sexta-feira, 14 de junho de 2013

VELHOS COMBATENTES?

Não me parece que as comemorações do 10 de Junho possuam algum significado emocional e popular. 
No fascismo era o Dia da Raça.


As figuras do regime apresentavam-se, festivas e graves, num palanque montado a sul do Terreiro do Paço, desfilava a tropa, e os próceres colocavam piedosas medalhas no peito ou nas lapelas dos casacos das mães, dos pais, das mulheres ou das noivas cujos filhos, maridos ou noivos tinham morrido nas frentes da Guerra Colonial.

Era uma cena pungente assistir às reportagens que a RTP (ainda não havia outra) transmitia. 
Os familiares dos mortos, vestidos com os fatos domingueiros, a amargura nos rostos, amarfanhados, ausentes e funestos eram condecorados por Salazar, depois por Caetano, Tomás e elevadas patentes da tropa; soavam a Portuguesa e toques de clarim tristes; depois, iam todos para casa.

A democracia trouxe outras normas. 
Escrevi, para o "Diário Popular", a crónica de alguns desses acontecimentos. 
O mais importante deles, o de 1977, na Guarda, era Eanes Presidente da República, fez-nos amigos, e de mim para ele um admirador sem condições. 
Na ocasião, Jorge de Sena, o grande Jorge de Sena, proferiu um discurso memorável e empolgante.

Eu viajara para a cidade alta com o meu camarada José Antunes, repórter-fotográfico dos maiores deste País, e com Rocha Pato, grande jornalista, correspondente do "Popular" em Coimbra. 
A homenagem à diáspora portuguesa foi um momento alto da grande festa. 
Vale a pena, ainda hoje, ler o reler o texto que Jorge de Sena escreveu e leu com uma emoção e uma veemência inigualáveis.

As coisas, nessa altura, possuíam um cunho de genuinidade e de grandeza que se perdeu para sempre. Hoje, o 10 de Junho é uma comemoração pífia, com gente pífia, medíocre e insalubre. 
Nesse período, telefonava, à tarde, para casa a fim de saber da Isaura e dos miúdos. 
Ela disse-me: "O teu pai foi internado. 
Está mal. 
Mas disse para fazeres o teu trabalho." 
Quando acabei o meu trabalho, regressei a Lisboa: o meu Velho morreria nesse dia. 
"Ele estava à tua espera", disse a Isaura.
E estava.

O 10 de Junho, em 1977, na Guarda, é um episódio que me fez redescobrir a mim próprio sem mal-entendidos; a perceber a natureza grata de muitas coisas e a respeitar as características de uma profissão que permanentemente refaz o processo das nossas emoções mais fundas. E, aqui, o agora Velho Bastos recorda o outro Velho Bastos, também ele construtor de jornais.

O 10 de Junho de hoje é mais fútil, desprovido de qualquer sentido de elevação e de nobreza. 


Camões merecia muitíssimo mais do que este desfile tosco e tolo, esta parada de vaidades de uma gente que nada tem a ver com ele - e nem sequer o lê, como provadamente o atestou o triste e fatal dr. Cavaco.

Devo dizer aos meus Dilectos que apreciei imenso assistir à marcha dos velhos combatentes das Guerras Coloniais, com suas boinas das companhias a que pertenceram e suas condecorações orgulhosas e merecidas. 
Estes homens têm sido miseravelmente esquecidos, e atirados para o limbo das realidades a ignorar. 
A Direita utiliza-os com sórdida velhacaria. Recordo as declarações patrioteiras de Paulo Portas, agora afectado por outros chamamentos. 
Enquanto a Direita faz o que faz, e é péssimo, mal menor não será o desdém e a desatenção da Esquerda por estes homens que os acasos da História transformaram em heróis do desespero. 
O desfilar daqueles homens comoveu-me e acordou-me para as responsabilidades de todos aqueles que, como eu, vivem em voz alta, e têm negligenciado os aspectos mais relevantes da nossa História. 
Uma história que, feitas as contas, pertence a todos nós, sem omissões ou exclusões. 
Que vivam eles para honra da nossa memória colectiva.

B.B.

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