O ACUSADOR ACUSADO
Diz o Expresso, austero e minucioso, que o dr. Paulo Portas, patriota de si mesmo, mandou copiar 61 893 páginas do Ministério da Defesa quando tutelava a pasta. O conhecidíssimo semanário esclarece, ainda, que alguns documentos tinham escrita a palavra 'confidencial' . Adianta: O Ministério Público sabe, mas não investigou. Investigou o Expresso, muito dado ao varejo para resguardo e defesa da moral pública.
Até recordo, com enternecida emoção, aquele gracioso texto sobre o Rosa Casaco, e as fotografias acompanhantes, junto da Torre de Belém, emblema da pureza nacionalista. Casaco, para quem não sabe e, também, para os que preferem ignorar, foi um torcionário da polícia política, cúmplice demonstrado do assassínio do general Delgado. Estava fugido, procurado com afã, mas toda a gente sabia onde se aboletava. E o Expresso, numa fina e nunca assaz louvada iniciativa, apresentou-se com uma cacha monumental: trouxe o pide a Lisboa e com ele se passeou, imperial na sua vasta glória. Demonstrava, desta forma, as infinitas possibilidades de que dispunha para enganar as autoridades e, também, levemente embora, para proceder a umas amolgadelas na ética e na deontologia que ardorosamente clama defender.
O dr. Portas, acusado, agora, de incomensurável vileza, sobressaltou-se, legitimamente, e diz-se inocente no propósito e casto na matéria. No recolhimento do Caldas declarou que o poderoso volume de fólios era constituído por notas pessoais e breves anotações acerca do CDS-PP. O dr. Portas sempre apreciou anotar. N'O Independente anotava tudo o que representasse malefícios para a República. Serviu-se do adjectivo como de um aríete. Contornava, com lenta obstinação, a verdade dos factos, se é que os factos contêm alguma verdade, a fim de preservar as públicas liberdades. O Independente foi leve, fresco, farsante e bailarino. Diz quem sabe que o dr. Portas resguardou um feixe incalculável de notas. A pecha nasceu, segundo se suspeita, no jornal. Acontece um porém: no jornal, quem pagava eram os proprietários; no ministério, somos nós quem esportula os euros.
Com timidez admito que o dr. Portas esteja a preparar um livro cruel, um ensaio arrasador, um depoimento exaltante, um testemunho arrebatado, um memorial contundente ou um documento faiscante sobre a imbecilidade, a intriga, o desleixo, a ignorância dos políticos portugueses - e para isso precise de milhares de apontamentos.
Mas o varejo das coisas e dos outros ou das coisas dos outros quando começa não consegue parar. A tineta do dr. Portas para a anotação poderá ter um reverso mais condenável do que o cândido exercício mnemónico. Quem nos diz que ele próprio não está anotado em outros ministérios?
B.B.
Até recordo, com enternecida emoção, aquele gracioso texto sobre o Rosa Casaco, e as fotografias acompanhantes, junto da Torre de Belém, emblema da pureza nacionalista. Casaco, para quem não sabe e, também, para os que preferem ignorar, foi um torcionário da polícia política, cúmplice demonstrado do assassínio do general Delgado. Estava fugido, procurado com afã, mas toda a gente sabia onde se aboletava. E o Expresso, numa fina e nunca assaz louvada iniciativa, apresentou-se com uma cacha monumental: trouxe o pide a Lisboa e com ele se passeou, imperial na sua vasta glória. Demonstrava, desta forma, as infinitas possibilidades de que dispunha para enganar as autoridades e, também, levemente embora, para proceder a umas amolgadelas na ética e na deontologia que ardorosamente clama defender.
O dr. Portas, acusado, agora, de incomensurável vileza, sobressaltou-se, legitimamente, e diz-se inocente no propósito e casto na matéria. No recolhimento do Caldas declarou que o poderoso volume de fólios era constituído por notas pessoais e breves anotações acerca do CDS-PP. O dr. Portas sempre apreciou anotar. N'O Independente anotava tudo o que representasse malefícios para a República. Serviu-se do adjectivo como de um aríete. Contornava, com lenta obstinação, a verdade dos factos, se é que os factos contêm alguma verdade, a fim de preservar as públicas liberdades. O Independente foi leve, fresco, farsante e bailarino. Diz quem sabe que o dr. Portas resguardou um feixe incalculável de notas. A pecha nasceu, segundo se suspeita, no jornal. Acontece um porém: no jornal, quem pagava eram os proprietários; no ministério, somos nós quem esportula os euros.
Com timidez admito que o dr. Portas esteja a preparar um livro cruel, um ensaio arrasador, um depoimento exaltante, um testemunho arrebatado, um memorial contundente ou um documento faiscante sobre a imbecilidade, a intriga, o desleixo, a ignorância dos políticos portugueses - e para isso precise de milhares de apontamentos.
Mas o varejo das coisas e dos outros ou das coisas dos outros quando começa não consegue parar. A tineta do dr. Portas para a anotação poderá ter um reverso mais condenável do que o cândido exercício mnemónico. Quem nos diz que ele próprio não está anotado em outros ministérios?
B.B.
Etiquetas: CDS/PP, Ministério da Defesa, Paulo Portas
2 Comments:
É a notícia de primeira página do Expresso, Paulo Portas fotocopiou 61.893 páginas de Documentos do seu gabinete de ministro da Defesa, qualquer coisa como 124 resmas de papel. Mas podemos ficar descansados, tratou-se apenas de notas pessoais, notas pessoais sobre a compra de submarinos, guerra no Iraque e outro temas do foro íntimo de Paulo Portas.
O Ministério Público até se interessou pelo assunto no âmbito do processo Portucale, ouviu os empregados de uma empresa privada que tiraram as fotocópias e que referiram que muitas lombadas continham a referência “Confidencial”, mas não ouviu Portas nem fez buscas para identificar os documentos. Fez bem, o Próprio Portas esclarece que era ele que inscrevia “confidencial” nas suas notas, o que revela uma grande abertura, Portas tem notas pessoais que são confidenciais porque todas as outras podem ser lidas por qualquer cidadão que partilhe a intimidade da sua casa. Além disso Portas é um político bem organizado, tinha o cuidado de organizar dossiers com notas pessoais, em três anos juntou 124 resmas dessas notas, notas pessoais como “diversos faxes, contratos e trocas de correspondência relacionados com a guerra do Iraque e compras de submarinos, tendo muitos desses documentos a designação ‘confidencial‘”.
Ao que parece o Ministério Público não se preocupou muito com as 124 resmas de notas pessoais, o cuidado de Paulo Portas foi atenuado porque outros ministros também fotocopiaram muitas notas pessoais, designadamente, ministros do CDS. Aliás, é normalíssimo que na noite eleitoral Portas tenha recordado a Nobre Guedes para não se esquecer da empresa de digitalização, é deste tipo de diálogos que se fazem as noites das derrotas eleitorais. E como quem não deve não teme, Porta acrescentou que a questão da digitalização era tema para se falar pessoalmente.
Ficamos a saber que logo na noite da derrota eleitoral Porta disse a Nobre Guedes que ia ficar no Parlamento para beneficiar da imunidade parlamentar, aliás, é para isso que os portugueses elegem os deputados. Não é nada que não se tivesse percebido, da mesma forma que regressou precipitadamente à liderança do CDS quando o processo Portucale voltou às páginas dos jornais.
Por este andar Portugal ainda se transforma num protectorado da Sicília e todos vamos achar isso muito normal, porque em Portugal é tudo normal.
“61.893 páginas.” E olhar sibilino da figura. Paulo Portas fica bem na primeira página do Expresso. 61.893 é o número de páginas que o ministro Portas mandou copiar antes de deixar o Governo. Para o efeito e dado o volume da empreitada foi contratada uma empresa de digitalização de documentos. A notícia – como a maioria das notícias do género – surge porque alguém deu com a língua nos dentes. Quem?
Quem? Funcionários da empresa ouvidos pela Judiciária no âmbito do caso Portucale – os sobreiros do CDS – e que terão dito que alguns documentos estavam classificados como “Confidencial”, “NATO”, “Submarinos”, “ONU” e “Iraque”. É evidente que nada disto tem a ver com abate de sobreiros e, portanto, o Ministério Público não se interessou pelas fotocópias. Paulo Portas tem a sua versão: os documentos resumem--se a notas pessoais que foi coleccionando ao longo dos sete anos na liderança do CDS e às quais, por costume, anota como “Confidencial”, “Pessoal”, “Para Conhecimento”. No Ministério da Defesa não ficou registo da entrada e saída dos funcionários da empresa contratada na véspera das eleições que retiraram Portas do Governo. Uma pergunta: se os documentos eram de carácter pessoal – o “Expresso” diz que o ex-ministro garante não existir no espólio qualquer documento considerado classificado pelo Estado ou pelas autoridades –, por que razão não se limitou a contratar uma empresa de mudanças para a embalagem e respectivo transporte? Ai, ai, o que faria o director do “Independente” com tamanha trapalhada?!
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