaquista não entusiasma ninguém.
A promessa de poder em 2009 não convence ninguém.
O PSD habita o território incómodo da perda de identidade política. E parte dessa perda de identidade passa pela experiência governativa de Durão Barroso, pelo fugaz exercício de Santana Lopes e pela recente derrota nas eleições intercalares em Lisboa.
Sem uma real compreensão do que se passou e correu mal, o PSD limita-se a mudar de líder e a polir as setas.
Só quem enfrentar a crise terá futuro no PSD.

E enquanto Governo e oposição se esgotam na inércia do costume, os portugueses assistem com a passividade habitual.


Carlos M.Almeida

Etiquetas: , , ,

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

AS ZARAGATAS NO PSD

A zaragata no PSD não é de agora.
É de nascença.
Acentuou-se com a ascensão ao Poder do dr. Cavaco. A ausência de doutrina, de projecto, de ideologia, notoriamente exibida pelo economista, foi substituída pela disposição de retirar importância à política e promover a tecnocracia como fórmula salvadora de todos os males.
A rigidez, o autoritarismo e a flagrante carência de cultura humanística ajudaram a criar o postiço institucional que ressaltou para um povo afogado em iliteracia, propenso a crer em milagres e a entregar o destino próprio em mãos alheias.

Cronistas da época engendraram uma metáfora feroz: o homem era um eucalipto: secava tudo em redor. Houve, também, quem percebesse que o dr. Cavaco estava para ficar, dado o homem e as circunstâncias. As abjurações partidárias, as capitulações morais arregimentaram aqueles que, no fundo, sempre estiveram à venda. E as perseguições, o culto da amnésia histórica, o vazio no debate constituem indicações reveladoras da época.

Até hoje. O PSD vive de derivas e de espaços em branco enraizados na sua própria origem.
Sá Carneiro compreendeu essa malformação inicial e tentou emendá-la.
Entre a confiança estóica e a reserva céptica, admitiu o verosímil.
Alguns dos seus livros são esclarecedores, sobretudo Por uma Social-Democracia e Poder Civil, Autoridade Democrática e Social-Democracia. E, ainda há dias, no semanário Sol, Ângelo Correia, um dos que, neste país, sabe pensar sem querer agradar ao príncipe, dizia, num lúcido resumo: A maior parte das pessoas de que falamos, hoje, como elite do partido [PSD], não são barões, são uma espuma dos notáveis, são pessoas que, só por si, não arrastam qualquer espécie de voto.


O PSD sempre foi o que é: fragmentos esparsos de representações que nunca chegaram a moldar-se numa ideologia, apesar dos esforços de Sá Carneiro. E qual era, verdadeiramente, a ideologia de Sá Carneiro?
Um demoliberal na antiga tradição republicana e um republicano inclinado a eliminar os desnivelamentos, sem estar muito afastado do povo nem demasiado próximo dele.
Bom: quer se queira ou não, Luís Marques Mendes e Luís Filipe Menezes representam duas das múltiplas faces daquele partido
.


B.B.

Etiquetas:

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

O PSD

Quando os Governos se cansam está na hora de as oposições vencerem as eleições.
Em Portugal é isso que se passa desde a época da Monarquia Constitucional, com excepção dos períodos ditatoriais. Será o excesso de jogging que derrotará Sócrates.
Não a inércia de Marques Mendes ou a correria insana de Luís Filipe Menezes.


Sócrates pica-se quando os seus ministros se dedicam à nobre actividade de se deitarem numa cama de espinhos e, assim, pouparem o suor à oposição.
A guerrilha a que se assiste no PSD é como a que se tem observado no BCP.

Aparentemente é sobre a conquista de poder.
Na realidade tem a ver com os poderes e interesses que se movem na sombra.
O verdadeiro poder prefere o poder e o silêncio.
Quem fala muito serve, normalmente, para ter direito de antena e mostrar que tem músculos.
No PSD a fronteira é clara.

De um lado estão as elites que sempre o dominaram e que têm em Mendes um gestor capaz de, um dia, cair para dar o lugar a quem quiser ocupar a cadeira de Sócrates.

Do outro está Menezes, que fez o curso de populismo através de um concurso da farinha Amparo.
Se ganhasse, ficaria com as ruínas de um partido que emigraria para parte incerta.
Entre Menezes e Mendes o PSD com um palmo de juízo sabe o que lhe convém mais. Ou seja, Menezes está muito bem em Gaia a gerir o seu quintal.
A elite do PSD sabe que Sócrates só cairá quando estiver tão frágil que bastará um sopro para se espalhar no chão.
Não precisa de um Menezes para afugentar a classe média, que decide quem ganha e perde as eleições.


F.S.

Etiquetas: , ,

segunda-feira, 16 de julho de 2007

O PSD

Na ressaca das eleições lisboetas o PSD lambe as feridas.
Não espanta.
Desde que Sócrates tomou o poder, a posição da oposição é a mesma: sentado, à espera que alguém agite meia dúzia de dúvidas. A sociedade civil não se move por acção do PSD.
Agita-se porque a CIP acenou com Alcochete.
O PSD está parado.
Só quando o Governo age é que o PSD reage.

Esse é o longo suicídio da oposição.
A escolha de Fernando Negrão para dirimir armas contra António Costa é típica de alguém que vai para a luta com o síndrome da derrota.
Como sabe que vai perder, já vai a cambalear.
Quando o opositor tenta a estocada final repara, com espanto, que o seu adversário já não está lá.
Não porque tenha caído.
Mas, simplesmente, porque caiu no chão. Mais 5% ou menos 2% não alteram a ausência de estratégia oposicionista do PSD.
Em Lisboa e em Portugal.
Com ou sem Negrão. Com mais ou menos Negrão.
As democracias precisam de oposições fortes. Portugal definha porque tem um Governo que faz o que quer e tem uma oposição que gosta de estar sentada a ver-se na televisão às oito horas. Marques Mendes é, nos seus equívocos voluntários ou involuntários, o melhor boy do primeiro-ministro.
Depois de Lisboa, o PSD precisa de fazer como os Cavaleiros da Távora Redonda: os mais activos guerreiros devem juntar-se para descobrir não apenas um líder, mas uma estratégia.
Um Ricardo, como no Reino Unido medieval.
Até pode ser Marques Mendes.
Mas precisa de ter coração de leão.
Para que haja mais e melhor democracia.


F.S.

Etiquetas: