sexta-feira, 30 de dezembro de 2005

POBRE TERRA A NOSSA... ENTREGUE A TAL GENTE ... [parte II]

Na morada do castigo

O negro espectro que plana sobre as nossas cabeças mais do que ameaçar uma parte de nós, constitui um perigo para todos. As relações entre os portugueses deterioraram-se com as injustiças, as mentiras, as falsas (e, por isso, hediondas) promessas.

Um velho amigo meu, que terçou armas pela liberdade e pagou nas masmorras do Salazar o orgulho de recusar ser um português normalizado, dizia-me, há dias: "Tenho vergonha de desejar Boas-Festas às pessoas, com as dificuldades que elas sentem". Estou d’acordo. Mas dou Boas-Festas.

O que mais estragos causa em nós acontece quando acedemos a desmantelar os andaimes das nossas esperanças. Claro que quase tudo nos incita à indiferença. E pertenço a uma geração que recusou a celebração de alegrias fraudulentas, sem nada ambicionar em troca a não ser viver na liberdade que só a solidariedade permite. Continuo, porém, a acreditar em que as coisas estão ao nosso alcance. O homem, quando quer, consegue tudo quanto quer. A questão está no "querer".

O negro espectro que plana sobre as nossas cabeças mais do que ameaçar uma parte de nós, constitui um perigo para todos. As relações entre os portugueses deterioraram-se com as injustiças, as mentiras, as falsas (e, por isso, hediondas) promessas.

A incompreensão sobreleva a compreensão, e o que ocorre em Portugal e em boa parte do mundo parece dar razão a Walter Benjamin, para o qual a civilização alimenta-se da barbárie. A barbárie é um produto directo da ignorância, da estupidez, da intolerância, do obscurantismo religioso: nenhuma confissão está inocente.

E, também, dos psiquismos que levam muitas vezes os povos a não estar de bem com a liberdade.

Vivemos numa dessas épocas tenebrosas. O País não está coeso, nem espiritual, nem social nem politicamente. A ética cívica e o sentido da solidariedade, bandeiras republicanas, decompuseram-se de tal modo que, perante as negações, aparentemente sem remédio, a prefiguração do salvador da pátria reemerge do pior dos nossos abismos ancestrais.

Há algo de infame e de obsceno nesta baça aspiração. Apercebemo-nos, dramaticamente, que as "irreversíveis conquistas de Abril" não estão, apenas, intimidadas: estão condenadas, acaso não consigamos descodificar os inquietantes sinais que nos são fornecidos. A experiência portuguesa dos últimos vinte anos compele ao pessimismo.

Os crimes (porque de crimes se trata) cometidos em nome da "competitividade", do "desenvolvimento sustentado", da "modernidade", espezinharam quase todas as formas de benevolência e de compaixão. Católicos de genuflexão, rosário e reza, trepados aos diversos Governos, do PS e do PSD, tripudiaram sobre os preceitos mais rudimentares das suas crenças, e alimentaram a ganância, a busca do lucro, o crescendo da precarização do trabalho e do desemprego.

Parece que habitamos "na morada do castigo" (para de novo citar o grande poeta e meu saudoso amigo Ruy Belo), desprezando, por inércia, os obstáculos a ultrapassar. O desalento acentua-se na deriva das nossas colectivas finalidades. Um sinistro avejão paira, medonho, no céu do nosso destino, para de ele nos excluir, e transformar em virtude o testamento do autoritarismo mais reaccionário.

Não há metáfora que resista a este repuxar da impostura através do silêncio. Nem poesia que transfira as evidências das rupturas para os terrenos das convicções. O mito sebástico do salvador é outra forma de falharmos a História. Periodicamente, rilhamos os ossos de mártires, confessores e protectores: a cultura de pedir ao adventício o que a nossa preguiça mental recusa diligenciar.

Dir-se-á: mas os restaurantes estão cheios, as viagens são cada vez mais e para longes sítios, carros há-os por todo o lado. É verdade que há gente feliz. É verdade que há gente cheia de lágrimas. Esta última é a maior de todas as maiorias. O sinistro avejão que paira, medonho, representa um sistema de valores contrário às aspirações populares, e elimina, completamente, a possibilidade de uma sociedade mais justa, mais fraterna, mais comprometida com a própria noção de comunidade e de partilha. Não há sistema sem imposições.

Chegámos a um patamar onde a necessidade de mudança é um imperativo. No entanto, a "mudança" resulta de decisões governativas, nunca de iniciativas presidenciais, a não ser que, subrepticiamente, se pretenda alterações profundas ao regime. Seja como for, a situação tornou-se dilemática. E não está posta de parte a eventualidade de um golpe de Estado constitucional.

Dilectos: aconteça o que acontecer, cá estamos para o que der e vier. Independentemente da consciência das incertezas, Boas-Festas, um Bom Ano, e - por favor! - nunca deixem de lutar para ser felizes!


Baptista Bastos

POBRE TERRA A NOSSA... ENTREGUE A TAL GENTE ...

Pobre modernidade


É da tradição social e cultural portuguesa – como o Eça assinalou muitas vezes na sátira dos seus textos, a que ele próprio não terá escapado – elogiar tudo o que vai lá por fora ou que de lá de fora vem para cá. E, de modo aparentemente contraditório, sempre que os portugueses obtém algum avanço sobre os outros, a gabarolice nunca mais pára, seja ela uma vitória dos «magriços» na velha Inglaterra, seja uma outra num campo menos armado e mais verde, onde em vez de espadeirada, se dê pontapés na bola. Um satélite levou para o espaço um aparelhómetro do tamanho de um dedal? Eia, que os portugueses são os maiores! Os portugueses vão à frente no uso dos telemóveis? Ena, que o choque tecnológico antes de ser já o era!
Mas onde é que fica a realidade, tantas vezes escondida nos oásis cavaquistas, hoje transformados em califórnias de trazer por casa? Os mesmos bruxos que anunciavam Portugal no pelotão da frente, a doze, já se contentam hoje com o sair da cauda da Europa, a vinte e cinco...
Sempre dispostos a anunciar o fim da crise, há dias os jornais não se cansavam de anunciar os 320 milhões de SMS com votos de boas-festas, enviados pelos portugueses uns aos outros, demonstrando talvez um desesperado anseio de o próximo ano venha a ser melhor do que este que ora acaba. No mesmo dia, os media anunciavam que os nossos concidadãos levantaram, num só dia, 115 milhões de euros no multibanco. E logo apareceram economistas a sublinhar o «bom sinal» que tal operação constituiria para a economia portuguesa.
No dia seguinte, moderada a euforia natalícia, um retrato mais sombrio foi tirado ao País. Estamos mais velhos e mais pobres. Como assim?
Claro que tinha de haver comparações. E que melhor comparação senão com aquela que podemos cotejar com os nossos vizinhos espanhóis? Lá sae vai por água abaixo o espírito de Aljubarrota, ao verificar-se que os parceiros peninsulares trabalham menos mas são mais ricos, E, quando se explica que o motivo de tal diferença reside na maior produtividade e qualificação, não se percebe como é que os distintos políticos e economistas do costume insistem na receita dos baixos salários, dos horários prolongados e no aumento da idade da reforma.
Por outro lado, podem os cidadãos estar descansados. Ganhamos aos espanhóis no uso dos telemóveis e nas ligações à Internet.
Isto é que é modernidade.


Leandro Martins

LONGE VÁ O AGOURO

O mistério da aversão de Cavaco à exposição pública das suas ideias tem afinal uma explicação, cuja foi revelada na entrevista concedida pelo próprio ao JN, em vésperas de Natal, e publicada na edição de 27 de Dezembro.
O ex-primeiro-ministro está a guardar-se para quando e se chegar a Belém.
A primeira tarefa que gostaria de realizar era uma conversa longa com o primeiro-ministro, diz o candidato quando questionado sobre o primeiro trabalho que gostaria de fazer se for eleito.
Convenhamos que é uma opção de tomo: falar.
É claro que, na ausência de uma bola de cristal digna de crédito, difícil é tentar antecipar o conteúdo da hipotética conversa - sobretudo porque não se entende o que obsta desde já a esse aparentemente tão desejado tète-à-tète com Sócrates -, mas pode-se tentar uma aproximação a partir das pérolas dadas na entrevista.
Generalidades à parte, como as conversas em família, os comentários dos netos, o afastamento partidário, as opções de residência e as profissões de fé na capacidade de cooperação, Cavaco levanta a ponta do véu ao falar da momentosa questão das deslocalizações de empresas estrangeiras, questão que lhe terá deixado uma pedra no sapato desde o seu consulado no governo.
Quem é que já se esqueceu do célebre empreendimento Roussel, em Odemira, apontado como exemplo de sucesso pelo então primeiro-ministro Cavaco numa visita de Estado, cujo dono deu à sola mal os holofotes se apagaram, deixando dívidas aos trabalhadores e prejuízos ao País?
Pois deve ser isso que explica que o agora candidato a Belém defenda a criação de uma secretaria de Estado para as empresas estrangeiras, cujo titular teria com função fazer o recenseamento das ditas e fosse de vez em quando, falar com cada uma delas para tentar indagar sobre problemas com que se deparam e para antecipar algum desejo dessas empresas se irem embora, para assim o Governo tentar ajudá-las e inverter essas motivações.
Nem mais.
Ora vocelência tem algum problema?
Em que é que podemos ajudá-lo?
Veja lá, não se vá embora que nos faz cá falta, se precisar de alguma coisa é só dizer, umas facilidades fiscais, um aperto na lei da greve, uns perdões para Segurança Social, etc., etc., etc., o que não falta é fórmulas de ensinar o padre nosso ao vigário.
Sócrates que se cuide, que a dar-se o desastre o epicentro do governo corre o risco de escapar de S. Bento, pois o que o homem quer é governar.
Longe vá o agouro, que para pior já basta assim.

Anabela Fino

quinta-feira, 29 de dezembro de 2005

MANUEL ALEGRE EM PORTALEGRE


Alegre defende reposicionamento de Portugal no mundo


Manuel Alegre garantiu ontem, em Portalegre, que se for eleito, cumprirá uma magistratura voltada para o bom funcionamento dos órgãos do Estado e para o reposicionamento de Portugal no mundo.
De visita a Portalegre, Alegre fez uma paragem não anunciada no emblemático Café Alentejano. Lá dentro, entre membros do PCP, estava o ex-eurodeputado comunista Joaquim Miranda. Afirmando-se ainda militante, embora com "alguns problemas", Miranda referiu-se ao candidato como "um velho amigo", cuja campanha, disse, tem a particularidade de mobilizar a sociedade civil, "cidadãos que estavam apáticos" e "pessoas desencantadas".

Alegre sublinhou o significado "afectivo" do encontro e aproveitou as afirmações de Joaquim Miranda para proferir que a democracia extravasa os partidos. "Viva a unidade da esquerda", ripostou estridentemente alguém dentro do estabelecimento, já a comitiva de Alegre seguia Rua do Comércio abaixo até à sede de candidatura a inaugurar.
Já na sede, Alegre afirmou que o Presidente terá que ter "uma visão estratégica" e "colocar Portugal no centro da Europa, sem subserviência". E invocou o Portugal dos descobrimentos e o poder da língua portuguesa para a prossecução da que diz ser a nova política externa, "uma diplomacia de paz" e "uma política autónoma da UE", em determinados pontos geográficos.
Como comandante supremo das Forças Armadas prometeu dignificar e modernizar estas estruturas, as quais não irão, sob a sua alçada, "participar em qualquer acção contra direitos internacionais consagrados nem contra as Nações Unidas". Alegre defendeu ainda uma Europa de coesão social, em detrimento do "capitalismo desenfreado" e "federado sob o domínio de três ou quatro grandes Estados". Afirmou não ficar neutro perante o desemprego, a exclusão e as desigualdades sociais e vir a garantir as liberdades formais, o funcionamento e a decência da democracia.
De manhã, em Castelo Branco, falando sobre os fundos comunitários, que vão chegar entre 2007 e 2013, Alegre defendeu, segundo a Lusa, que "é preciso que sejam bem repartidos e sirvam de facto o progresso do interior".
Referindo-se aos 22 mil milhões de euros atribuídos a Portugal, frisou que se tratará de "500 milhões de euros por ano para o desenvolvimento rural e 600 milhões para a agricultura". E fazendo o paralelo com o passado, defendeu que não se pode repetir a receita dos anos 80 e 90: "Em dez anos de Cavaco Silva como primeiro-ministro e Mário Soares como Presidente da República, houve grande desperdício de fundos comunitários. Houve fortunas fáceis. Muito betão, mas pouca qualificação, e isso não pode voltar a repetir-se."


[Antonieta Félix/Público, 29.12.2005]

quarta-feira, 28 de dezembro de 2005

O ÚNICO CAMINHO DECENTE

O desprestígio da República


Ele só tinha um caminho decente a seguir após um episódio tão deselegante e grotesco [no debate com Cavaco] o de desistir da sua candidatura. Merecia que o seu partido lhe retirasse o apoio logo naquela noite. Era esse também o único caminho decente que restava ao PS


Ele não respeita regras. Ele fez afirmações gravíssimas. Ele destruiu a razoável imagem que tinha com meia dúzia de frases intencionais e malévolas.

Ele não se limitou a ser o único e aliás medíocre entrevistador do seu adversário em 20 de Dezembro. Fez uma figura triste, trapalhona e imperdoável.

Ele reconheceu que se prestou, como Presidente da República, a ouvir reparos críticos de primeiros-ministros estrangeiros ao primeiro-ministro de Portugal, quando este andava a defender os interesses nacionais.

Ele tem da função presidencial um entendimento perverso a opinação de uns amigalhaços de segunda categoria foi posta à frente dos interesses do Estado português. Ele é o homem que diz ter uma grande experiência internacional e ser muito prestigiado no estrangeiro, talvez por se prestar assim à coscuvilhice política de alto (?) nível.

Ele mostrou-se de acordo, na sua qualidade de Chefe do Estado, com o que então lhe disseram os seus interlocutores. Tanto assim que o invocou agora como fundamento das suas afirmações.

Ele aceitava tudo aquilo que ia ouvindo, não se opondo a que assim pudessem ficar diminuídos a credibilidade, o prestígio, o estatuto e o espaço de manobra do primeiro-ministro de Portugal. Não sabemos com quem falou.

Ele, que diz conhecer e respeitar a Constituição, talvez não tenha chegado a trair o interesse nacional, mas traiu certamente a solidariedade institucional. Se algum daqueles fabianos se tivesse jamais atrevido a entabular conversas do mesmo jaez com estadistas como Jacques Delors, Helmut Kohl, Margaret Thachter, John Major, Felipe González ou até son ami Mitterrand, teria levado uma corrida em pêlo. Ele não aprendeu nada com as grandes figuras da política europeia.

Ele teve a desfaçatez de assumir esse comportamento deprimente, não se penitenciando por tal facto, antes tentando utilizar essas situações do passado em seu favor no presente.

Ele continua a pensar que goza de uma absoluta impunidade. Sem nada de melhor para dizer, lançou mão da insinuação não demonstrada em termos que resvalam para a calúnia lesiva para Portugal e para quem representava o País em negociações da mais alta complexidade.

Ele acha que os fins justificam os meios. Ele, habitualmente bem-educado, não recua perante nada, no desespero em que o colocam as sondagens. Ele é que representa um alto risco para a democracia.

Ele escusou-se a revelar a identidade daqueles interlocutores, o que era o mínimo exigível depois de ter descrito perante as câmaras o teor escandaloso das suas conversas.

Ele não teve transparência nem coragem nos seus processos. Afirmou coisas espantosas com toda a arrogância, mas meteu o rabo entre as pernas quando se tratou de esclarecer o auditório sobre quem lhe disse o que se pôs a repetir. Se o seu comportamento tivesse sido divulgado na altura em que assim procedeu, ele não teria tido outro remédio senão o de pedir a demissão do cargo que ocupava.

Ele não foi capaz de explicar por que razão não exerceu então os seus poderes para demitir o primeiro-ministro, se achava que este não valia grande coisa e merecia os comentários desprimorosos que ia ouvindo.

Ele é pateticamente inconsistente nas suas posições. Foi-o quando Presidente. É-o agora que tenta voltar a sê-lo.

Ele, que tanto invoca o conhecimento da História, da Economia e da Política, mostra também a sua rutilante ignorância em matérias nevrálgicas para o País nem sequer se deu ao trabalho de ler, ao menos, o documento da União Europeia intitulado The Portuguese Economy after the Boom, que compara eloquentemente a governação a que ele põe agora tantas reticências e a governação socialista.

Resumindo

Ele assumiu em público ter sido protagonista consciente e voluntário do desprestígio do País, da República e do Governo.

Ele deixou bem claro que se esteve nas tintas para a defesa dos interesses nacionais e para a solidariedade institucional.

Ele fez com que a maioria dos portugueses, a partir de 20 de Dezembro, se sentisse desconfortável com o facto de o ter tido como Presidente durante dez anos, como se viu pelas inúmeras reacções, espontâneas e indignadas do dia seguinte, nos vários fora da rádio e da televisão.

Ele só tinha um caminho decente a seguir depois de um episódio tão deselegante e tão grotesco o de desistir da sua candidatura.

Ele merecia que o seu partido lhe tivesse retirado o apoio logo naquela noite. Era esse também o único caminho decente que restava ao PS


Vasco Graça Moura

terça-feira, 27 de dezembro de 2005

TODOS FICÁMOS DESCANSADOS

O risco e a incerteza

Na sua simpática mensagem de Natal, José Sócrates sossegou os portugueses.

Segundo o seu discurso de ama, a mudança já começou. Finalmente começou.
Todos ficámos descansados.
Há, claro, quem sinta na pele a mudança.
Outros, obviamente, notam-na no final do mês quando pagam as contas, e também a sentem.
Há, claramente, uma diferença entre aquilo que Sócrates sonha, a mudança, e aquilo que se vislumbra, a imobilidade.
Basta olhar para a Autoeuropa: o país treme com a perspectiva de fecho da fábrica.
Mas o que é que se faz para criar, desde já, uma alternativa a essa possibilidade real: seja daqui a cinco dias ou a cinco anos?
Há quem chame mudança a um conjunto de palavras cuja soma é igual a zero. É o que faz Sócrates.
O Governo trata este problema como se ele fosse um fantasma.
Sócrates começa a assemelhar-se a um ghostbuster falhado. Frank Knight, dizia que havia uma diferença entre o risco e a incerteza.
O risco era algo que se poderia calcular: a possibilidade de se perder na roleta.
A incerteza tinha a ver com as hipóteses de sucesso ou falhanço serem incalculáveis.
Isto é: alguém jogar à roleta e, depois de vencer, ser assaltado à saída do casino. Sócrates joga com a incerteza. E diz que isso é, apenas, um risco.

Fernando Sobral

sexta-feira, 23 de dezembro de 2005

FELIZ NATAL...


Velho Menino-Deus que me vens ver
Quando o ano passou e as dores passaram:
Sim, pedi-te o brinquedo, e queria-o ter,
Mas quando as minhas dores o desejaram...

Agora, outras quimeras me tentaram
Em reinos onde tu não tens poder...
Outras mãos mentirosas me acenaram
A chamar, a mostrar e a prometer...

Vem, apesar de tudo, se queres vir.
Vem com neve nos ombros, a sorrir
A quem nunca doiraste a solidão...

Mas o brinquedo... quebra-o no caminho.
O que eu chorei por ele! Era de arminho
E batia-lhe dentro um coração...


Poema de: Miguel Torga

Presepio do gato no telheiro de:www.oficinadaterra.com

quinta-feira, 22 de dezembro de 2005

CABAZES DE NATAL EM PONTE DE SÔR



A azáfama tem sido grande por parte do senhor doutor na distribuição dos cabazes de natal no concelho de Ponte de Sôr.
Eles são doutores, doutoras, “cadelas de fila" todas atarefadas na distribuição dos cabazes de natal oferecidos pelo senhor doutor, perdão, pagos com o nosso dinheiro, é assim que o senhor doutor faz política, com o dinheiro dos munícipes.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2005

O QUADRADO DA DEMOCRACIA

Há vários políticos. Há o executivo, o “idealizador”, o persuasor… E há outros que se debatem de espírito aberto por causas profundamente éticas e de bem-estar social. Não será uma tipologia criteriosa, mas deíctica da característica que mais se sobressai nos perfis de cada candidato à Presidência da República.
O executivo é o homem da acção, da planificação e da orientação racional e estratégica. É Cavaco.
O “idealizador” é o de maior apetência política. É o homem capaz de focar a conjectura e discernir acerca da realidade através de preposições do que seria o ideal, o mais apropriado em termos abstractos, mas susceptível de acatamento. É Soares.
Persuasores todos terão que ser. Mas há outros que fazem dessa qualidade a de maior propensão, para na verdade conseguirem transmitir a imagem de coerência a partir de deduções falaciosas num emaranhado de retórica demagoga. São aqueles onde a ideologia não é exequível. São Louçã e Jerónimo (embora caiba a este último a peculiaridade da sua ideologia partidária.)

Alegre é diferente.
Tal como advoga, pretende que a sua candidatura seja dotada de uma “transversalidade” pela sociedade civil. Pois é a esta que se dirige (bem diferente da sociedade política – que engloba comentadores, jornalistas e “opinion makers”.) Alegre desconhece a “real politik”.
Desconhece, ao contrário de Soares ou Cavaco, o jogo interesseiro e de influências que polui a eticidade (e nobreza, como diria Soares) da causa política. Alegre é apologista da construção da sociedade socialista que emanou do espírito de I Republica (e que se foi esvanecendo...).
Tal como Antero de Quental, vê na poesia a faceta de “voz da revolução.”
Foi deste filósofo que brotou a essência da primeira esquerda portuguesa.
Uma esquerda da liberdade, da aceitação, da fraternidade e da solidariedade.


Está omissa no espaço dúctil da interpretação constitucional, a acepção de um Presidente da República como um super “primeiro-ministro”.
Ao Presidente pede-se a capacidade de ocultar e analisar a vontade comum.
Alguém capaz de apontar directrizes para a edificação de uma cidadania participativa, de uma sociedade justa e igualitária.
Pede-se-lhe que zele pelo bom funcionamento da democracia.


Alegre é deputado desde que há democracia.
Nunca partiu para a obscuridade da (necessária, embora) negociata política.
Sempre foi alguém que, imbuído dessa querença maior do “bom e do justo”, ostentou deliberadamente a vontade de contribuir para a causa pública.
A contribuição de Alegre nunca se esgotou (ou não se gerou somente) na sua história participativa na Assembleia da Republica, mas extrapolou-se para o domínio da imperatividade da sua consciência de intervenção fora dela, na mais íntima e genuína afirmação pessoal: a poesia.


Alegre é político por benevolência de carácter. E por um tenaz pulsar patriota.
O seu quadrado não é de solidão no sentido da ausência de compreensão humana. É-o num sentido de vacuidade de alicerce político-partidário.
Nunca político-ideológico.
Muito menos de creditação social.


Termino com palavras da maior (na minha opinião, é claro) escritora e intelectual portuguesa da actualidade, Inês Pedrosa: Independentemente dos resultados finais – que dependem só da vontade e da cabeça de cada um dos portugueses, por muito que alguns insistam em querer pastoreá-los paternalisticamente – a candidatura de Manuel Alegre é já vitoriosa, porque veio despertar em milhares de pessoas o gosto pela intervenção cívica, criando uma atmosfera de energia e criatividade num país que parecia moribundo, à força de lhe repetirem que não tinha salvação.



RC

terça-feira, 20 de dezembro de 2005

100 MIL NOVOS DESEMPREGADOS

Quem pára o desemprego?


Não são angustiantes os novos dados que nos dizem que todos os dias mais 50 portugueses ficam sem emprego.
A continuar a este ritmo, serão necessários mais seis anos para que mais 100 mil trabalhadores fiquem desempregados.
O que é dramático é que o desemprego tenha subido 16% para os quadros qualificados.

A quantidade de licenciados desempregados que é excluída do mercado de trabalho é, em si, um facto muito mais preocupante que a actual sangria continuada. Porque isto significa que o desajustamento entre a procura e a oferta de trabalho não é repartido igualmente pelos vários níveis profissionais e, sobretudo, porque prova que Portugal está a ter demasiadas dificuldades para encontrar uma linha de desenvolvimento económico assente na qualificação dos recursos humanos.

Ora este até é o ponto central da política económica do Governo. Qualificação dos recursos humanos, sociedade do conhecimento, plano tecnológico, investigação e desenvolvimento?
Neste aspecto, pelo menos em teoria, o Governo compreende o que se está a passar.

No entanto, de que servirá uma injecção de qualificação em recursos humanos de baixa formação quando temos inúmeros recursos com elevada formação que são encostados ao desemprego?
Fará algum sentido económico que o dinheiro, que o Estado e as famílias investiram na formação superior, seja remetido para a inutilidade do desemprego?
Fará sentido que as prioridades se concentrem em habilitar os que são trabalhadores, de alguma forma, indiferenciados mas que, pelos vistos, têm muito mais facilidade em manter os seus empregos e em encontrar novos quando estão desempregados?

Dir-nos-ão que Portugal está a sofrer as consequências de ter andado a ministrar durante anos cursos superiores sem saída profissional, pois serão esses o tipo dominante de licenciados desempregados.

Porém, mais uma vez, não será preferível apostar em quem já tem capacidades decorrentes de uma formação superior?
Não seria mais útil enfrentar a questão do que continuar a olhar para a permanente subida do termómetro do desemprego como se este fosse apenas consequência de uma gripe e não a manifestação de um profundo desequilíbrio de qualificações?

É claro que o Governo tem uma resposta para isto.
O ministro do Trabalho repetiu-o a propósito dos novos dados do IEFP.
Vieira da Silva disse que o Governo espera inverter o crescimento do desemprego através dos novos investimentos públicos e das políticas públicas.

Mas leia-se o programa do Governo e alguém acredita que a panaceia seja através de sistemas de microcrédito, de unidades cooperativas ou de um controlo mais apertado, ainda que fundamental, do recurso ao subsídio de desemprego?

Alguém acredita que a Ota e o TGV sejam a solução para o desemprego?

Excluindo o recurso ao aumento das contratações na função pública, remédio para o desemprego utilizado longamente por vários governos, alguém duvida que só o aumento geral e continuado do investimento das empresas conseguirá inverter a actual escalada?

Portanto, o que vai o Governo fazer para estimular as empresas a investir?


Eduardo Moura

segunda-feira, 19 de dezembro de 2005

O PROBLEMA DOS SOCIALISTAS É FALTA DE ENERGIA

O choque Socialista

O choque tecnológico, está provado, vai torrando sucessivos dirigentes do projecto. É uma descarga eléctrica de alta voltagem. Mas, enquanto isso sucede, o problema dos socialistas é a falta de energia.
O que deixa sem dormir os responsáveis do Partido Socialista é o apagão que pode acontecer se, por um acaso do destino, Manuel Alegre tiver mais ou, simplesmente, um pouco menos de votos do que Mário Soares.
Essa seria uma descarga eléctrica de que o Partido Socialista não estaria à espera.
Não é por acaso que alguns dos mais lúcidos dirigentes socialistas, Jorge Coelho, António Costa e António Vitorino, se têm desdobrado nos últimos dias pedindo a desistência dos outros candidatos de esquerda a favor de Soares.
O verdadeiro problema do Partido Socialista não é que Soares perca, na primeira ou na segunda volta, com Cavaco.
É, simplesmente, a necessidade de ele ser de forma conclusiva o mais importante candidato da esquerda.
Aquele a quem o núcleo duro do PS deu o apoio.
Perder a face seria a pior coisa que poderia acontecer a Sócrates neste momento.
Por causa de Soares, o Governo de Sócrates está à espera do choque tecnológico numa cadeira eléctrica.
Tudo começa por ser política pura.
Tudo acaba por ser uma questão de poder.

Fernando Sobral

sexta-feira, 16 de dezembro de 2005

FINANCIAMENTO DO PARTIDO SOCIALISTA EM PONTE DE SÔR, ESTÁ PAGO:

Assusta-me estarmos tão próximos de casos como Felgueiras e Gondomar.

As ligações perigosas do financiamento da campanha eleitoral do Partido Socialista em Ponte de Sôr vêm agora ao de cima.

As suspeitas sobre compadrios afinal confirmam-se!

Para os que ainda não acreditam...

A Câmara Municipal de Ponte de Sor adquiriu no ano passado(2004), um terreno nas Barreiras, junto à corticeira Subercentro por 2€(400$96)/m2.


Agora está montado o negócio:
A Câmara vai vender à Subercentro o mesmo terreno por 0.005 €(1$00)/m2.

Estão explicadas as razões para o seu administrador comparecer no jantar de apresentação da lista do Partido Socialista em Ponte de Sôr, no passado mês de Setembro de 2005.

Para os que não se importam com as negociatas do presidente da câmara Dr. Taveira Pinto:


... 75000m2 a 30 mil contos há um ano, pago com o nosso dinheiro, vão valer 75 contos em 2006.

Palavras para quê?!

Parabens a todos os que deram a maioria absoluta ao Taveira Pinto.


Sou democrata, mas o que me preocupa é que ainda faltam 4 anos para acabar o mandato... e até lá muitos euros vão correr na pista do aeródromo e nas obras da fundação António Prates.

IMAGEM DE PORTUGAL

Ignorância e desespero

Há algo de equívoco nas afirmações do candidato do PSD-CDS. Foi num governo dele que Saramago se viu impedido de participar num importante prémio europeu, o que atribuiu à «imagem de Portugal» um colete de infâmia, de intolerância e de estupidez.
Segundo parece depreender-se de recentes notícias, o Dr. Cavaco foi a Paris.
Não para visitar a Cinemateca, deslocar-se ao Louvre, adquirir os famosos «Traités Politiques, Esthétiques, Éthiques», de Baltasar Gracián, ou «La Societé Assiégée», de Zygmunt Bauman.
O Dr. Cavaco foi a Paris para prometer, à puridade, «recuperar a imagem de Portugal no estrangeiro».
Quis, assim, de cabeça alta e a costumeira graciosidade espelhada no rosto, criticar a prosápia e a vilania dos governos que o antecederam - os quais teriam, maldosamente, ofuscado essa imagem.
Depois, satisfeitíssimo, tomou o avião e regressou à pátria, por ele considerada «excessivamente deprimida».
Claro que também possui remédio e sólidos métodos para extirpar esta atroz maleita.

Há algo de equívoco nas afirmações do candidato do PSD-CDS.
Foi num governo dele que Saramago se viu impedido de participar num importante prémio europeu, o que atribuiu à «imagem de Portugal» um colete de infâmia, de intolerância e de estupidez. Enorme chinfrim fez a Imprensa lá de fora. Nessa ocasião, como em outras, o Dr. Cavaco, primeiro-ministro, não exautorou nem despediu, como lhe competia, os vigilantes da «cultura» no seu governo: Santana Lopes e Sousa Lara.

O culto da juventude pela juventude atingiu, na década de Cavaco, o requinte de doutrina de governo e de símbolo de «modernidade».
É a época na qual é inculcada a concepção da economia como sagrada força de exemplo.
Por sistema foram ignorados a educação, o desenvolvimento harmonioso, a aplicação dos modos relativos à natureza das técnicas.
A genealogia da amnésia histórica começou a exteriorizar-se, com o apagamento do passado e a remoção daqueles que representavam o espírito do 25 de Abril. Assistiu-se ao agiornamento de abjurados da extrema-esquerda, promovidos a lugares de decisão.
Ressurgiram os velhos mitos patrioteiros e a preponderância do autoritarismo sobre a razão.
Bem entendido: não foi Cavaco Silva o autor da teoria: faltam-lhe leitura e reflexão filosóficas, bases culturais e prospectiva.
Ele foi a causa determinante.

Sabe-se que ciência, arte, literatura, cinema, teatro não se encontram no quadro dos interesses essenciais do Dr. Cavaco. E que as suas famosas confusões culturais, deploráveis num primeiro-ministro tornam-se imperdoáveis num homem que ambiciosa Belém. Mesmo o gosto pelo fado «novo», trovado por Katia Guerreiro, é aquisição recente e, suspeito, passageira.

A «imagem» de Portugal no estrangeiro têm-na dado Alexandre Quintanilha, António Damásio e Paula Rêgo, Saramago, Agustina e Lobo Antunes, Manoel de Oliveira e João César Monteiro, Madredeus e Rodrigo Leão, Cabrita Reis e Julião Sarmento, Joaquim de Almeida e Maria de Medeiros - para só falar de alguns e do nosso tempo actual.
Há muitos mais, que Cavaco sempre desprezou por ignorância e indiferença.

Na inesquecível viagem a Paris, utilizando o patronímico na forma majestática, declarou: «Todos eles atacam o Cavaco porque há falta de argumentos melhores». Entre a urdidura desta frase, trôpega pelo percalço gramatical, a verdade dos factos, e a pompa egocêntrica, compõe-se o retrato de um homem que tem de si próprio a melhor das opiniões. Além de nos reforçar a ideia de que não possui um pingo de humor.

Estamos a grande distância do perfil adequado a um Presidente da República, o qual deve legar-nos uma égide de humanismo, contemporização, ampla curiosidade de interesses, espírito dialogante, aproximação afectiva. Este homem não é só um frigorífico de emoções: desperta muito do que de mais assustador existe, adormecido ou dissimulado, na sociedade portuguesa. Acaso me engane - nesta coluna assinalarei o meu erro de interpretação.
Até lá?


Baptista Bastos

MAS NÃO É POR MAL. É POR BEM.

Agarrem-se: a introdução de portagens em auto-estradas sem custos para o utilizador vai ser decidida já no primeiro semestre de 2006.
Pronto, já passou.
Não, não passou nem vai passar assim tão depressa.
Mas era apenas uma questão de tempo. Não há dinheiro para pagar tanta SCUT.
E o tempo foi abreviado: mal por mal, antes mais cedo do que mais tarde.
Mas não é por mal.
É por bem.

É por bem orçamental, porque é impossível suportar os encargos com que o Governo Guterres nos comprometeu e que o Governo Durão adensou. As parcerias público-privadas representam um encargo de 30 mil milhões de euros até 2025 (com um pico de dois mil milhões ao ano por volta de 2015) e de 35 mil milhões até 2035. Metade disso é rodovia. Só no próximo ano são 700 milhões de euros. O resto é ferrovia e hospitais. E ainda virá a Ota e o TGV. E as águas e o saneamento. E as autarquias, onde as PPP estão na fase inicial: a da desorçamentação.

É por bem fiscal. Se são os impostos a financiar a maior parte dos grandes projectos, eles ou têm de aumentar ou, no mínimo, não podem diminuir. Em qualquer caso, há perda de competitividade fiscal.

É por bem económico. Quando o Governo põe os contribuintes a pagar a factura dos consumidores está a fazer uma distorção económica para compensar uma distorção social. Como a interioridade. Como as assimetrias de riqueza. Como os desequilíbrios no desenvolvimento. Mas que interioridade há na SCUT Litoral Norte? Que desequilíbrio há nos utilizadores da Costa de Prata? Que assimetria havia na CREL?

É por bem social. Porque é justiça social. Porque não é compreensível que estejamos todos a subsidiar as portagens dos turistas que viajam na Via do Infante.

É, sobretudo, por bem da nossa sanidade mental. A partir do momento em que a primeira SCUT tiver portagem Sócrates mata mais uma vaca sagrada. Uma vaca que o ministro Carmona Rodrigues quis matar mas não o deixaram; que o ministro António Mexia quis matar mas não teve tempo. Mata-a o ministro Mário Lino.

A discussão a partir daí passará a ser outra. E isso faz toda a diferença. Acaba o debate metafísico sobre o modelo do utilizador-pagador e concretiza-se a decisão nos casos específicos.

Foi exactamente isso que aconteceu com o Código do Trabalho de Bagão Félix: a sua primeira virtude não foi o que mudou, foi ter mudado. Só a partir daí se pôde começar a discutir as leis laborais. O que está bem. O que está mal. Mas sem dogmas.

O IP3 faz sentido? Quais são as alternativas? Qual a riqueza de quem o utiliza? A A23 deve ser subsidiada? Toda? As obras que estão projectadas para beneficiação da EN 125 criam alternativa e justificam a introdução de portagens na Via do Infante?

São estas as perguntas correctas e que devem decidir, em cada caso, a subsidiação. E é a partir desse momento que a discussão fará sentido. Até lá, ainda vamos ter utilizadores injustiçados e autarcas danados. Eles vão passar a pagar para andar. Nós deixamos de pagar para ver.


Pedro G.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2005

ALGUÉM VAI TER DE PAGAR A CONTA DO TGV

TGV,

um investimento monstruoso, gigantesco…


Se juntarmos a Ota, e com derrapagens que já sabemos que vai haver fatalmente, estamos a falar de doze mil milhões de euros, o que é uma brutalidade.
Como disse Jerónimo de Sousa, é impossível de acontecer.
É evidente que, para haver dinheiro para isto, mais os mil e quinhentos milhões de euros que vão passar a custar as Scut todos os anos, não há dinheiro para o resto. Tanto quanto sei, o país está com dificuldades, não é rico e, de repente, o Governo parece que tropeçou numa mina de ouro.
Como eu não sei onde é que fica a mina de ouro, tudo isto é um projecto para arruinar o país a médio/longo prazo. É por isso que as pessoas têm de estar mais atentas. Em relação ao que disseram Mário Soares e Manuel Alegre, queria só dizer uma coisa.
Isso de não podermos ficar à margem da linha europeia de alta velocidade, leva-me a perguntar porquê?


Países tão desenvolvidos como a Finlândia, a Suécia, a Noruega estão e não têm problemas. E são países muito maiores, com distâncias muito maiores a cobrir e que precisariam muito mais do TGV do que nós. E não o têm.
Será que não são países desenvolvidos por isso?
Há aqui duas coisas: o Governo já mudou as previsões numa semana.
Na semana passada foi anunciado que o TGV custava sete mil e trezentos milhões de euros e uma semana depois já custa sete mil e setecentos.
Estamos a falar de quatrocentos milhões como se fosse uma ninharia.
Na semana passada previam-se cinco milhões de passageiros/ano na linha Lisboa/Madrid.
Esta semana já se prevê metade: dois milhões e meio de passageiros.
O que, mesmo assim, significa sete mil e quinhentas pessoas a andar de comboio, todos os dias, entre Lisboa e Madrid.
Não sei onde é que elas estão.
Na semana passada o Governo fazia a linha das infra-estruturas – as expropriações, que é o grosso – e os privados compravam os comboios e exploravam.
Esta semana já chegou à conclusão de que a linha para Madrid não é rentável. Toda a gente percebeu: como não há privados, vão dar meias indemnizações compensatórias para ajudar os privados a entrarem.

Ainda esta semana o Tribunal de Contas fez um relatório sobre as concessões das ferrovias e das auto-estradas e tem sido tudo um desastre para o Estado, ou seja, são sempre os privados que ficam a ganhar.
É por isso que eu acho que se devia olhar para isto com muita atenção porque eu não gosto nada de ver estas plateias, sentadas, a ouvir o Governo dizer como é que vai dar cabo do PIB.
Há demasiados negócios, metidos aqui, com empresários.
Isto é a salvação de todas as empresas de construção civil, e não só, na próxima década, na próxima geração. Alguém vai ter de pagar esta conta.
Eu pergunto, por exemplo, porque é que nós, de repente, ainda estamos com um comboio que demora três horas e um quarto para fazer Lisboa/Porto, que é, de facto, uma linha essencial. E, de repente, passamos para o TGV que, ainda por cima, vai ter que dar a volta pelo sul para entrar em Lisboa – é o mais lógico –, e não vai ter ligação directa com a Ota.
Imagina uma pessoa que queira vir de TGV, do Porto, para vir apanhar um avião na Ota: tem de vir a Lisboa, dando a volta pela margem sul, muda de comboio, vai para a tal linha especial e, depois, apanha o avião. E ao contrário: quem desembarcar na Ota para ir para o Porto tem que apanhar o ‘shuttle’, vai para a Gare do Oriente e, em vez de seguir para norte, vai dar a volta pela margem sul para ir para o Porto.
Ou seja, os ganhos de rapidez não vão ser assim tantos quanto isso.
Então pergunto: será que a alternativa não seria um comboio de velocidade elevada, que custa quatro ou cinco vezes menos que este e que, na distância Porto/Lisboa, só ia gastar mais um quarto de hora do que gasta o TGV.
É isso que eu acho estranho em Portugal: ou não fazemos nada ou temos de fazer o maior do mundo.
A maior barragem do mundo – o Alqueva; a maior refinaria – Sines; a maior barragem em África – Cabora Bassa; o maior aeroporto não sei de onde, depois, um TGV extraordinário, como os países luxuosos têm…

Nós não temos dinheiro para estes luxos.


Miguel Sousa Tavares

quarta-feira, 14 de dezembro de 2005

A VERDADE É COMO O AZEITE...

CENTENAS DE BLOGUES QUE POR AÍ EXISTEM...

Foi nestes termos que Freitas do Amaral, ministro dos Negócios Estrangeiros, se referiu aos blogues na sua intervenção na Assembleia da República a propósito do transportes de carne para tortura supostamente promovida pela CIA.
Tal referência surgiu depois de enumeradas várias fontes sem provas e visou uma desvalorização generalizada dos blogues, classificando-os como não credíveis.


Pois é senhor ministro dos Negócios Estrangeiros, já que os blogues não são credíveis, aqui vai uma anedota deste governo: num ministério uma assessora de um ministro que não concordou com um resultado de um concurso em que participou recorreu do resultado do mesmo apresentando um parecer jurídico elaborado pelo próprio ministro.
Será o Professor Freitas do Amaral capaz de adivinhar qual foi o ilustre jurisconsulto governamental?


Não ligue senhor ministro, não vale a pena preocupar-se com piadas sem provas nem fundamento feitas por um dos muitos blogues "que por aí existem".
Mas se o bichinho da curiosidade o roer diga, que nós publicamos aqui o nome da funcionária e do ministro em causa.

JUM

terça-feira, 13 de dezembro de 2005

POR AQUI É IGUAL...

Crónicas de uma normalidade anunciada


(a área da adjudicação de obras públicas e da aquisição de bens e serviços pela administração central e autárquica, que, observa, ) constitui, como em muitos outros países, a grande (mas não exclusiva) fonte de financiamento dos partidos políticos e das respectivas actividades, (concretamente de campanha eleitoral.)

não raras vezes, os orçamentos iniciais são subvalorizados, adoptando-se a estratégia de engrossar os réditos (rendimentos) à custa de “trabalhos a mais” de duvidoso fundamento. É corrente», disse, «a ideia de que as empreitadas de obras públicas atingem valores entre 30% e 50% superiores aos da adjudicação.

(No que toca à área da fiscalização das obras públicas) em benefício de funcionários corruptos, são desprezadas as exigências dos cadernos de encargos, obtendo-se, com preocupante frequência, obras deficientes, sujeitas a rápida degradação e acrescidas despesas de conservação.

a quantidade e, sobretudo, a qualidade dos materiais empregues são objecto de traficância entre o fiscalizador e o adjudicatário da obra. a má qualidade do piso das estradas (onde se chegou já a apurar o custo de “poupança” por cada centímetro a menos de betuminoso por quilómetro) e a rápida degradação de muitos edifícios públicos são exemplos dessa matéria.

Outra das fontes primordiais de financiamento partidário e de enriquecimento ilegítimo de políticos e funcionários é a área de licenciamento de obras particulares por parte de órgãos da administração central e autárquica. Faz curso a ideia de que os promotores imobiliários e os empreiteiros são os maiores financiadores das campanhas e dos partidos. Justamente, para obterem, no momento próprio, as almejadas contrapartidas estará aqui a razão principal do alto preço do imobiliário em Portugal e do caos urbanístico e desconcerto ambiental.


se é verdade que a escassez de meios humanos e de equipamento informático pode, em parte, explicar as falhas na cobrança de impostos – factor determinante do crónico défice orçamental –, o fenómeno também é devido a actos de corrupção de tráfico de influências.

Fecha-se os olhos a sinais exteriores de riqueza e a ostensivas manifestações de poder económico e de lucro, de tal forma que se chega ao ridículo de um trabalhador por conta de outrem, ou um funcionário público de nível médio, pagar, por ano, imposto sobre o rendimento igual ou até superior a boa parte dos profissionais liberais e dos empresários.

Euclides Dâmaso, director do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Coimbra, citado domingo pelo Diário de Coimbra numa prosa sugestivamente entitulada Corrupção em todo o lado


Manuel

UMA CANDIDATURA PARA O SÉCULO XXI

Verdades mais fortes que algemas…
Eu venho incomodar.
Trago palavras como bofetadas
e é inútil mandarem-me calar.
…Há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não!
In: Poesia, Manuel Alegre


No passado sábado, dia 10, num jantar do Partido Socialista em Viseu, José Sócrates afirmou que o Partido era constituído por mulheres e homens livres, que não eram manipuláveis e pensavam pelas suas próprias cabeças e que fazem o que a consciência lhe manda.

Venho aqui dar público testemunho dessa liberdade de pensamento!
Eu, Jorge Manuel Miranda Rodrigues Costa, cidadão português de 52 anos, alfacinha de gema, filho de um empregado de escritório e de uma doméstica, ambos falecidos há anos, licenciado em Medicina, assistente hospitalar de Imuno-Hemoterapia do Hospital José Maria Grande em Portalegre desde 1998.

Activo militante político-associativo desde 1969, aos 16 anos no final do Ensino Secundário. Em 6 de Julho de 1989 filiei-me no Partido Socialista, por proposta de Jorge Sampaio, tendo o nº 19.879.

Na actualidade integro o Secretariado e a Comissão Política da Federação Distrital de Portalegre do Partido Socialista, eleito no respectivo Congresso Federativo.

A minha família era oposicionista de longa data e educou-me a mim e aos meus irmãos na independência de pensamento, em nunca esquecermos as origens, na profunda consciência e solidariedade social e na prática coerente com o que pensávamos independentemente do custo dessa coerência.

Transmontanos, eram adeptos do antes quebrar que torcer!

Em dupla fidelidade, à orientação do meu secretário-geral e aos ditames da minha consciência livre, e face à actual situação sócio-política portuguesa e mundial, a minha análise leva-me a considerar ser Manuel Alegre o melhor candidato à Presidência da República, pelo que livremente subscrevi a sua candidatura e me empenho nela activamente.

Manuel Alegre pelo seu passado e pelo seu presente, dá-me todas as garantias que a ser eleito nunca esquecerá a sua promessa de contribuir activamente para com a ajuda do Povo Português levar à prática a sua palavra de ordem eleitoral:
Um Portugal de Todos: Livre, Justo e Fraterno!
Português que nos tem honrado através da escrita, incómodo porque na sua verticalidade nos confronta com nós próprios, questionando e alertando para aquilo que nos rodeia, seja a injustiça mais grave ou a solidariedade mesmo nos pequenos gestos.

Parafraseando John Kennedy, não perguntemos o que Portugal pode fazer pelos portugueses, mas pensemos o que cada um de nós pode fazer por Portugal. A minha militância nesta candidatura é a minha resposta e a continuação da minha contribuição para finalmente se conseguir a transformação de Portugal num país moderno e que em definitivo se afaste da cauda da Europa onde persistentemente e há décadas se mantêm.
Este Homem merece ser Presidente da República, pela sua independência de pensamento, verticalidade, ser incorrupto, e praticante activo de uma ética inatacável.

Saibamos merecer o Homem que nos poderá honrar a todos chegando à Presidência da República, que cada um assuma as suas responsabilidades e empenhemo-nos nessa tarefa gratificante que poderá ser o começo de um ciclo de progresso para Todos.


Jorge Costa

segunda-feira, 12 de dezembro de 2005

CONFIANÇA

O Dr. Cavaco acha altamente "anormal" que a "crise de confiança" permaneça, apesar da maioria absoluta do PS.
Não lhe ocorre que a "crise de confiança" é, em primeiro lugar, uma "crise de confiança" no regime, talvez porque ele próprio não se considera parte do regime.
Mas basta pensar na nossa feia história de 85 até hoje para perceber que seria, ao contrário, altamente anormal se um pequeno episódio político, como a última eleição parlamentar ou a próxima eleição do Presidente, conseguissem de repente apagar o efeito acumulado de um desastre de vinte anos.
O "cavaquismo" acabou, e não por acaso, no meio de uma densa hostilidade do país: tinha prometido que os portugueses "nunca mais voltariam a apertar o cinto" e, no fim, tinha "apertado o cinto" aos portugueses; tinha prometido a "modernização" de Portugal e, no fim, fora um verniz de superfície, Portugal continuava arcaico.
Depois de um optimismo quase histérico fazia uma saída de sendeiro.
Guterres foi o "pântano" desde o princípio e nunca ninguém o respeitou, porque ninguém respeita a ânsia de "agradar" se ela se mistura à indecisão e à fraqueza. Barroso não representava nada excepto a vontade de poder e ganhou mentindo. Santana era o que era. E Sócrates, um recurso do desespero, chegou onde chegou pelo silêncio, o cálculo e a dissimulação.
Como baixa e servilmente a Assembleia e os partidos permitiram isto, ficou o desprezo geral pela política e pelos políticos.
Não se confia em quem se despreza.
E há pior.
Levados velhacamente de esperança em esperança, os portugueses sentem que os burlaram.
O Serviço Nacional Saúde começou logo pela irresponsabilidade e a decadência; e vai de reforma em reforma para um caos desumano.
A educação, objecto de tanto palavrório, passa moeda falsa: promete o mundo e não dá saber ou trabalho. A justiça, na prática, não existe.
Para remediar e esconder a sua incompetência, o Estado pede dinheiro e mais dinheiro e falta a compromissos que solenemente estabeleceu. E o desemprego efectivo ou futuro, que ele não previu, não tentou evitar e não compensa, abate e humilha milhões de portugueses.
Toda a gente sabe que não está segura. Para cúmulo, a frustração e a miséria assistem dia a dia ao triunfo da impunidade.
Da negligência médica à fraude política e do negócio de favor ao roubo puro e simples, o crime entrou tranquilamente nos costumes.
Mesmo a Ditadura, no seu tempo, se recusou a ir tão longe.
Confiança?
Pensem bem.


Vasco Pulido Valente

sexta-feira, 9 de dezembro de 2005

EM PONTE DE SÔR, COMO VAI SER?

Delphi quer despedir trabalhadores

Trezentos postos em risco na fábrica de Sintra

A multinacional norte-americana Delphi quer despedir os trabalhadores da fábrica de Sintra.
Os funcionários foram esta manhã surpreendidos com a entrega pela empresa de cartas de rescisão.

Em causa estão 300 postos de trabalho. A unidade situada no Linhó, perto de Sintra, fabrica cablagens para automóveis.

Nos últimos anos, a empresa tem cortado no pessoal desta fábrica e tem transferido parte da produção para outras unidades que tem em Portugal.

Mesmo assim, os trabalhadores não esperavam esta atitude por parte da administração da Delphi.



SIC

quarta-feira, 7 de dezembro de 2005

OPINIÃO

Uma grande chatice

O projecto democrático português não existe porque nenhum dos dirigentes políticos sabia, ou sabe, o que o País deseja. Se, acaso, o País deseje alguma coisa – a não ser umas boas doses de futebol. A "consolidação" da democracia advém do conhecimento político, da prática cívica, da necessidade cultural. E, também, do confronto de ideias, da polémica, do debate. O encontro de segunda-feira, entre Cavaco e Alegre (SIC-RTP-N), ilustrou as debilidades: o atraso acentua-se num tempo acelerado, que não
"Ao contrário do que o dr. Cavaco julga, a democracia portuguesa não está ‘consolidada’. Se estivesse, ele não era eleito."

VASCO PULIDO VALENTE



O projecto democrático português não existe porque nenhum dos dirigentes políticos sabia, ou sabe, o que o País deseja.
Se, acaso, o País deseje alguma coisa – a não ser umas boas doses de futebol.
A "consolidação" da democracia advém do conhecimento político, da prática cívica, da necessidade cultural. E, também, do confronto de ideias, da polémica, do debate.
O encontro de segunda-feira, entre Cavaco e Alegre (SIC-RTP-N), ilustrou as debilidades: o atraso acentua-se num tempo acelerado, que não admite a facilidade das simples soluções.

E que soluções?
A rápida decomposição da sociedade impede eventuais processos de recomposição.
Recorro a Ortega y Gasset: Não sabemos o que se passa, e é isso, justamente, o que se passa.
Quantos projectos "democráticos" nos foram apresentados, nesta Segunda República?
As descoincidências entre os partidos existentes não têm correspondido, apenas, a antagonismos ideológicos.
Resultam de uma dispersão buliçosa, desatenta aos interesses fundamentais dos portugueses.
Num país onde um "gestor" recebe 3 600 contos de reforma, depois de exercer funções durante seis meses; e um trabalhador aufere 60 contos, após quarenta anos de labor – qualquer reflexão séria cai, por parcelar.
Mas indica que uma "democracia" assim é uma forma imaginária de sistema justo e equânime.
Para não dizer: uma aberração.

A regressão política e social a que assistimos põe em causa os valores nascidos em Abril de 74, dos quais o Dr. Cavaco não será, propriamente, sentinela vigilante.
A dispersão manifestada no "debate" com Manuel Alegre foi útil apenas porque o candidato do PSD-CDS reincidiu na incapacidade de perceber as complexidades do nosso tempo, fora dos esquemas economicistas que conduziram Portugal a um beco sem saída.
O Dr. Cavaco tocou um velho e cansativo realejo, sem fulgor e sem altanaria. Fatigou-nos com a insistência na palavra "competitividade", da cartilha meta-nacional do liberalismo. Só não vê essas debilidades quem não quiser ver. E pior do que um cego é aquele que tapa os olhos, e encobre a ponderação exigível em assunto tão grave como é o da escolha para a Presidência da República.

Admito que esperava mais do meu velho amigo Manuel Alegre.
Desgosto do discurso de regeneração, no qual se apagam as diferenças sociais.
Prefiro a contundência da linguagem explicativa, que não suprima nem atenue, por delicadeza ou excessiva cortesia, as responsabilidades de quem as tem. E Cavaco tem-nas – e de que maneira!
Recordo o que, há anos, em entrevista, me disse o admirável poeta de "Senhora das Tempestades":
"A social-democracia não passa da grande gestora do capitalismo".
Nem sequer conseguiu evitar as regressões democráticas. E a discussão presidencial também deve incluir esse item.
Devia.

O problema manifesta-se um pouco por toda a Europa, onde o "socialismo" perde o prestígio e a capacidade de atracção, por haver desistido de edificar uma política de civilização e de eliminação da selvajaria das relações humanas.
Apenas resta a retórica, que nada resolve neste período difícil e incerto, propício a todas as aventuras usurpadoras.
Logo, a Direita mais extrema radicaliza as intervenções, com o beneplácito de poderosos grupos económicos e financeiros, e a casta complacência dos que acreditam nos "potenciais de boa vontade".

Entretanto, agitamo-nos mais do que agimos e, quando agimos, fazemo-lo por impulsos.
A questão central reside em resistir, ou não, à desumanização da política, à crispação social, e à falaciosa técnico-ciência que conduz à intolerância, à violência e ao fanatismo.
Nem sequer foi abordada pelo candidato de Esquerda. E Alegre poderia tê-lo feito.
Sobram-lhe duas das razões morais pelas quais tem pautado a vida: a convicção e a responsabilidade.
A indolência do debate, cuja culpa também cabe aos "moderadores", chegou a ser exasperante.
Uma grande chatice.
Não sei quem o ganhou.
Nós, telespectadores, não fomos, de certeza.


Baptista Bastos

ÉTICA REPÚBLICANA

O ambiente envolvente da pré-campanha eleitoral para a Presidência da República faz-nos recordar o escritor neo-realista Carlos de Oliveira e o seu poema de 1968, “Livre (não há machado que corte)” e George Orwell e o seu livro de 1945, “O Triunfo dos Porcos” e simultaneamente reflectir como algumas verdades parecem ser imunes à passagem do tempo, eternizando-se.

Quando parecia que a disputa eleitoral se iria resumir ao embate entre duas figuras míticas da política portuguesa, quais fénix renascidas, apareceu a intrometer-se um espírito inquieto e desassossegado que veio baralhar as contas aos estados-maiores do establishement.

A candidatura independente de Manuel Alegre, apoiada num cada dia mais forte movimento cívico de mulheres e homens livres, tem simultaneamente causado os maiores engulhos a todos aqueles que instalados, são adeptos do não façam ondas e motivado um crescendo de mobilização e empenhamento na sociedade portuguesa que há muito não se via.

Desassombrado, habituou-nos desde sempre a ouvi-lo dizer o que pensa, muitas vezes longe do politicamente correcto. Apesar de militante partidário, comporta-se sempre como uma consciência livre com profundas preocupações éticas e de solidariedade.

Numa época em que o descrédito junto da população de alguns grupos sócio-políticos ou profissionais se torna cada vez mais evidente e comprovado por diversos estudos de opinião, alguém que não teme tomar posição, sem calculismos, mesmo contra a prática dominante só poderia ter uma grande aceitação popular.

Os seus inimigos parecem não perceber que quanto mais primários forem os ataques que lhe fazem, mais reforçam o apoio popular à sua candidatura.
Como poderá o eleitorado perceber que a sua ausência na votação do Orçamento de Estado seja entendida como um crime de lesa Pátria, quando foi o mesmo que fizeram 45 deputados (quase 20 por cento da Assembleia), entre eles António Vitorino, José Lamego e Braga da Cruz, e só ele tenha sido verberado.

Já Orwell dizia que somos todos iguais, mas há uns que são mais iguais que outros.

Como princípio básico da Ética República temos o dever do assumir das divergências e discuti-las frontalmente mas sempre baseados em argumentos verdadeiros: Assim como se explica que se utilize como argumento supremo e final para censurar a ausência da votação a este deputado a Constituição, que nada refere a este propósito.

Houve uma vantagem, ficou a saber-se que apesar das suas pretensões a Constitucionalista, Vitalino Canas nunca poderá ser candidato a Presidente da República, pois um dos deveres do cargo é a defesa da Constituição, e não se pode defender o que se desconhece ou tenta manipular.
Parafraseando o segundo Mandamento da Santa Madre Igreja, não evoques a Constituição em vão!

Se não há machado que corte a raiz ao pensamento, também não serão contrafacções manhosas e facilmente desmontáveis que poderão travar a alegre caminhada para Belém a um candidato que indo ao encontro dos anseios mais profundos do nosso Povo defende um Portugal de Todos, Livre, Justo e Fraterno, e cuja eleição será um motivo do Orgulho Nacional!



Jorge Costa

terça-feira, 6 de dezembro de 2005

TIVESTE AS AULAS TODAS?


Um dos meus filhos frequenta agora o sétimo ano. Depois de três anos de pré-escolar e de 4 de ensino básico num colégio privado, está desde o quinto numa escola pública.
Estão bem um para o outro: ela, a escola, com boa reputação no meio; ele, aplicado, bom aluno, consciente dos seus deveres, vai figurando no "quadro de honra" da casa.

Há dias, fui uma vez mais buscá-lo no final das aulas. "Tiveste as aulas todas?"
Não.
Tinha faltado uma professora, mas um colega tinha sido chamado a substituí-la.
"E o que é que fizeram nessa aula?"
Com a sinceridade de um miúdo de 12 anos, a resposta foi lapidar:
"Oh, nada. O professor chegou lá, disse que fizéssemos deveres ou então que jogássemos um jogo sem fazer barulho. Depois abriu uma revista e esteve a ler o tempo todo. É uma "seca", pai."

A breve viagem até casa continuou, a conversa foi correndo.
Todavia, o relato do episódio incomodou-me.
Não tinha gostado do que acabara de saber.
Dias depois, o assunto das "aulas de substituição" tinha conquistado relevante estatuto mediático.
Professores e sindicatos pegados com a Ministra, televisões e jornais atrás de tricas e contra-tricas.

A razão do meu incómodo em face da atitude daquele professor-substituto – percebi depois que essa é a regra nas ditas "aulas de substituição" – não se funda em preconceitos, nem contra professores, nem contra a Ministra – de quem aliás tenho a impressão de ser alguém que genuinamente está a tentar desenvolver um trabalho meritório e difícil.
Afinal, em abstracto, eu também farei parte do "sistema".

Mas, embora leccione há dezoito anos na universidade, tal nunca me impediu de voluntariamente manter o distanciamento crítico necessário para aquilatar do que vai bem, e do que vai mal. Seguramente, se eu decidisse "abrir o livro", passaria a ser tratado como um pária entre os meus colegas. Talvez menos de um por cento dos docentes do ensino superior se revisse na leitura que faço do dito "sistema".

Na verdade, o relato do meu filho equivalerá à reacção de um dos meus alunos de licenciatura, fossem estes confrontados com a mesma situação. Porque aquela história é vivo testemunho de um profundo desrespeito para com a condição de estudante. De um modo geral, o que há de pior na atitude do professorado face aos alunos é transversal a todos os níveis de ensino, do básico ao superior, passando pelo secundário. Tenho mesmo a percepção de que o desvirtuamento dos deveres de ensinar, formar e educar se agrava à medida que progredimos para níveis de ensino mais avançados.

Genuinamente, apostamos pouco, muito pouco mesmo, na educação e formação dos nossos alunos. Na universidade, a carreira docente é avaliada em função de critérios estritamente científicos. Os fundos públicos acessíveis em programas educativos são exclusivamente aplicáveis em estudos e investigação, não no aperfeiçoamento de métodos e condições pedagógicas. A capacidade pedagógica, o esforço de ensinar, a qualidade das aulas e dos materiais de apoio são relegados para recôndito lugar nas aferições de desempenho. As escolas são avaliadas segundo critérios que premeiam publicações científicas de acordo com rácios de quantidade e (aparente) qualidade. Não em função da qualidade dos estudantes que formam, da sua integração no mercado de trabalho, ou segundo o mérito e o esforço exigido aos alunos.

No que até hoje pude assistir, nunca nenhum docente foi submetido a um crivo de aptidão pedagógica antes de se iniciar na leccionação. Erros genéticos perpetuam-se, vícios de raiz propagam-se ao longo de gerações. Tanto vale ser-se capaz de transmitir conhecimentos, como revelar a mais profunda inadaptação para a missão pedagógica.

Para alguns, leccionar em modo e tom ininteligível é sinónimo de poder e sapiência. Para outros, em minoria, transmitir em linguagem simples matérias intrinsecamente complexas marca toda a diferença.

Na escola, os alunos são um fardo que se é obrigado a "aturar". Dão sempre demasiado trabalho. A carga com aulas e correcções de exames é "pesadíssima". São anunciados horários de atendimento na média da hora-e-meia por semana para 50 ou 500 alunos, mas estes não são estimulados – muito menos invectivados – a comparecer a reuniões com os seus mestres. Provas orais, que deveriam ser sempre obrigatórias, são facilmente eliminadas dos regulamentos ou substituídas por expeditas "orais escritas".

As revisões de planos curriculares, resultantes de refregas intestinas entre capelas e interesses pessoais secundaríssimos, são operadas na base de jogos de pura semântica na designação de disciplinas. Em rigor, só num número muito reduzido de escolas se promove uma articulação minimamente cuidada dos conteúdos programáticos das várias disciplinas.

Os Conselhos Pedagógicos, controlados pelos professores - nada melhor que ensinar-se desde tenra idade que convém ser-se juiz em causa própria - são palcos de lamúrias que se esbatem na impotência de um sistema que não é capaz de penalizar a prevaricação, salvo em situações extremas de bradar aos céus. Em todo o lado, os "cromos" que animam o gozo dos estudantes permanecem de geração em geração, num sistema que, se premeia o mérito, também perpetua a incompetência crassa, o desleixo e a indiferença.

Os professores marimbam-se também para os métodos de estudo dos seus alunos. "Problema deles, não sou paizinho (mãezinha) deles." O culto do distanciamento impera, ditado por um sistema cujos pilares claramente secundarizam o que deveria ser prioritário: formar capital humano altamente qualificado. Em várias experiências por que passei, a vida tem-me ensinado que é possível fazermos verdadeiros "milagres" na formação de jovens por quem, à partida, apostaríamos pouco. Parafraseando Belmiro de Azevedo, se "um mau patrão faz um mau subordinado", um mau professor fará provavelmente muitos maus profissionais.

Vai para mais de dois anos, compareci a um jantar que os meus alunos organizaram por ocasião da "Queima". Colegas presentes contavam-se pelos dedos de uma mão. Quebrado o gelo inicial, acabei com cerca de uma dúzia de jovens à minha volta, em animada cavaqueira, até às duas da manhã, o restaurante a querer fechar portas. Se bem que muitos dos lamentos daqueles jovens se devam a inexperiências que só a vida permitirá compreender, não posso deixar de concordar que eles têm uma percepção muito clara do relativo abandono a que são votados pela escola.

"Só se não puder é que não porei os meus filhos a estudar no estrangeiro." A pouco e pouco, a frase tornou-se omnipresente nas conversas privadas. Embora à luz de uma experiência muito pessoal, eu consigo percebê-la bem. Por isso, face a tudo quanto vai dito, aquele professor-substituto jamais teria lugar no sistema de educação que eu gostaria de ver em Portugal.

Ricardo Cruz

segunda-feira, 5 de dezembro de 2005

MÁFIA


Mudam-se os tempos...


Volta e meia a agenda comunicacional do jet-(in)formativo manda cá para fora umas notícias que os juízes também reconhecem.
Os visados são, naturalmente, alguns políticos de palmo e meio que se portam mal com o fisco, com a plebe, enriquecem fácil e rapidamente, intrigam no partido, frustram as expectativas de alguns poderosos ou, simplesmente, marginalizam os restantes invejosos que, dentro do mesmo partido, vigiam e querem trucidar os que já lá estão, e só aguardam uma oportunidade para os liquidar, mesmo que para isso tenham de recorrer ao boato, à denúncia, à chantagem ou até à ameaça, uma vez que a extorsão agora caiu em desuso...


•Por isso a política-partidária sempre me meteu nojo em Portugal, e, agora, mais do que nunca, tais são os cromos sabujos que preenchem os lugares de direcção e de responsabilidade nessas esferas.
Na prática, são os mais incompetentes que sobem, pois são os únicos que têm paciência para esperar anos a fio, e os únicos que também se submeteram às múltiplas humilhações que o contexto exige.
Começa-se nas associações de estudantes, segue-se para as jotas - e aí os burros perpetuam-se, e levam 7, 8 anos para concluir uma miserável licenciatura.
Depois o destino e o cunhismo instituído encarrega-se sabiamente de os remeter para o Parlamento nacional ou para a Europa, ou ainda para alguma assessoria nalgum gabinete autárquico, regional ou ministrial...
Cavaco, conhecendo toda essa lenga-lenga põe à margem toda essa tropa-fandanga que ele conhece à distância, e se aproxima dele como os parasitas das lombadas dos Búfalos no Parque Nacional da Gorongosa, para esmifrar o sangue aos quadrúpedes que pastam mansamente, antes que os leões voltem a atacar e façam outra carcaça, depois plantada na paisagem..


•Mas o ângulo que aqui avalio é, agora, outro: pois enquanto que em Portugal os crimes de colarinho branco, praticados à sombra de poderes e de funções políticas, parlamentares ou outras no domínio público - são, primeiro, ventilados na imprensa e depois (para dar hipótese ao arguido em estruturar a defesa ou até zarpar do país, se for o caso..), pouco tempo depois, esquecidas pela opinião pública; ora, na América do séc. XX a coisa seguia outro trajecto nos caminhos da máfia.

•Recordo que Al Capone, - o homem que se gabou de ser o manda-chuva da polícia, dos caminhos-de-ferro e das escolas de condução que então despontavam na República-Imperial (um título que o general Lourenço dos Santos roubou a Raymond Aron) - se confrontava com os agentes governamentais que o queriam prender por fuga ao fisco e outros crimes fiscais menores...
Sucede, porém, que a preocupação de Capone não foi com o Estado norte-americano nem com os seus agentes que o queriam prender, mas sim com três colaboradores que ele considerou serem desleais à "família" - e que poderiam conduzir ao seu derrube.


•Foi então que Capone teve a gentileza de convidar esses três colaboradores para sua casa. Pois a tradição siciliana exigia sempre hospitalidade antes da execução. E Capone ofereceu um belo jantar a esses três cavalheiros, que acharam a refeição soberba.
Logo depois, esses três colaboradores foram espancados, e mais tarde o médico legista relatou que esses corpos tinham contusões por todo o corpo, não havendo uma única parte do corpo que não tivesse um osso partido.
Tudo isto, claro, antes de serem abatidos com um tiro na nuca.

•Estes eram os métodos que Capone utilizava para com os "seus rapazes", quando entendia que eles eram desleais à causa.
Hoje, interrogo-me cheio de medo, encostando a um canto do meu quarto e com os joelhos a tremer e a roer as unhas, se estes métodos um dia singram cá - entre a nossa alta magistratura - que, de um momento para outro, e para se vingar das desconsiderações sucessivas a que o poder político a votou desde o 25 de Abril, - numa espécie de pulso forte dos juízes, reconstroem, no terreno, aqueles métodos sicilianos...
Que passariam a aplicar aquelas leis mafiosas a fim de fazer vingar a justiça.


Quantos autarcas, deputados, ministros, ex-ministros, directores-gerais, empresários e conexos teriam de emigrar.
Quantos????

•Por isso quando vejo os jornais anunciar que o político A ou o político B estão a contas com a justiça, acusados de crimes fiscais, acusados de baixa, média ou alta corrupção (activa ou passiva) - dou uma gargalhada e recordo Nicolau Maquiavel. Sempre ele a espreitar a roda do tempo.
Pois é ele que nos diz a verdade, e esta remete-nos para o seguinte:

Para um homem que, em todos os aspectos, queira desempenhar profissão de bondade, estará condenado à ruína entre tantos que são maus. Assim sendo, um príncipe que queira manter-se terá de aprender a não ser sempre bom, mas a usar a bondade conforme a necessidade


Pedro Manuel

QUEM QUISER QUE ESCOLHA


Anteontem, na RTP, Cavaco fez de repente um comentário que revela o homem.
A propósito do perigo de conflito com o primeiro-ministro, se fosse e quando fosse Presidente da República, Cavaco disse: "Duas pessoas sérias com a mesma informação (no caso ele próprio e Sócrates) têm (inevitavelmente) de concordar".
Cavaco disse isto com toda a naturalidade e convicção, como quem declara uma evidência, sem uma reserva ou a mais leve sombra de ironia.
Acha mesmo que sim: que duas pessoas só podem discordar por ignorância ou falta de carácter.
Para ele, a verdade é unívoca e, pior ainda, não custa nada estabelecer.
O fanatismo nunca falou por outras palavras e quem conserva um reflexo de independência e liberdade com certeza que as reconheceu pelo que elas são: a raiz da mais cega e absoluta intolerância.
Estranhamente, ninguém pareceu dar pela coisa: nenhum jornal, nenhum candidato, nenhum partido, nenhum político - nem sequer uma "consciência" qualquer das que por aí sobrevivem, se de facto sobrevivem, à inanidade dos tempos.
Não, ao contrário do que o dr. Cavaco julga, a democracia portuguesa não está "consolidada".
Se estivesse, ele não era eleito.

Claro que as circunstâncias não permitem que o dr. Cavaco se torne num pequeno ditador.
Mas talvez convenha perceber o indivíduo que dentro de semanas vai chegar a Belém.
O velho desprezo pela política (de novo flagrante nesta campanha), sempre rejeitada como pura intriga ou jogo de interesses sem legitimidade ou desculpa, não passa de uma condenação sumária da gente pouco séria (ou incapaz), que desvia ou "bloqueia" Portugal.
Para o dr. Cavaco, há um "bem da nação" indiscutível e uma única maneira de governar: a maneira honesta e sabedora que ele aconselha e representa.
A divergência é, em última análise, anti-nacional.
Se os portugueses no seu conjunto tivessem a sua informação e seriedade, viveriam numa perfeita harmonia, em vez de se deixarem levar para aventuras sem futuro, de se perderem em querelas de facção ou ganância e de serviram inconscientemente fins perversos.
De Belém, Cavaco tenciona velar para que isso não volte a suceder.
Afinal, se o primeiro-ministro não fizer o que ele manda, confirma automaticamente que é mal-intencionado ou que não estudou o que devia. E nós também, cautela.
Se não o aprovarmos, quem somos?
Malandros de nascença?
Uma cambada de patetas?
Quem quiser que escolha.

Vasco Pulido Valente