quinta-feira, 15 de novembro de 2007

CARTA AO MINISTRO DAS FINANÇAS

Ex.mo Senhor Ministro das Finanças

Victor Lopes da Gama Cerqueira, cidadão eleitor e contribuinte deste País, com o número de B.I. 8*********, do Arquivo de identificação de Lisboa, contribuinte n.º15******* vem por este meio junto de V. Ex.ª para lhe fazer uma proposta:

A minha Esposa, Maria Amélia Pereira Gonçalves Sampaio Cerqueira, foi vítima de CANCRO DE MAMA em 2004, foi operada em 6 Janeiro com a extracção radical da mesma.

Por esta "coisinha" sem qualquer importância foi-lhe atribuída uma incapacidade de 80%, imagine, que deu origem a que a minha Esposa tenha usufruído de alguns benefícios fiscais.

Assim, e tendo em conta as suas orientações, nomeadamente para a CGA, que confirmam que para si o CANCRO é uma questão de só menos importância.

Considerando ainda, o facto de V. Ex.ª, coerentemente, querer que para o ano seja retirado os benefícios fiscais, a qualquer um que ganhe um pouco mais do que o salário mínimo, venho propor a V. Ex.ª o seguinte:

a) a devolução do CANCRO de MAMA da minha Mulher a V. Ex.ª que, com os meus cumprimentos, o dará à sua Esposa ou Filha.
b) Concomitantemente com esta oferta gostaria que aceitasse para a sua Esposa ou Filha ainda:
c) os seis (6) tratamentos de quimioterapia.
d) os vinte e oito (28) tratamentos de radioterapia.
e) a angustia e a ansiedade que nós sofremos antes, durante e depois.
f) os exames semestrais (que desperdício Senhor Ministro, terá que orientar o seu colega da saúde para acabar com este escândalo).
g) a ansiedade com que são acompanhados estes exames.
h) a angústia em que vivemos permanentemente.

Em troca de V. Ex.ª ficar para si e para os seus com a doença da minha Esposa e os nossos sofrimentos eu DEVOLVEREI todos os benefícios fiscais de que a minha Esposa terá beneficiado, pedindo um empréstimo para o fazer.

Penso sinceramente que é uma proposta justa e com a qual, estou certo, a sua Esposa ou filha também estarão de acordo.

Grato pela atenção que possa dar a esta proposta, informo V. Ex.ª que darei conhecimento da mesma a Sua Ex.ª o Presidente da República, agradecendo fervorosamente o apoio que tem dispensado ao seu Governo e a medidas como esta e também o aumento de impostos aos reformados e outras...

Reservo-me ainda o direito (será que tenho direitos?) de divulgar esta carta como muito bem entender.

Como V. Ex.ª não acreditará em Deus (por se considerar como tal...) e por isso dorme em paz, abraçando e beijando os seus, só lhe posso desejar que Deus lhe perdoe, porque eu não posso (jamais) perdoar-lhe.

Atentamente


Victor Lopes da Gama Cerqueira

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3 Comments:

At 15 de novembro de 2007 às 16:46, Anonymous Anónimo said...

Uma história infeliz

Há histórias tristes que acabam bem. Esta é triste e, apesar de não parecer, acaba mal. Uma senhora é funcionária pública. Trabalha numa Junta de Freguesia. Algures em Portugal. Foi-lhe diagnosticada doença grave. Sofria de dores violentas nas costas, nas pernas, no corpo todo. Teve baixas sucessivas. Voltava a trabalhar quando podia, mas podia cada vez menos. Os médicos mantinham: estava doente, necessitava de baixas. Ela pediu a reforma. Uma junta médica considerou que estava apta para trabalhar. Ou mais ou menos. A legislação era (é) confusa. Apesar de todas as evidências, a senhora estava obrigada a ir trabalhar. E foi. Empanada, com bengalas e ajudas, apoiada e com coletes e colares para a manter mais ou menos direita. Conseguiu, não sei como, visibilidade nos jornais, nas televisões e nas rádios. A imprensa apiedou-se. A comunicação denunciou. As televisões puderam mesmo mostrar, em pormenor, partes do corpo, ligaduras e outros pormenores. Era tudo tão evidente! Os deputados da oposição protestaram. As televisões insistiram. Até que o Ministro das Finanças decidiu tomar conta do caso. Revogou as decisões das Administração regional, da Segurança Social e da Junta Médica. Apareceu na televisão a considerar que o caso estava resolvido, tinha tomado providências. A senhora foi para casa.
Está tudo errado. A legislação sobre invalidez. As regras que presidem ao trabalho das juntas médicas. A surdez da Administração Regional da Segurança Social e mesmo da direcção nacional da Segurança Social. A actuação dos médicos. A atitude da Junta de Freguesia. E também, para acabar, o comportamento do ministro. Um ministro não decide só quando é sensibilizado pela televisão. Um ministro não revoga decisões das administrações e dos médicos. Um ministro não toma decisões individuais. Um ministro não vai à televisão comunicar decisões individuais e emocionais. Um ministro não usa de demagogia para cuidar do sofrimento dos cidadãos. As televisões não abusam da intimidade das pessoas, não exibem corpos doentes, nem exploram a dor. A única coisa que correu bem é que, agora, a senhora está em casa. Apesar do sofrimento, está em paz.
As conclusões a retirar são simples. A Administração Pública, nomeadamente os serviços sociais, não servem. Se alguém, vítima de injustiça, de atrasos, de burocracia ou de despotismo, se quer queixar com eficácia, não deve perder tempo com os trâmites oficiais nem os procedimentos habituais. Deve imediatamente ir falar à televisão, encenar sofrimento e indignação, comover a opinião pública. A isso, os ministros não resistem. Prevejo que este ministro vai receber milhares de cartas. E que as televisões, que adoram o sofrimento, não vão ter mãos a medir.

António Barreto
No:Público

 
At 16 de novembro de 2007 às 09:54, Anonymous Anónimo said...

É o pais que temos, sem comentários... é vergonhoso

 
At 17 de novembro de 2007 às 01:03, Anonymous Anónimo said...

O que está a acontecer com as aposentações ou reformas que são negadas a pessoas que manifestamente estão incapacitadas para trabalhar é vergonhoso. Mas o post que inicia este tema é de muito mau gosto, de dão mau gosto como negar a reforma a quem está doente e atribuí-la a quem levou a vida inteira a inventar esquesmas para não trabalhar.

 

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