quarta-feira, 21 de dezembro de 2005

O QUADRADO DA DEMOCRACIA

Há vários políticos. Há o executivo, o “idealizador”, o persuasor… E há outros que se debatem de espírito aberto por causas profundamente éticas e de bem-estar social. Não será uma tipologia criteriosa, mas deíctica da característica que mais se sobressai nos perfis de cada candidato à Presidência da República.
O executivo é o homem da acção, da planificação e da orientação racional e estratégica. É Cavaco.
O “idealizador” é o de maior apetência política. É o homem capaz de focar a conjectura e discernir acerca da realidade através de preposições do que seria o ideal, o mais apropriado em termos abstractos, mas susceptível de acatamento. É Soares.
Persuasores todos terão que ser. Mas há outros que fazem dessa qualidade a de maior propensão, para na verdade conseguirem transmitir a imagem de coerência a partir de deduções falaciosas num emaranhado de retórica demagoga. São aqueles onde a ideologia não é exequível. São Louçã e Jerónimo (embora caiba a este último a peculiaridade da sua ideologia partidária.)

Alegre é diferente.
Tal como advoga, pretende que a sua candidatura seja dotada de uma “transversalidade” pela sociedade civil. Pois é a esta que se dirige (bem diferente da sociedade política – que engloba comentadores, jornalistas e “opinion makers”.) Alegre desconhece a “real politik”.
Desconhece, ao contrário de Soares ou Cavaco, o jogo interesseiro e de influências que polui a eticidade (e nobreza, como diria Soares) da causa política. Alegre é apologista da construção da sociedade socialista que emanou do espírito de I Republica (e que se foi esvanecendo...).
Tal como Antero de Quental, vê na poesia a faceta de “voz da revolução.”
Foi deste filósofo que brotou a essência da primeira esquerda portuguesa.
Uma esquerda da liberdade, da aceitação, da fraternidade e da solidariedade.


Está omissa no espaço dúctil da interpretação constitucional, a acepção de um Presidente da República como um super “primeiro-ministro”.
Ao Presidente pede-se a capacidade de ocultar e analisar a vontade comum.
Alguém capaz de apontar directrizes para a edificação de uma cidadania participativa, de uma sociedade justa e igualitária.
Pede-se-lhe que zele pelo bom funcionamento da democracia.


Alegre é deputado desde que há democracia.
Nunca partiu para a obscuridade da (necessária, embora) negociata política.
Sempre foi alguém que, imbuído dessa querença maior do “bom e do justo”, ostentou deliberadamente a vontade de contribuir para a causa pública.
A contribuição de Alegre nunca se esgotou (ou não se gerou somente) na sua história participativa na Assembleia da Republica, mas extrapolou-se para o domínio da imperatividade da sua consciência de intervenção fora dela, na mais íntima e genuína afirmação pessoal: a poesia.


Alegre é político por benevolência de carácter. E por um tenaz pulsar patriota.
O seu quadrado não é de solidão no sentido da ausência de compreensão humana. É-o num sentido de vacuidade de alicerce político-partidário.
Nunca político-ideológico.
Muito menos de creditação social.


Termino com palavras da maior (na minha opinião, é claro) escritora e intelectual portuguesa da actualidade, Inês Pedrosa: Independentemente dos resultados finais – que dependem só da vontade e da cabeça de cada um dos portugueses, por muito que alguns insistam em querer pastoreá-los paternalisticamente – a candidatura de Manuel Alegre é já vitoriosa, porque veio despertar em milhares de pessoas o gosto pela intervenção cívica, criando uma atmosfera de energia e criatividade num país que parecia moribundo, à força de lhe repetirem que não tinha salvação.



RC

14 Comments:

At 21 de dezembro de 2005 às 12:26, Anonymous Anónimo said...

Infelizmente a candidatura n dve valer pra grand coisa...

 
At 21 de dezembro de 2005 às 17:05, Anonymous Anónimo said...

Vale nesse sentido ideal q os seus apoiantes lhe dão, mas sinceramente acho-a demasiado poetica
O cavaco é o rei!!!

 
At 21 de dezembro de 2005 às 17:41, Anonymous Anónimo said...

Alegre já garante vitória sobre Soares

Candidato teve casa cheia na Trindade mas evitou encontro com pessoas no Chiado


Na segunda volta, Alegre considera "possível" o triunfo sobre Cavaco. "Quero ir para Belém por todos vós"
Em nome da igualdade, quase 200 apoiantes de Manuel Alegre almoçaram ontem num tradicional reduto das campanhas do PS em Lisboa a cervejaria Trindade, onde o candidato foi acolhido à moda americana. "O futuro Presidente da República de Portugal", anunciou a porta-voz de Alegre, Inês Pedrosa, enquanto a sala aplaudia. O socialista que descolou do partido nestas presidenciais recebeu prolongadas ovações, sublinhadas por uma profusão de bandeirinhas nacionais, momentos antes distribuídas de mesa em mesa. Junto de cada prato, um envelope à espera de euros: a caça ao donativo acompanha a caça ao voto.

Antes de se comer o bife, escutaram-se os discursos da porta-voz e do candidato. Inês Pedrosa contestou uma recente iniciativa promovida por Cavaco Silva, pondo-a em contraste com o repasto na Trindade. "Enquanto outros fazem jantares para mulheres, nós fazemos almoços da igualdade entre mulheres e homens. Somos contra os guetos. O País só será mais justo quando homens e mulheres estiverem em paridade", declarou a autora de Fazes-me Falta. E logo regressaram os gritos de incentivo ao candidato, que mais tarde reconheceria aos jornalistas não ser "propriamente um exemplo" na partilha das tarefas domésticas...

ironia para jerónimo. Alegre iniciou a sua intervenção com uma farpa simultânea a Cavaco e Jerónimo de Sousa - com o comunista a ser visado em tom irónico "Ca-vaco Silva omitiu o tema [da igualdade], esquecendo-se das mulheres, embora seja um bom chefe de família, como reconheceu Jerónimo de Sousa."

Repetindo ideias-chave da sua campanha, o candidato prometeu "garantir a saúde democrática" e o "povoamento harmonioso" do País. Ameaçou dar luta a "todos os poderes fácticos que queiram impor-se ao legítimo poder democrático". Garantiu que não aceitará "compromissos" em questões como a pobreza ou o desemprego. E reiterou que procurará "dignificar" a instituição militar "Comigo as Forças Armadas não participarão em nenhuma acção contra o direito internacional." Renascia o velho Alegre cheio de entoações esquerdistas - aquele que melhor consegue aquecer plateias. E a assistência correspondeu, aplaudindo-o ainda com mais vigor.

Embalado na sua própria oratória, Alegre prometeu tudo aos apoiantes primeiro bater Soares, depois derrotar Cavaco. "Não vamos desperdiçar esta oportunidade. Vamos fazer desta candidatura uma movimentação imparável contra o conformismo, contra o cinzentismo, contra a resignação. A vitória é possível, não só na primeira como na segunda volta. Está nas vossas mãos. Quero ir para Belém por todos vós. Quero ir para Belém com todos vós."

Helena Roseta falou também, garantindo que "depois desta candidatura nada ficará na mesma". Rui Zink leu um poema escrito por Alegre para homenagear Sophia de Mello Breyner. O histórico socialista Edmundo Pedro, o cineasta Cunha Teles, os escritores Clara Pinto Correia e Clara Rocha, o professor universitário José Rebelo e o ex-comissário socialista para as minorias étnicas José Leitão também compareceram. A filha de Alegre distribuía livros do pai - outro expediente para granjear fundos.

Findo o almoço, seguiu-se um breve trajecto a pé, Rua da Misericórdia abaixo. A comitiva era exígua mas animada. "Viva a liberdade / Vota Alegre com vontade", bradavam alguns. Um homem abriu o vidro do táxi onde seguia e gritou "Força!" Ouviram-se outras frases de incentivo. Uma mulher quis ser fotografada com o candidato. A marcha, no entanto, durou pouco: atingido o Chiado, onde se divisava enfim uma pequena multidão de transeuntes, Alegre deu meia volta e meteu-se no carro. Tudo acabou cedo de mais, para decepção de vários apoiantes.

DN - 21.12.05

 
At 21 de dezembro de 2005 às 20:46, Blogger J said...

Realmente, se Alegre fosse menos poeta, parece-me que era melhor!

 
At 22 de dezembro de 2005 às 09:07, Anonymous Anónimo said...

"Moderador e árbitro"?



Na segunda à noite caiu a máscara do "moderador e árbitro". Soares portou-se como um candidato radical, incontinente e, em muitos momentos, malcriado e raramente, ou quase nunca, como um ex-chefe de Estado e aspirante credível ao cargo. Apesar da "pose" arrogante e do olhar de permanente comiseração intelectual perante "o camponês de Boliqueime", Soares deu ao país um triste espectáculo acerca daquilo que verdadeiramente o move. Estava tão embrenhado nessa acrobacia puramente agressiva que, no minuto final, onde podia "brilhar", se perdeu ao ponto de acabar ao nível de um cartão de Boas Festas com duas pernas e dois braços. Devemos - todos devemos - a Mário Soares o combate pela liberdade, antes e depois do 25 de Abril. A sua eleição em 1986, deveu-se essencialmente a essa memória e à noção de que era, naquela altura, o homem da "moderação" e do equilíbrio numa sociedade ainda não completamente "bem resolvida" em matéria de densidade democrática e a iniciar a sua caminhada europeia. Soares fez, como também nos lembramos, dois mandatos perfeitamente distintos. No primeiro, tratou de "segurar" a reeleição e, para o efeito, de "segurar" os governos de Cavaco. No segundo, reconhecendo a impotência do seu partido para fazer frente exclusiva ao então primeiro-ministro maioritário, "conspirou" metodicamente em Belém para o remover. Até nisso não foi bem sucedido, já que Cavaco se removeu por si mesmo. No cômputo, Soares foi um bom presidente e honrou e magistratura, uma vez que as peripécias de pequena e baixa política que urdiu a partir de Belém, não contam na avaliação do "homem médio". Esta última aventura teria sido perfeitamente desnecessária não fosse a imensa vaidade do homem e a posição timorata do PS em relação às presidenciais onde teve, à vontade, uma boa meia dúzia de escolhas. Soares imaginou, a partir do Vau, que uma "onda" o esperava e que o país, comovido, ansiava pelo seu majestático regresso. Nem uma coisa nem a outra se verificaram. O eleitorado dito "moderado", que o salvou há 20 anos, ficou perfeitamente esclarecido com o debate contra Cavaco. Se já andava desconfiado, ontem fugiu-lhe de vez. Penso não andar longe da verdade ao dizer que Mário Soares entregou ontem à noite a vitória, de mão beijada e numa única "volta", a Cavaco Silva. Ninguém de boa-fé e no seu prefeito juízo reconheceu no Soares de ontem uma mísera sombra do "moderador e árbitro" que ele se imagina. Por mera caridade cristã, alguém amigo dele faça o favor de lho explicar.

 
At 22 de dezembro de 2005 às 09:09, Anonymous Anónimo said...

A LEGITIMIDADE PRESIDENCIAL
Apesar da minha ignorância em matéria de direito constitucional parece-me evidente que há uma grande legitimidade política de um Governo e a do Presidente da República; o governo emana da Assembleia da República onde estão representados todos os portugueses, enquanto o PR pode ser eleito por 50% dos votantes mais um. A ideia de que o Presidente tem uma legitimidade superior à de um governo é uma distorção das regras da democracia parlamentar, o Governo tem a legitimidade do Parlamento para governar, o Presidente tem a legitimidade política para velar pelo regular funcionamento das instituições democráticas.

Se um presidente que detém poderes nas escolhas dos Tribunais ou do Procurador-geral da República também pudesse assumir a condução do governo, mesmo que sob a forma de presidente paternalista, democracia seria uma ficção, teríamos uma ditadura teórica, que facilmente resvalaria num modelo autoritário, mesmo que supostamente suportado pelo voto popular.

Por isso quando Cavaco Silva apresenta um programa que se confunde em muitos domínios com o de um governo esta a criar uma situação de crise. Se for eleito poderá dizer que os portugueses não escolheram a pessoa, mas sim as suas propostas. E como a direita parlamentar apoiaria as suas ambições poderia compara a legitimidade da sua eleição com os votos do partido do governo. Isto é, basta a direita parlamentar eliminar o conceito de parlamento, considerando-o um bolo divididos em fatias parlamentares, para que o parlamento não existisse, e o único poder legítimo seria o Presidente da República.

Quando Cavaco se apresenta com um programa para ajudar o governo está a desrespeitar o actual modelo democrático, e ao ir a eleições nessas condições está a submeter a sua proposta de subversão do regime democrático a sufrágio eleitoral. Será que a direita, que se mantém em silêncio para tentar enganar os eleitores, aceitaria tal situação se a situação fosse a inversa?

Já é tempo de a direita portuguesa se afirmar ideologicamente e se deixar de sidonismos, mostrando que se adaptou à democracia que lhe foi imposta pelo 25 de Abril.

 
At 22 de dezembro de 2005 às 10:15, Anonymous Anónimo said...

A "Trova do Vento que Passa" até é um bom poema, mas, nem sequer podemos considerar Alegre um poeta nacional. Apostar nele é pois apostar na derrota. Quem quiser que o faça, eu não. E, cavaco é não só provinciano: seria um novo Salazar se o deixássemos! Resta pois Mário Soares, que faz muito bem em denunciar "Scavaco" e os cavaquistas... Até para Alegre poder continuar a fazer versos livremente!

JoaquimMarquesMachoqueira

 
At 22 de dezembro de 2005 às 13:52, Anonymous Anónimo said...

Os problemas de Portugal não se resolvem num debate.

Mas ouvir os dois principais candidatos à presidência da República ajuda a posicionar o país.

Pode dizer-se: o essencial para resgatar Portugal à crise é um Governo forte e boa conjuntura internacional, e isso tem pouco que ver com o presidente da República. Mas na política as coisas não são assim, óbvias. Na política, o exercício do óbvio é mesmo uma impossibilidade.

E assim sendo, conta muito neste esforço (de resgatar Portugal à crise) a pessoa que ocupará o Palácio de Belém. E a razão é simples: ela pode ser dinamizadora das reformas ou, pelo contrário, travão à modernização do país.

E era isso mesmo que se esperava ouvir ontem no debate entre Cavaco e Soares – qual dos dois será o melhor guardião do Governo nesta luta contra os baixos níveis de produtividade, a falta de competitividade nacional e a necessidade de reforma do Estado.

Mas não foi isso que se discutiu. Ou melhor, discutiu-se, mas contornando a questão. E Portugal não está em momento de passar ao lado dos problemas.

Ou seja: era preciso que Cavaco tivesse respondido às inteligentes provocações de Soares afirmando, vezes sem conta, (e sem rodeios) que deseja Belém porque faz falta – ali mesmo, em Belém – um homem para exigir rigor ao Governo. Mas não o disse assim, de forma clara.

Insistiu em generalidades defensivas, mas generalidades não chegam. Escudou-se nas sondagens que lhe dão a vitória, mas Portugal já não tem tempo de jogar à defesa. Precisa de jogar ao ataque, e o presidente tem de ser o ponta-de-lança desta estratégia.

Porque a verdade é que ninguém duvida das capacidades de qualquer um deles para estar em Belém. A dúvida é outra: consiste em saber qual dos dois será mais exigente com o Governo. E Cavaco devia ter dito: serei eu.

Os apoiantes de Cavaco Silva, durante o jantar-debate organizado pelo Diário Económico, disseram que Cavaco será esse homem de exigência.

Os adeptos de Mário Soares, claro, contra-atacaram nesse mesmo jantar: afirmaram que esse homem é Soares, explicando que só ele saberá impor reformas evitando lutas políticas.

Mas isso era o queríamos ter ouvido os candidatos discutir, e não os seus apoiantes.

E isso, esse silêncio dos candidatos sobre o essencial, deixou muita gente na situação em que estava antes do debate: na dúvida. E na dúvida, dizem as sondagens, a maioria prefere Cavaco.

É pena. Não que prefiram Cavaco, mas que o escolham na dúvida. O país precisa de ajuda. Precisa de exigência. E era bom que essa palavra, ontem, tivesse sido repetida vezes sem conta.

Pelo menos por um dos candidatos.

 
At 22 de dezembro de 2005 às 13:54, Anonymous Anónimo said...

Não basta uma força de desbloqueio na presidência. É preciso uma força de desbloqueio na sociedade civil.

Já pensaram no que Kennedy teria dito se fosse português e vivesse aqui no fim do ano de 2005? Não é difícil de adivinhar. Seria qualquer coisa como: não perguntes o que o teu país pode fazer por ti, pergunta antes o que o prof. Cavaco pode fazer pelo teu país. E isto é verdade, não apenas para os amigos, mas também para os adversários do prof. Cavaco.

Os actuais adversários de esquerda do prof. Cavaco são os seus principais promotores. Há um ano, exaltaram-no à esquerda. Foi quando um solene dr. Soares anunciou ao país que o prof. Cavaco não era, afinal, um “homem da direita”. Tratava-se então de usar o prof. Cavaco não só contra o dr. Santana, mas sobretudo contra o eng. Guterres, símbolo de uma esquerda de que os actuais candidatos de esquerda nunca gostaram. Entretanto, o dr. Santana desapareceu, e o eng. Guterres não apareceu. É preciso agora dizer mal do prof. Cavaco. Como? Promovendo-o ... à direita. Inventaram então um papão neo-liberal que andava, em segredo, a deixar crescer as patilhas e pedia aos amigos que lhe chamassem general. Curiosamente, entusiasmaram mais gente do que aquela que conseguiram assustar.

O prof. Cavaco é que não se entusiasmou. Com um entendimento correcto dos poderes presidenciais, já declarou que não tenciona, sozinho, remover nada do que bloqueia a criação de riqueza em Portugal. Com ele, até o código laboral será respeitado. É isto motivo para ficar desconsolado, e exibir indiferença? Não é. Porque não compete a um presidente da república mudar o país. O seu dever é fazer respeitar a lei que existe, não é fazer leis novas. Quando muito, pode ajudar a criar o ambiente para que surja uma maioria a favor de outras leis. Esta possibilidade enganou alguns dos amigos do prof. Cavaco. Parecem convencidos de que tendo o prof. Cavaco na presidência, ficarão dispensados de fazer política. Com uns sermões televisivos e umas conversas com o primeiro-ministro, esperam que o presidente crie os consensos para que meia dúzia de técnicos possam reformar o país sem controvérsias.

É a maior das ingenuidades. Vivemos numa democracia de partidos, onde nem toda a gente pensa da mesma maneira. As “reformas” em que alguns confiam para salvar o país são uma opção política. Nunca farão sentido enquanto não forem assumidas como tal, e protagonizadas por um partido capaz de contrabalançar a pressão daqueles que, por ideologia, medo ou interesse, se hão-de opor sempre a quaisquer mudanças. O bloqueio não será fácil de romper. Estamos constrangidos pela falência do Estado, pelo envelhecimento da população, e pela integração numa União Europeia manipulada para proteger arcaísmos e ineficiências. Não basta uma força de desbloqueio na presidência. É preciso uma força de desbloqueio na sociedade civil. Sem esta, podem até eleger Milton Friedman presidente da república. Não fará diferença nenhuma.

É verdade que o prof. Cavaco deseja interpretar a sua eleição como o sinal de uma vontade de mudança. Mas a eleição presidencial é uma escolha entre pessoas mais do que entre projectos. O prof. Cavaco corre o risco de ser eleito simplesmente porque é o único candidato credível. Do ponto de vista do reformismo, o que falta neste momento é um movimento político capaz de constituir uma maioria a favor das reformas. Isso sim, seria um sinal de mudança. Mas não cabe a um presidente da república, no actual regime, liderar um movimento desse tipo. A questão, portanto, não é o que prof. Cavaco vai fazer na presidência. A questão é o que nós vamos fazer quando o prof. Cavaco for presidente

 
At 22 de dezembro de 2005 às 14:24, Anonymous Anónimo said...

Cavaco tinha o pássaro na mão, bastava não o deixar fugir - agarrou-o com estoicismo e ganhou o debate. Soares, que vivia uma oportunidade única, precisava de levar o adversário ao tapete - exagerou na dose e perdeu o combate.
A síntese exige, contudo, uma prévia contextualização: Soares tinha à sua frente alguém a quem finalmente queria dizer, cara a cara e em público, tudo o que dele pensa desde que foi forçado a uma incomodativa coabitação política. Estava criado o caldo ideal para a vingança do «velho leão». Foi o que aconteceu. Só que o caldo social que o país vive é favorável à imagem que Cavaco soube construir com argúcia e paciência: o país está disponível para alguém que corporize uma mensagem de esperança capaz de inverter a crise em que mergulhou. Cavaco é isso mesmo, por muito que uma argumentação política contrária introduza elementos perturbadores. E em momento algum do confronto o homem que se predispôs ao exame do seu passado e à avaliação da sua proposta perdeu a cabeça. Mesmo quando o examinador perdeu a elegância. Conclusão da história: estamos a um mês da vitória de Cavaco; e da consumação do «erro brutal» com que Soares quis encerrar o seu combate político.

 
At 22 de dezembro de 2005 às 14:25, Anonymous Anónimo said...

A novidade destas eleições presidenciais é o facto de Mário Soares imitar na perfeição Francisco Louçã – não o de 2006, moderado e que até pondera usar gravata, mas aquele que repudiava o sistema e sobrevivia nas suas margens.
Pois bem, o ex-Presidente da República foi, no debate com Cavaco Silva, mais longe do que Louçã, Jerónimo e Alegre juntos alguma vez sonharam ir. Passou um atestado de ignorância a Cavaco Silva, tentou desqualificá-lo profissionalmente, insinuou comentários pouco abonatórios de terceiros sobre o ex--primeiro-ministro. Fê-lo com uma voracidade que soou, tal como muitas das suas intervenções de pré-campanha, a um ajuste de contas antigas. Há quem confunda, talvez por respeito ao que Mário Soares foi, esta acidez trauliteira com a crítica legítima ou com uma manifestação inequívoca da vitalidade do candidato. Mas Soares não precisa, nunca precisou, de exercícios de compaixão. O eleitorado julgará e cobrará a contradição a Mário Soares: para que se usam golpes baixos quando o adversário é, afinal, tão frágil e desqualificado?

 
At 22 de dezembro de 2005 às 14:35, Anonymous Anónimo said...

Contra Cavaco, Soares chegou à mesa do jogo eleitoral e investiu tudo no mesmo número.
O «jackpot» seria irritar o adversário.
Só que este comportou-se como um «croupier» sensato. Geriu o jogo.
Mesmo quando Soares caiu na tentação de contar pretensos segredos das prestações de Cavaco na Europa comunitária.
Compreende-se o dilema de Soares: precisava de mostrar que é o grande rival de Cavaco e, ao mesmo tempo, necessitava de conquistar algum do centro político que decide as eleições.
Afinal as sondagens, mesmo quando podem estar erradas, influenciam o comportamento dos políticos, dos militantes e dos eleitores.
À esquerda Soares poderá ter ganho votos, mas o centro está demasiado atento ao número mágico de Cavaco: fazer rodar números sem os deixar cair no chão.
Em tempos de crise, é o Houdini dos números que vence o Copperfield das palavras.
Economia é a palavra que abre a porta dos segredos desta campanha. E, contra isso, Soares pode disparar todos os tiros na linha de água do porta-aviões que é Cavaco.
Não é a idade que separa Cavaco de Soares.
São as dúvidas dos portugueses sobre o seu futuro quando vão para o local de trabalho ou à mercearia.
Cavaco, mesmo que não o diga, promete ordem económica. E hoje é isso que conta na política.

 
At 22 de dezembro de 2005 às 16:51, Anonymous Anónimo said...

O encontro Soares-Cavaco foi um duelo sem vencedor nem vencido. É certo que foi um confronto político vivo e animado, como já há muito não estávamos habituados em televisão, especialmente pelo estilo assumidamente provocatório de Soares. Mas Cavaco protegeu-se razoavelmente bem. E se na primeira parte do debate ainda chegou a denunciar nas palavras e na expressão contrita alguma surpresa e hesitação face à contundência de Soares, depois do intervalo Cavaco apareceu recomposto e com estratégia renovada, resistindo estoicamente às provocações de Soares.

Cabia a Soares a iniciativa no debate. Tentar diminuir o opositor aos olhos do eleitorado que as sondagens têm dado sucessiva e maioritariamente à beira da vitória absoluta à primeira volta. Aparentemente a estratégia falhou, e o tempo curto do debate não deu para Soares alterar o estilo e o modo.

Cavaco revelou a serenidade aparente de quem levava a lição estudada. Resistiu não tanto pelo que disse, mas mais pela contenção nas respostas. O ar satisfeito e aliviado com que respondeu aos repórteres que o questionaram à saída do estúdio não podia ser mais revelador. Já o tom de Soares era denunciador da oportunidade perdida.

Encarado de um ponto de vista estritamente pragmático e para lá das óbvias diferenças de estilo, este debate não acrescentou politicamente nada. O último dos dez debates acordados entre as cinco candidaturas e as televisões foi, assim, uma desilusão face às expectativas previamente criadas. Um encontro irrepetível, muito embora Soares insista agora em pedir mais debates. E é pena que até 22 de Janeiro se fique por aqui.

 
At 27 de dezembro de 2005 às 10:18, Anonymous Anónimo said...

Para que a democracia portuguesa fosse perfeita não bastava uma constituição, um modelo político e as instituições a funcionar, era necessário um padrão de comportamento, algo como o estilo vitoriano.

O senhor Silva, que quando era primeiro-ministro fez uma das mais brilhantes demonstrações sobre a arte de bem comer bolo-rei, tenta agora definir-nos padrões de comportamento. Aliás, essa limpeza da vida política portuguesa começou quando derrubou Santana Lopes (e agora não tem a coragem de o assumir) com a história da má moeda, mas o facto é que ao definir um político do seu próprio partido que exercia o cargo de primeiro-ministro como má-moeda Cavaco Silva chamou a si o poder de decisão sobre o modelo de políticos aceitável, independentemente da sua legitimidade política ou partidária. Daquela vez destruiu o homem que foi buscar para a secretaria de Estado da Cultura (onde lhe atribuiu como principal função a distribuição de subsídios para arregimentar apoios no meio cultural, algo que sempre lhe tinha provocados problemas ortopédicos no cotovelo quando pensava em Soares), não é difícil de imaginar quem é o próximo candidato à triste classificação monetária.

Com os debates televisivos impôs um modelo em que os candidatos devem falar à vez para as câmaras, sem qualquer troca de ideias, aliás, qualquer referência ao adversário é entendida como agressividade e falta de educação, o único contacto entre adversários é o cumprimento inicial, e, como sucedeu no debate com Louçã, até é preferível nem olhar para o outro (Cavaco não olha para o que acha ser má moeda). Neste ponto teve uma ajuda inesperada de Alegre, que viu nesta fórmula a melhor forma de disfarçar uma derrota em debates televisivos.

No jantar das mulheres estabeleceu um papel para a futura "primeira-dama", cuidar dos netos. Enquanto Cavaco se dirigia a Leonor Beleza, Manuela Ferreira Leite e respectivas amigas, a Dona Maria teve que cuidar dos netos, a filha, o genro e a outra avó estavam ocupada e a boa moeda familiar não confia em mais ninguém. Não é difícil de imaginar que no futuro veremos Cavaco em funções oficiais acompanhado de uma Dona Maria transportando o saco das agulhas e malhas com que se vai entretendo a fazer camisolas para os netos. Não é a primeira vez que este país tem a sua dona Maria, só que esta anda ocupada com os netos.

Depois do mundo se ter deixado de modelos vitorianos, eis que o Senhor Silva vai implantar um modelo de comportamento luso, o modelo do Senhor Silva. E se isso é quase anedótico, é também muito grave pois as "normas" desse modelo não têm qualquer racionalidade, servem apenas para encobrir as suas próprias inaptidões e complexos de Cavaco Silva. Santana Lopes foi má moeda porque prejudicava a sua ambição, os debates eram agressivos porque Cavaco sempre foi incapaz de debater as suas ideias, e a Dona Maria sempre ficou em casa e só Cavaco sabe porquê, aliás, para além de não gostar do Carnaval pouco mais sabemos da senhora.

 

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