OS JOGOS DOS ACASOS
Rodrigo morreu às 9.40 de sexta-feira, 18, na rua, frente ao Hospital de Anadia.
Rodrigo ia fazer três meses.
Às 8.40, o pai vira o filho com a cara roxa, sem respirar ou arquejante.
Há, em toda esta história o compasso dos atrasos, o assomo aflito de quem deseja ajudar; o pasmo, que é a secreta insígnia de quem se sente impotente para enfrentar a absurda autoridade do mal, e a trágica evidência do infame momento.
O pai do Rodrigo não acusa ninguém, leio no DN.
Talvez atribua à má sorte a morte espantosa do seu bebé, conjecturo eu.
O pai do Rodrigo é um pai que nunca vai deixar de o ser, embora o filho seja a ausência do estar, e a memória de um sonho feliz.
O pai do Rodrigo vai preparar-se, devagar, para o eternamente inesquecível.
Ainda não caiu bem em si.
Confuso, perplexo, está tão longe estando tão perto.
Olha tudo com estranheza e dúvida.
E, no entanto, aquela hora medonha, a mediar o prazo entre a vida e a morte, nunca deixará de ser a marca de um sofrimento transformado em sacrifício.
E se alguma coisa tivesse sido diferente porque diferentes eram as circunstâncias?
Se, no instante supremo, no instante pequeno, redondo e urgente, a mão da ciência, o auxílio preciso, o diagnóstico vigilante estivessem onde deviam estar?
Não há mortes naturais.
Todas as mortes são injustas como uma culpa infundada, e inúteis como uma heresia.
Mas a morte de um bebé é a mais injusta de todas as mortes.
Um bebé que morre não é, apenas, um projecto desfeito, um milagre anulado, um doce peso que se transportou nos braços, uma promessa incumprida e um desejo irrealizado.
Um bebé que morre, e que morre assim, é uma acusação lívida, um dedo apontado, uma censura muda, porém terrível.
Acaso não fosse preciso telefonar para o 112, descrever sintomas, aguardar, durante 20 minutos, por uma viatura médica de emergência e reanimação, estacionada nos Covões, em Coimbra; percorrer, com o miúdo ao colo, o troço que vai do local onde a família vive para o sítio onde se encontrava um operador do INEM; assistir aos angustiados esforços da tripulação da ambulância para reanimar o bebé, que seria transportado, em desespero de causa, aos serviços pediátricos de Coimbra - acaso a Urgência do Hospital de Anadia não houvesse sido encerrada, acaso, acaso, acaso as coisas seriam outras.
Os acasos funcionam, aqui, como a insensível desconstrução dos laços humanos.
Os acasos ilustram, aqui, os malefícios provocados pelo desconhecimento ou pelo desprezo das emoções.
Observo a fotografia do pai sem filho. Se o espanto possui rosto: ei-lo. Se a resignação é o espaço esburacado onde tropeça toda a tristeza do mundo: ei-la.
Choro de Rodrigo. Birra de Rodrigo. Sorriso de Rodrigo - nunca mais.
B.B.
Rodrigo ia fazer três meses.
Às 8.40, o pai vira o filho com a cara roxa, sem respirar ou arquejante.
Há, em toda esta história o compasso dos atrasos, o assomo aflito de quem deseja ajudar; o pasmo, que é a secreta insígnia de quem se sente impotente para enfrentar a absurda autoridade do mal, e a trágica evidência do infame momento.
O pai do Rodrigo não acusa ninguém, leio no DN.
Talvez atribua à má sorte a morte espantosa do seu bebé, conjecturo eu.
O pai do Rodrigo é um pai que nunca vai deixar de o ser, embora o filho seja a ausência do estar, e a memória de um sonho feliz.
O pai do Rodrigo vai preparar-se, devagar, para o eternamente inesquecível.
Ainda não caiu bem em si.
Confuso, perplexo, está tão longe estando tão perto.
Olha tudo com estranheza e dúvida.
E, no entanto, aquela hora medonha, a mediar o prazo entre a vida e a morte, nunca deixará de ser a marca de um sofrimento transformado em sacrifício.
E se alguma coisa tivesse sido diferente porque diferentes eram as circunstâncias?
Se, no instante supremo, no instante pequeno, redondo e urgente, a mão da ciência, o auxílio preciso, o diagnóstico vigilante estivessem onde deviam estar?
Não há mortes naturais.
Todas as mortes são injustas como uma culpa infundada, e inúteis como uma heresia.
Mas a morte de um bebé é a mais injusta de todas as mortes.
Um bebé que morre não é, apenas, um projecto desfeito, um milagre anulado, um doce peso que se transportou nos braços, uma promessa incumprida e um desejo irrealizado.
Um bebé que morre, e que morre assim, é uma acusação lívida, um dedo apontado, uma censura muda, porém terrível.
Acaso não fosse preciso telefonar para o 112, descrever sintomas, aguardar, durante 20 minutos, por uma viatura médica de emergência e reanimação, estacionada nos Covões, em Coimbra; percorrer, com o miúdo ao colo, o troço que vai do local onde a família vive para o sítio onde se encontrava um operador do INEM; assistir aos angustiados esforços da tripulação da ambulância para reanimar o bebé, que seria transportado, em desespero de causa, aos serviços pediátricos de Coimbra - acaso a Urgência do Hospital de Anadia não houvesse sido encerrada, acaso, acaso, acaso as coisas seriam outras.
Os acasos funcionam, aqui, como a insensível desconstrução dos laços humanos.
Os acasos ilustram, aqui, os malefícios provocados pelo desconhecimento ou pelo desprezo das emoções.
Observo a fotografia do pai sem filho. Se o espanto possui rosto: ei-lo. Se a resignação é o espaço esburacado onde tropeça toda a tristeza do mundo: ei-la.
Choro de Rodrigo. Birra de Rodrigo. Sorriso de Rodrigo - nunca mais.
B.B.
Etiquetas: Saúde
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