domingo, 3 de fevereiro de 2008

PORQUE É QUE CERTAS COISAS TÊM QUE VER COM A LIBERDADE

Na sequência da constrangedora passagem do director da ASAE, António Nunes, pela Assembleia da República, o grupo parlamentar do PS anunciou que ia legislar para proteger os produtos alimentares típicos portugueses.
Não obstante a irracional defesa que José Sócrates veio depois fazer sobre a actuação da ASAE (chegando a afirmar que a oposição não pode pôr em causa um organismo do Estado!), o anúncio feito pelos deputados socialistas é o reconhecimento implícito de duas coisas: uma, que a ASAE está, de facto, a ameaçar a sobrevivência de vários produtos que fazem parte da culinária, dos hábitos alimentares e da própria cultura dos portugueses; e outra, que não foi possível meter na cabeça do seu director a noção mínima de bom-senso de que falou o Presidente da República.
Aliás, quem tenha lido a entrevista que o senhor deu ao Sol, percebeu logo que naquela cabeça jamais entrará bom-senso algum, tão deslumbrado que ele está com o protagonismo público que lhe dá o seu papel de polícia mau, que adora fazer.
Nem bom-senso nem noção do ridículo: o homem viu uma oportunidade para se transformar na criatura que escapa ao criador e ninguém o travará nesse desmando, nem mesmo que tenha de emigrar, como ele sugeriu aos descontentes.

O sr. António Nunes e a sua particular polícia são perigosos, a vários títulos.
Perigosos nos fins e perigosos nos meios.
Tão perigosos que, não podendo travá-los e não se atrevendo a pedir a Sócrates que o demita, o PS se propõe então legislar sobre o arroz de cabidela, os pastéis de bacalhau, a alheira de Mirandela e o medronho da Serra de Monchique.
Já sabemos que este é um país de juristas, que adora fazer leis, mesmo as que são feitas para nunca serem aplicadas.
Mesmo assim, não deixa de ser notável que uma maioria parlamentar prefira cozinhar uma lei para proteger o arroz de cabidela do que atrever-se a dizer ao inimigo público dos nossos prazeres culinários deixe-nos em paz!.

Um mês depois da entrada em vigor da lei totalitária contra os fumadores, o balanço político é totalmente favorável aos fumadores: aos olhos de qualquer pessoa de boa-fé tornou-se evidente que a lei não visou apenas proteger os não-fumadores, mas também castigar os fumadores, tornar-lhes a existência diária infernal.
Faz-me lembrar o que sucedeu quando o Congresso dos Estados Unidos nomeou uma comissão científica para fundamentar a proibição do fumo nos aviões.
Depois de estudado o assunto e baseando-se na análise da qualidade do ar nos aviões (que era renovado todos os oito minutos, ao contrário do que agora sucede, com bastante mais perigo para a saúde dos passageiros) e na separação física que era fácil de fazer entre zona de fumadores e de não-fumadores, a comissão concluiu que não há razões de saúde pública que justifiquem a proibição, apenas razões políticas ou éticas. E foi com base nestas, que se avançou para a proibição - o primeiro passo dado nesta cruzada à escala global.

O mesmo fez esta lei portuguesa.
Tenho lido tudo o que os seus defensores têm dito e escrito para tentar justificar o injustificável, e de tudo sobra um só argumento: o que os fumadores queriam é que tudo continuasse na mesma e eles, pobres vítimas indefesas, a levar com o fumo dos viciados na cara.
Não é verdade, e a insistência no argumento, que se sabe falso, mostra a má-fé destes ayatollahs - na sua grande maioria ex-fumadores, que então nunca se preocuparam com os outros.
Nenhum fumador defendeu que não houvesse espaços totalmente vedados ao fumo e outros com separação física entre fumadores e não-fumadores.
O que defendiam é que não se avançasse para a proibição geral absoluta e que, mesmo que numa proporção inferior à percentagem de fumadores (30%), houvesse um espaço nos locais de trabalho, nos hospitais, nos aeroportos, nos centros comerciais, nos espectáculos, numa carruagem de comboio, onde os fumadores pudessem fumar sem incomodar os outros.
Os fumadores perderam esta batalha na lei, mas ganharam-na politicamente.
Há uma revolta geral, cívica e política, contra a lei, a que se juntaram muitos não-fumadores que entenderam que o que está em causa é mais, muito mais, do que o direito a um vício: é o direito inalienável de cada um decidir sobre a sua saúde e os seus hábitos de vida, se isso só o implica a ele.
Se, e bem, se entende que os drogados são doentes a quem o Estado acorre e tenta proteger de várias formas (apesar de, face à lei, serem criminosos), como é que se pode defender que um fumador, que não pratica crime algum, seja tratado como um criminoso que deve ser perseguido e banido de toda a parte?

A filosofia de combate ao crime da ASAE decorre em linha recta à que inspirou a lei antitabaco. É gente que acredita que uma das funções do Estado é proteger-nos contra nós próprios, que acredita que é possível e desejável aspirar a um mundo perfeito, onde não há pecado nem vício nem doença, e todos podemos viver limpos para sempre e morrer de perfeita saúde, aos cem anos de idade.
Vivemos um terrorismo sanitário, sabiamente inspirado pela indústria farmacêutica, que nos bombardeia diariamente com ameaças sobre a nossa saúde e a oferecer os correspondentes remédios contra o tabaco, o colesterol, a tensão alta, a obesidade, os efeitos nocivos do sol. E, enquanto nos vão ocupando e distraindo com esses males iminentes, sem que nós demos por isso, os mesmos políticos obcecados em proteger a nossa saúde contra nós próprios, vão deixando que a indústria polua o ar e os rios, que os campos sejam abandonados e as cidades se tornem invivíveis e que grande parte do nosso dinheiro seja gasto em tratamentos de saúde inúteis e remédios de que não precisamos.
Uma geração que transforma a saúde de cada um na questão principal e obsessiva do dia-a-dia é uma geração sem causas e profundamente egoísta.
É a mesma geração em que as mulheres não têm filhos para não estragarem a linha e a carreira, em que os políticos vivem deslumbrados com o que os fazedores de imagem lhes mandam fazer e se sentem obrigados a praticar desporto em público e fumarem às escondidas, em que os que se tomam por vedetas públicas correm a anunciar às revistas sociais que têm um novo amor, com medo que a gente pense que estão sozinhos (como se não estivéssemos quase todos…), em que os ricos perderam qualquer vergonha e vivem nas off-shores e nas fundações para fugirem ao fisco e os banqueiros recebem fortunas para se irem embora e pararem de roubar os accionistas.
Esta é a cultura que está no poder, agora.
Não admira que grande parte do mundo seja governada por simples oportunistas.

Miguel Sousa Tavares

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3 Comments:

At 3 de fevereiro de 2008 às 13:33, Anonymous Anónimo said...

A última vez que foi visto estava tranquilamente a fumar uma cigarrilha no salão do Casino Estoril, uma local e a uma hora em que seria pouco provável que por ali passasse umas das brigada ranger da ASAE, mais preocupadas com a Ginginha do Rossio ou com a Feira do Relógio locais mais perigosos para a saúde dos clientes e dos empregados.

Não sabemos como o António anda vestido nem os locais por onde poderá andar mas como se sabe do seu gosto por filmes de comandos é provável que ande vestido de rambo. Sabe-se também que o António tinha por ambição aparecer mais vezes na comunicação social do que a Lili Caneças pelo que se considera possível que ande a rondar alguma estação de televisão.

Os familiares, amigos, admiradores e simpatizantes estão preocupados com o repentino e estranho desaparecimento, ele que nos fazia companhia diária nas aberturas do telejornal, era mesmo um estímulo para o zapping, se não estava na um ligávamos para a três e se também não estivesse no canal de Balsemão era certo e sabido que o encontraríamos.

Depois de termos perdido o lince da Serra da Malcata e enquanto ainda não foi reintroduzido o lince ibérico na serra do Algarve, seria uma perda irreparável se também perdêssemos António Nunes, um verdadeiro lince das mercearias.

Se alguém se cruzar com o inspector-geral da ASAE que lhe diga que volte, que ocupe o seu lugar na comunicação social, que sem ele podemos ser envenenado pelo CO2 dos cigarros se ainda tivermos morrido devido a algum germe fatal. O pior já passou, a remodelação fez e Manuel Pinho manteve-se a boiar, Sócrates até já falou bem dele e não foi para o demitir depois como sucedeu a Correia de Campos.

 
At 3 de fevereiro de 2008 às 13:34, Anonymous Anónimo said...

Depois de ter sido chamado à Assembleia da República o Tó da ASAE desapareceu, nunca mais foi visto, o que deve ter deixado muitos jornalistas em ansiedade pois já os tinha habituado a resolver o problema da primeira página. Contando com a imensa audiência dos restaurantes, a que se juntaram os fumadores mais rebeldes, o Tó tinha assegurado o estatuto de vedeta nacional.

De repente desapareceu, terá ido tirar uma especialidade a West Point ou optou por transformar a ASAE numa polícia secreta?

 
At 3 de fevereiro de 2008 às 22:46, Anonymous Anónimo said...

O SR Miguel até pode ter alguma razão, mas vá fumar pó seu monte. Aí pode fumar à vontade sem prejudicar os outros

 

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