domingo, 10 de fevereiro de 2008

O GENERAL NO NOSSO LABIRINTO

O general Garcia Leandro publicou no Expresso, no sábado passado, uma espécie de protopronunciamento militar deveras interessante.
Em substância, o general diz que o país está minado pela corrupção e pelo mau governo dos políticos e que só não avança para encabeçar um movimento de indignação, conforme muito solicitado, porque vivemos hoje na União Europeia - onde estas aventuras venezuelanas deixaram há muito de ter viabilidade.
Mas essa não é, em boa verdade, a única razão que trava o general nas suas generosas intenções, se é que ele não o sabe: a outra razão é porque o país acolheria hoje com uma gargalhada devastadora qualquer ridícula tentativa de pronunciamento militar.
Com a extinção do Conselho da Revolução, algures na década de 80, livrámo-nos de vez da tutela militar e já ninguém, nem a novíssima geração, leva a sério um militar que queira salvar a pátria.
Aliás, o próprio texto do general Garcia Leandro - confirmando que os textos de justificação dos pronunciamentos militares jamais ficarão para a história da literatura universal - é, em si mesmo, incapaz de arregimentar até um quartel de bombeiros, tão frouxas e tão confusas são as razões aduzidas.

A corrupção é, de facto, um problema - aqui e em muitos outros lugares. Infelizmente, como o general deve saber, entre nós, nem os militares lhe escapam.
Temos um alto oficial da Armada, durante anos responsável técnico pelas compras do material de guerra do ramo, preso sob suspeita de corrupção.
E, da compra dos aviões A-7 até à dos submarinos, não há razão alguma para acreditar que, se corrupção houve, os militares envolvidos nos negócios não molharam também a mão na massa.
No que toca a gastos de dinheiros públicos injustificados, os militares têm muitas contas a prestar ao país.
Todavia, o que diz o general Garcia Leandro é aquilo que muitos pensam, e não apenas a rua.
O facto de ser general não o torna mais qualificado do que qualquer outro nos seus julgamentos nem lhe dá o direito a querer encabeçar um movimento de indignação, seja isso o que for.
Restam as causas de indignação, que, essas sim, são reais e poderosas.

Recentemente, também o novo bastonário dos advogados veio agitar as águas turvas do regime denunciando alto e bom som coisas que todos sabemos serem rigorosamente verdadeiras: que há advogados que fazem política no Parlamento e negócios com coisa pública cá fora; que há ex-governantes que saltam do Estado directamente para empresas com que antes negociaram em nome do interesse público; que há uma justiça para ricos e outra para pobres e por isso é que não há um único poderoso atrás das grades, embora não faltem motivos para tal.
Caíram todos em cima do dr. Marinho e Pinto, chamando-lhe demagogo, vendedor de feira e acusando-o de denunciar a corrupção sem apresentar provas.
Num gesto inédito de insubordinação estatutária, o presidente do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados veio ameaçar o próprio bastonário com um processo disciplinar se não se calasse.

Todos fingiram entender que ele falava da corrupção - um mal universal, que não afecta apenas Portugal.
Piedosa mentira.
O que o dr. Marinho e Pinto denunciou foi o descarado tráfico de influências entre o político e o económico, o público e o privado, que, essa sim, é uma imagem de marca nossa.
Meia dúzia de ministros de qualquer Governo, de empresários privados, de gestores públicos e de poderosos escritórios de advocacia decidem entre si como é que o Estado vai gastar os milhões que gasta em obras públicas, como é que vai pagar os seus fornecimentos, como é que vai privatizar as suas empresas, em que termos vai negociar contratos de concessão, que excepções vai abrir para conceder direitos de construção em zonas de paisagem protegida.

Desde a gestão privada de hospitais públicos à concessão da exploração de pontes, passando pela construção do que quer que seja ou pela compra de armamento militar, não há orçamento que não derrape largamente, não há negócio que não termine com lucros muito além dos previstos para os privados e total impunidade para os gestores públicos que lhes deram causa. Contratar com o Estado português é sinónimo de lucro disparatado e risco nulo.
E isso não significa necessariamente que, algures no circuito, tenha havido alguém a deixar-se corromper para que a factura subisse.
Esse tipo de corrupção existe, mas a um nível menor, ao nível autárquico, por exemplo.
Aqui, do que se trata é da troca de favores e influências entre uma casta que controla os grandes negócios com o Estado.
Hoje, A faz um favor a B - entrega-lhe uma empreitada que vale milhões - e amanhã é a vez de B retribuir, contratando A para os seus quadros ou entregando-lhe por sua vez uma empreitada em que ele esteja interessado.
E no meio estão C e D, que funcionam como advogados e jurisconsultos de ambos os lados: tão depressa negoceiam em nome do Estado como em nome de clientes privados com o Estado, tão depressa dão pareceres a um como a outro e, não raras vezes, estão dos dois lados simultaneamente, em processos diferentes.
Necessidade obrigando, chegam a produzir doutos pareceres de sentido oposto em casos rigorosamente idênticos, em que só mudou o cliente que servem.
Não me admira nada que o dr. Marinho e Pinto tenha vindo desinquietar toda esta gente - ainda por cima se não se esquece de denunciar uma justiça que, pela inércia e pelo facilitismo, pactua com aqueles que têm a possibilidade material de fazer arrastar os processos em tribunal até que eles morram de podridão e esquecimento.

O mal causado não consiste apenas no desperdício de dinheiros públicos ou na instalação de uma cultura de impunidade e batota, que desmoraliza o país são.
Uma das maiores causas para o atraso endémico de Portugal é esta chamada iniciativa privada que domina os negócios de milhões mas que não sabe sobreviver sem os seus três factores de êxito: salários baixos, offshores para tratar do Fisco e negócios garantidos com o Estado.
Temo só de pensar que vem aí o TGV e um novo aeroporto, onde um país pobre e economicamente estagnado, um país a quem tantos sacrifícios têm sido pedidos em nome do combate ao défice vai atirar pela janela milhões e milhões em trabalhos extra, comissões a intermediários, honorários de consultadoria externa e de pareceres e todas as demais alcavalas que sempre acompanham cada empreitada pública.
Foi assim com o CCB, a Ponte Vasco da Gama, o Túnel do Marquês, o Hospital Amadora-Sintra, o Casino de Lisboa oferecido ao sr. Stanley Ho (edifício incluído!) e tudo o mais, tudo rigorosamente, a que o Estado deitou mãos.

Farto de assistir a este espectáculo decadente e impune, legitimado pelo exemplo que vem de cima, grande parte do país já percebeu que a regra é exigir do Estado privilégios e dinheiro fácil.
A outra parte, se não acredita nem deseja militares salvadores, só lhe resta isto: indignar-se e chamar os bois pelos nomes.


Miguel Sousa Tavares

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5 Comments:

At 11 de fevereiro de 2008 às 15:51, Anonymous Anónimo said...

"Esta é a melhor anedota que me mandaram nos últimos tempos … lembrou-me logo o “equívoco” que fez de Teresa Caeiro, Secretária de Estado da Cultura ehehehehehhe

José Sócrates tem, como devem saber, um assessor cultural. Trata-se de um típico intelectual luso, minimalista, de negro sempre vestido, triste e crítico de todas as artes, em tempos assessor de... Manuel Maria Carrilho.

Chama-se Alexandre Melo, pertence como não podia deixar de ser, ao lobby gay e é grande amigo de outro célebre crítico de arte, também de negro sempre vestido, cujo nome é ANTÓNIO PINTO RIBEIRO, antigo funcionário da Culturgest e hoje em dia da Gulbenkian.

Sócrates telefonou ao seu assessor a quem pediu que lhe indicasse o nome de alguém para substituir Isabel Pires de Lima no Ministério da Cultura e o seu assessor, sem hesitar, indicou António Pinto Ribeiro. Logo a seguir, telefonou o Melo ao amigo Pinto Ribeiro a quem preveniu que logo lhe telefonaria o Sócrates a convidá-lo para Ministro da Cultura.

Exultaram os dois, e o indigitado futuro ministro ficou de olho e ouvido no telefone à espera de um telefonema que não havia maneira de chegar.

Entretanto, Sócrates, no seu gabinete, solicita que o ponham em contacto com o Dr. Pinto Ribeiro.

A telefonista procede com prontidão visto ter à mão uma lista de todos os funcionários superiores de todos os ministérios, um dos quais é o Dr. JOSÉ ANTÓNIO PINTO RIBEIRO, advogado de formação e profissão mas exercendo as funções de Presidente da Colecção Berardo no CCB, lugar para onde fora nomeado por ter sido o advogado intermediário entre o Joe Berardo e o Primeiro-Ministro por alturas da escandalosa história da transferência da chamada Colecção Berardo para o Centro Cultural de Belém!

Sócrates cumprimenta-o calorosamente e convida-o para Ministro da Cultura, julgando estar a falar com o outro Pinto Ribeiro, o "agente cultural" que lhe havia sido calorosamente recomendado pelo seu diligente assessor cultural.

Muito à portuguesa o interlocutor a quem por equívoco o Sócrates estava a convidar para Ministro da Cultura respondeu imediatamente que aceitava SEM FAZER QUALQUER PERGUNTA a Sua Excelência.

Sócrates desliga o telefone e informa o assessor do facto de ter o Pinto Ribeiro aceite o convite. O assessor dá-lhe parte do seu regozijo e telefona logo a seguir ao amigo para o felicitar e só nesta altura se apercebem ambos de como de enganos é feita a vida política em Portugal a tal ponto são ignorantes, trapalhões e imbecis os políticos lusos."

 
At 11 de fevereiro de 2008 às 20:20, Anonymous Anónimo said...

senhores não vamos meter tudo no mesmo saco, os militares são um saco de boxe, para tudo o que vai mal neste meu amado pais, que é Portugal, acusam os militares de que? de haver um elemento que não se portou como devia! e muito fácil atirar pedras. os militares são muito pacientes com aqueles, que os deviam apoiar, mas não, é mais fácil intoxicar a opinião publica contra aqueles que pela sua condição de militares não se podem defender.
a bem de Portugal
a bem da democracia
contra a corrupção

alguém na condição de militar

 
At 11 de fevereiro de 2008 às 23:57, Anonymous Anónimo said...

Entrevista

2008-02-10

Entrevista CM: Garcia Leandro
Uma implosão partidária é uma questão de tempo

Garcia Leandro, general e director do observatório de segurança, não tem dúvidas de que a situação social em Portugal é potencialmente perigosa. Diz que se os partidos nada fizerem pode acontecer uma explosão ou uma implosão social. Afirma que é urgente uma reforma do sistema e que as actuais forças políticas vão implodir mais cedo ou mais tarde, dando origem a novos partidos, bem definidos à esquerda e à direita. E está com Cavaco no ataque aos altos salários dos gestores.

Correio da Manhã – Há razões em Portugal para as pessoas se sentirem muito indignadas com o que se passa em termos económicos e sociais?

Garcia Leandro – Há e eu tenho verificado isso a vários níveis. As pessoas estão muito indignadas. Principalmente porque, reconhecendo que há uma grande necessidade de se fazerem reformas neste País, grandes reformas que este Governo está a fazer, muitas ao mesmo tempo, com muitas dificuldades, muitas reacções e eventualmente com erros, os sacrifícios só serão compreendidos desde que sejam feitos para toda a gente, da mesma maneira.

- E não se está a passar isso em Portugal?

- Não se passa. Há um grupo, uma elite dominante que controla a componente político-partidária e económica que vive noutro País e com rendimentos, benefícios e mordomias que não têm nada a ver com a grande maioria da população.

- A diferença entre ricos e pobres tem estado a aumentar. Esta situação pode provocar movimentos sociais complicados para a democracia portuguesa?

- Pode dar origem a movimentos. Eu escrevi explosão social, mas pode dar origem também a um desinteresse, a um desacreditar e a uma tentativa de enganar o Estado de qualquer maneira. Mas em vez da tal explosão social, o que pode acontecer é uma implosão social. É toda a estrutura social que se vai abaixo por falta de credibilidade e por as pessoas não acreditarem em quem nos chefia.

- Há um afastamento das pessoas em relação às instituições e à política. Mas não concorda que se sente hoje em dia um sentimento de depressão?

- Há partidos que têm a sua área muito definida e muito delimitada. O Bloco de Esquerda e o Partido Comunista são dois partidos com essa situação. Agora os outros fazem parte do arco governamental. Essencialmente o PS e o PSD, às vezes o CDS. E o exemplo tinha de vir daí. E as pessoas não vêem bons exemplos dessas áreas políticas. Vêem maus exemplos. E isso leva a essa grande decepção e depressão. E depois aparecem determinados casos, como o do BCP.

- É um dos maus exemplos?

- O caso BCP, para além da parte empresarial, foi uma grande decepção, inclusivamente para mim. Conheço o engenheiro Jardim Gonçalves, era uma referência em termos de liderança, em termos de ética, em termos de organização, em termos de sucesso empresarial e baseado nos valores cristãos, até ligado à Opus Dei. E o doutor Paulo Teixeira Pinto também, como se sabe. Quando o véu se levanta e se conhece esta história toda, todos nós nos sentimos enganados.

- Mesmo quem não era accionista ou cliente do BCP?

- Isto vai para além do BCP e do problema financeiro do banco. Houve um padre que me disse que se tinha sentido atraiçoado. Como é que estes homens podem dizer que são cristãos? Não são cristãos.

- Mas nesse arco governamental que referiu, essencialmente o PS e o PSD, o Bloco Central, nada se move, nada muda. Não acha que seria necessária uma implosão partidária?

- Eu penso que é uma questão de tempo. Julgo que isso tem de se fazer. Aliás, há muita gente ligada aos partidos que pensa que isso vai ter de acontecer. Enquanto nós temos de modo bem definido e delimitado as áreas do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista, julgo que o PS é muito grande e que dentro dele há mais do que um partido. Há um partido claramente socialista e republicano em que estarão os doutores Manuel Alegre e João Soares. Depois há uma área maior que é o partido social-democrata.

- Na qual está o primeiro-ministro?

- O engenheiro Sócrates é claramente de uma área social-democrata. Está a fazer as reformas que são necessárias pelo enquadramento internacional e para que Portugal se possa reafirmar no quadro da União Europeia. É muita coisa ao mesmo, com a violência mundial e com a situação financeira completamente desregulada. Mas essa parte mais à direita do PS com a parte mais à esquerda do PSD é que seria o partido social-democrata. E a parte mais à direita do PSD, com o doutor Santana Lopes e outras pessoas conhecidas, com o CDS era claramente o partido liberal. Eu diria que ideologicamente estariam certos. Mas não sei se conseguem fazer isso, se conseguem mexer no quadro partidário.

- Em Itália a implosão política aconteceu por força da revolta dos juízes contra a corrupção. Aqui também se fala muito em corrupção. Há muita corrupção?

- Muita corrupção. A corrupção está aí. Ouvi recentemente o engenheiro João Cravinho falar disso. Ele próprio, quando estava no Parlamento, propôs uma lei anti-corrupção que o próprio PS não aceitou. E, por outro lado, a nossa estrutura é muito frágil. Não só a nível empresarial, profissional, mas também a nível dos tribunais. Uma democracia para funcionar tem de ter os tribunais a funcionar. E em Itália, independentemente do sistema político-partidário, há uma economia forte, com empresas fortes e com uma justiça muito independente, muito forte e com muita coragem. Há uma diferença muito grande. A Itália pode funcionar sem Governo.

- E Portugal não?

- Em Portugal não.

- Pára tudo. Até a justiça?

- A justiça é uma das áreas em que as reformas têm de ser feitas.

- Mas aí andam muito devagar, não concorda?

- É verdade. Mas são áreas em que os responsáveis mais altos do Estado, o senhor Presidente da República e o senhor primeiro-ministro, têm vindo a demonstrar uma necessidade de urgência. Quer na área da justiça social, quer na área da reforma dos tribunais, da rapidez dos tribunais. Esta chamada que o senhor Presidente da República fez para o leque salarial foi muito importante. São coisas urgentes. E há um grande problema muito difícil de resolver por qualquer Governo. Face à nova situação internacional e à necessidade que Portugal tem de se afirmar, de precisar de empresas fortes e de grandes reformas, os responsáveis políticos não conseguem explicar essas reformas à população.

- É muito difícil. Mas será impossível?

- Se o primeiro-ministro conseguisse fazer baixar alguns salários e algumas mordomias de grandes gestores públicos ganhava uma grande popularidade e era uma marca de que estava não só na linha das afirmações do senhor Presidente da República como na linha da moral. Podem dizer-nos que é tudo legal. Mas é imoral e além de ser imoral está desadequado ao nosso País.

- Alguns ordenados e mordomias de gestores são verdadeiros escândalos.

- E nas autarquias também. E nas empresas municipais.

- É um choque para as pessoas.

- É. Com as remunerações, as acumulações, algumas reformas.

- Mas porque é que os partidos não conseguem tocar nessas matérias?

- O engenheiro Cravinho disse há dias que os partidos têm vindo a reboque da opinião pública. É a doutora Maria José Morgado, o Presidente da República, o engenheiro Cravinho e outras pessoas que têm vindo a chamar a atenção para esses problemas. E dentro dos partidos políticos há uma luta clara entre as pessoas, que são uma minoria, que querem fazer as reformas e os outros que não as querem fazer. Por exemplo o doutor António José Seguro no PS. É um homem novo, com um grande sentido de Estado, por quem eu tenho uma grande consideração, que quer fazer essas reformas no sistema política. Mas homens como ele não são a maioria do partido.

- A grande corrupção é a do Estado com os privados?

- Estão sempre ligados. É uma ligação um bocadinho envenenada. Repare, como é que é possível aparecerem agora tantos hospitais privados. Onde é que há médicos, onde é que há doentes para tantos hospitais privados.

- Numa altura em que o Serviço Nacional de Saúde é objecto de grandes polémicas.

- Exacto. Vão abrir seis hospitais privados no Porto. Como é que é possível? São negócios que estão claramente feitos e há uma relação público-privada nisto.

- No artigo que escreveu recentemente dizia que já não é o tempo de revoltas de generais...

- E de cardeais. Digo-lhe isso porque na nossa história foram sempre generais ou cardeais que resolveram os problemas.

- Se não são uns ou outros, quem é que pode resolver agora os problemas?

- Tem de ser o sistema. Quando eu digo que tem de ser o sistema político-partidário, os cidadãos, digamos assim, há pessoas que me dizem que sou ingénuo, que sou inconsequente, porque o sistema político-partidário não se vai reformar.

- Por si próprio?

- Por si próprio. Eu julgo que se houver mais pressão da opinião pública e mais movimentos de cidadãos acaba por ter de se reformar. E tem de ser dentro do quadro das instituições que as reformas se fazem. Não vejo outra maneira. Tem de ser dentro do Estado de direito. Eu sou profundamente institucional. Tudo isto deve ser feito pelos responsáveis políticos.

- Sem convulsões?

- Sem convulsões se tomarem a iniciativa.

- E não houver essa iniciativa?

- Se quer que lhe diga não sei o que vai acontecer. Pode haver a tal explosão social, pode haver uma implosão social e podem correr-se riscos mais graves. Que é Portugal, a dada altura, perder importância. Uma das questões que toda a gente reconhece é que o País devia ter feito reformas há mais tempo. Não as fez e hoje aparecem indicadores, tanto a nível mundial como a nível da União Europeia, que mostram que estamos a perder lugares. O que acontece com este Governo, e essa é a dificuldade muito grande do primeiro-ministro, é ter de fazer muita coisa ao mesmo tempo a um grande ritmo.

- É preciso acelerar.

- Acelerar muito. E depois não tem um tecido social e um tecido empresarial que lhe responda.

- O tecido empresarial vive à sombra do Estado.

- E mais. A formação académica é fraca. A formação escolar dos autarcas é relativamente fraca. Quando se fala na descentralização, delegar funções e competências as coisas não andam. Veja as reformas do ministro da Saúde. O doutor Correia de Campos era um homem competente, considerado um bom técnico na área da economia da Saúde, mas também ele quis fazer muita coisa ao mesmo tempo. Mas quando se tomam decisões de encerrar isto ou aquilo no sítio A ou B temos de ter alternativas. Ora isso não foi montado. É um processo complicado.

- Acredita que surjam movimentos de cidadãos para pressionar os partidos e o sistema?

- Há novos partidos que estão a tentar organizar-se. Eu já fui contactado por dois. Além de vir a existir o eventual novo partido do doutor Manuel Alegre.

- As experiências de novos partidos falharam sempre. Como o PRD, por exemplo. Agora será diferente?

- Julgo que este exame de consciência, que este meu grito de alerta ou de alma é uma coisa que a maior parte dos responsáveis políticos já percebeu. E os mais responsáveis sabem que se não tomarem medidas reformistas esta situação vai agravar-se cada vez mais. E eles vão perdendo cada vez mais credibilidade. A minha esperança é que surjam esses movimentos e que o sistema tenha capacidade de se autoreformar. Porque só isso evita esses tais movimentos de explosão social.

- Mas basta isso? Se a economia não crescer a reforma do sistema político é suficiente para evitar essa explosão social?

- Voltando ao caso de Itália. Nós não temos grandes empresas para competir a nível europeu. Qualquer Governo quer ter essas empresas e tenta fomentar o seu aparecimento. Mas é preciso que os gestores tenham não só qualificação técnica, competência, mas percebam também que o esforço nacional conta com eles e que para isso têm de ter salários mais baixos.

- Era um sinal para o País?

- Era um sinal muito bom e dava muita confiança. Confiança neles e dava mais confiança aos cidadãos para se aproximarem dos partidos e dos votos. Porque os que votam são cada vez menos e a abstenção está sempre a subir.

- Continua a subir. As pessoas estão mais preocupados com outros problemas.

- Com o desemprego e com a sobrevivência. Há um caso dramático com os jovens licenciados que não têm emprego. Não têm emprego, estão pagos a recibo verde e portanto também têm medo. Há muita gente que tem medo de perder o emprego. Por isso, a tal explosão social, se acontecer, é por um grande desespero. Porque hoje há muita gente que não se mexe porque tem medo de perder o emprego.

- É director do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo. Portugal é um alvo do terrorismo?

- Portugal, para os especialistas, não é uma área geográfica de alta probabilidade de risco de atentados. Pode ser muito mais uma área de apoio logístico para esses movimentos. Dinheiro, passaportes, armas.

- E refúgio.

- Sim. Os movimentos de terrorismo e criminalidade organizada já não são como há vinte ou trinta anos. Eram muito nacionais e regionais, como a ETA, o IRA e os movimentos de extrema-esquerda na Itália e Alemanha. Hoje são completamente internacionais. E o que lhes interessa é uma grande cobertura mediática. E surpresa. Portanto, nós, em Portugal, não podemos acreditar na Nossa Senhora de Fátima. E é por isso que os serviços de informação e segurança andam permanentemente em cima desses movimentos. Depois dos atentados de 2001 nos EUA a cooperação entre os países a nível da Comunidade Europeia e a nível mundial, isto é, entre a Europol e a Interpol, é muito maior.

- Portugal não começa a ser um destino apetecível para as máfias?

- Sim. O tráfico de pessoas, o tráfico de droga, em que Portugal é claramente uma área de entrada para a Europa, pode ser o tráfico de armas e a imigração clandestina. Graças a Deus que nós não temos o mesmo tipo de relação com o Norte de África que tem a Espanha, a Itália e a França.

- É um problema complicado de resolver.

- É. A única solução que a Europa tem relativamente a África é conseguir que os africanos, e hoje há muita gente adulta, formada, sem emprego, tenham colocação nos seus países. Mas para isso são precisos investimentos. Só que entre o aumento da demografia e a capacidade de criar empresas e empregos há uma diferença grande. Mas Portugal não é destino dessa imigração. Mas por outro lado temos sido um sítio de passagem.

- E o branqueamento de capitais? Como é a situação em Portugal?

- Não é diferente dos outros países. As medidas que estamos a tomar são idênticas às dos outros países da União Europeia.

- Quais são os planos a curto prazo do Observatório?

- Queremos fazer este ano um relatório sobre a segurança nacional. Autónomo do Governo. E que abranja todas as áreas de segurança. Independentemente dos especialistas que vão fazer o relatório, nós vamos basear-nos numa sondagem que irá ser feita pela Eurosondagem. Para sabermos o que é que as pessoas pensam, por exemplo, da segurança que lhes dão os tribunais. Outra área em que se fala pouco é do ordenamento territorial, que é muito importante para a segurança. Tem havido barbaridades no ordenamento territorial.

- Em Portugal também podem acontecer situações explosivas, como em França, nas áreas metropolitanas?

- As grandes áreas de concentração urbana vão ser os sítios, os locais, das novas guerras. As novas guerras, as novas explosões sociais ou os novos conflitos vão acontecer e já acontecem exactamente nas áreas metropolitanas. Acontecem em Buenos Aires, acontecem em Caracas, acontecem em Bangkok, acontecem em Kinshasa, acontecem em Paris. Isto não tem relação com geografia, com regime político e com a cultura. Só tem uma coisa em comum que é a concentração de pessoas e a dificuldade de inclusão de grupos que vêm de fora. Quer de imigrantes nacionais, quer estrangeiros.

- Quando é que essa sondagem estará pronta?

- Vai haver duas fases. Uma é a sondagem e outra o relatório sobre a segurança nacional. Quanto a datas, teremos os resultados da sondagem talvez em Abril e o relatório ficará pronto no último trimestre do ano.

UM GENERAL PRONTO PARA A "GUERRA"

Garcia Leandro deixou a carreira militar activa há muito pouco tempo. Para trás ficaram 47 anos de serviço público. A maior parte dos quais ao serviço do Exército. Mas este tenente-general de 67 anos está atento ao que se passa em Portugal. Mais do que atento está pronto para participar activamente na reforma do sistema.

A conversa com Garcia Leandro aconteceu em sua casa, ali para os lados de Telheiras. Uma casa que espelha uma vida, Timor, Saara Ocidental, Angola, Guiné-Bissau, Macau, Bósnia, NATO e por aí adiante. Em todas as divisões, que Garcia Leandro fez questão de mostrar e explicar ao jornalista, lá estavam quadros, esculturas, homenagens e fotografias da vida de um militar que não acredita nas revoltas feitas por generais ou cardeais. Agora são os políticos que as têm de fazer. Dentro do sistema.

E Garcia Leandro garante que a sociedade portuguesa está a mexer, inconformada com uma situação política, económica e social muito perigosa. Reage com indignação aos salários escandalosos num País em que a maioria das pessoas tem medo de ficar sem emprego e ganha ordenados muito baixos. Reage com indignação à corrupção, muita, que anda por aí à solta, à vista desarmada.

Alerta para os perigos de uma implosão social. Garante que os partidos vão mudar. A bem ou a mal. E confessa que já foi contactado para entrar em dois novos partidos.

PERFIL

José Eduardo Martinho Garcia Leandro nasceu em Luanda há 67 anos. Casado, com três filhas, fez o Curso de Artilharia da Academia Militar e o Curso Geral do Estado-Maior. Muito novo fez uma primeira comissão em Angola. Seguiu-se outra na Guiné-Bissau. Depois foram uns anos em Timor. Mais tarde foi o primeiro governador de Macau a seguir ao 25 de Abril.

Esteve no Saara Ocidental como comandante da componente militar da missão das Nações Unidas para o referendo nessa região africana, foi vice-chefe do Estado-Maior do Exército, director do Instituto de Defesa Nacional, esteve na NATO e hoje é director do Observatório de Segurança e Terrorismo.
António Ribeiro Ferreira

 
At 13 de fevereiro de 2008 às 23:49, Anonymous Anónimo said...

Correcções políticas a introduzir no País

O modo como se tem desenvolvido a vida das grandes empresas, nomeadamente da banca e dos seguros, envolvendo BCP e Banco de Portugal, incluindo as remunerações dos seus administradores e respectivas mordomias, transformou-se num escândalo nacional, criando a repulsa generalizada.

É consensual que o país precisa de grandes reformas e tal esforço deve ser reconhecido a este Governo (mesmo com os erros e exageros que têm acontecido).

Alguém tinha de o fazer e este Governo arregaçou as mangas para algo que já deveria ter ocorrido há muito tempo. Mas não tocou nestes grandes beneficiários que envergonham a democracia, com a agravante de se pedirem sacrifícios à generalidade da população que já vive com muitas dificuldades.

O excesso de benefícios daqueles administradores já levou a que o próprio Presidente da República tivesse sentido a obrigação de intervir publicamente.

Mas tudo continua na mesma; a promiscuidade entre o poder político e o económico é um facto e feito com total despudor.

Uma recente sondagem Gallup a nível mundial, e também em Portugal, mostra a falta de confiança que existe nos responsáveis políticos deste regime.

Tenho 47 anos de serviço ao Estado, nas mais diferentes funções de grande responsabilidade, sei como se pode governar com sentido de serviço público, sem qualquer vantagem pessoal, e sei qual é a minha pensão de aposentação publicada em D.R.

Se sinto a revolta crescente daqueles que comigo contactam, eu próprio começo a sentir que a minha capacidade de resistência psicológica a tanta desvergonha, mantendo sempre uma posição institucional e de confiança no sistema que a III República instaurou, vai enfraquecendo todos os dias.

Já fui convidado para encabeçar um movimento de indignação contra este estado de coisas e tenho resistido.

Mas a explosão social está a chegar. Vão ocorrer movimentos de cidadãos que já não podem aguentar mais o que se passa.

É óbvio que não será pela acção militar que tal acontecerá, não só porque não resolveria o problema mas também porque o enquadramento da UE não o aceitaria; não haverá mais cardeais e generais para resolver este tipo de questões. Isso é um passado enterrado. Tem de ser o próprio sistema político e social a tomar as medidas correctivas para diminuir os crescentes focos de indignação e revolta.

Os sintomas são iguais aos que aconteceram no final da Monarquia e da I República, sendo bom que os responsáveis não olhem para o lado, já que, quando as grandes explosões sociais acontecem, ninguém sabe como acabam. E as más experiências de Portugal devem ser uma vacina para evitar erros semelhantes na actualidade.

É espantosa a reacção ofendida dos responsáveis políticos quando alguém denuncia a corrupção, sendo evidente que a falta de vergonha deve ser provada; e se olhassem para dentro dos partidos e começassem a fazer a separação entre o trigo e o joio? Seria um bom princípio!

Corrija-se o que está errado, as mordomias e as injustiças, e a tranquilidade voltará, porque o povo compreende os sacrifícios se forem distribuídos por todos.

GENERAL GARCIA LEANDRO
No:Expresso

 
At 19 de fevereiro de 2008 às 00:05, Anonymous Anónimo said...

Há inúmeras semelhanças entre o aqui e agora e as vésperas do 28 de Maio.

Não por causa da tropa e dos golpes de Estado à procura de autor, mas porque o sitema partidário continua enredado entre bonzos, endireitas e canhotos, mas com o permanecente imobilismo sistémico, de partidos de Estado num Estado de Partidos, com uma classe média entalada, entre a bigorna das forças vivas e o martelo da explosão social. As forças vivas, marcadas pelo poder banco-burocrático, continuam à procura de feitores de ricos.

Os aparelhos de Estado, enredados pela ditadura da incompetência, vivem dos restos da tensão entre o partido dos fidalgos da partidocracia e o partido dos tecnocratas, com o partido dos becas à espreita e o partido da tropa já sem balas. Poucos reparam que nunca poderia haver 28 de Maio, 5 de Outubro ou 25 de Abril.

A maioria dos factores de poder já não são nacionais e falta o messianismo da pátria em perigo. Descansem, pois, partidocratas, burocratas e patrões.

A presente decadência tem todas as condições para manter o situacionismo por mais largos anos, sem qualquer explosão social. Entre fantasmas de direita e preconceitos de esquerda, lá iremos sem cantar nem rir, porque a maioria dos meus concidadãos, apesar de ter a bala do voto, sabe que apenas a pode meter naquelas espingardas onde o tiro sai pela culatra.

Porque, entre Sócrates e os oposicionistas feitos à respectiva imagem e semelhança, venha o Diabo e escolha.Porque não vale a pena continuarmos a escolher o "do mal, o menos". vale mais dizermos, com toda a frontaldade, que não nos revemos nestas alternâncias que ameaçam transformar a democracia numa democratura.

 

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