A VOZ NA TELEVISÃO
Sentei-me para escrever um texto saudoso e álacre sobre a Ava Gardner. Acabara de rever, em DVD, A Condessa Descalça, o filme em que Mankiewicz iluminou, vital, os seios míticos e as ancas essenciais da então chamada o mais belo animal do mundo. Pensava ilustrar a beleza renascentista da imensamente adorada, aplicando, à imaginada crónica, um breve toque intelectual, com uma citação de Shakespeare, que, no Hamlet, faz dizer a Horácio: Há mais coisas entre o céu e a terra do que supõe a nossa vã filosofia. Há; melhor: havia - a Ava Gardner, síntese de todas as deusas voláteis e etéreas. Os adjectivos não eram maus, pensei, sacudido por áspera nostalgia de mim próprio.
Preparava-me, pois, para comover, levemente embora, os leitores da minha geração, acaso de outras, com estes abandonos líricos, eis senão quando uma voz na televisão, lá dentro, atraiu a minha malvada curiosidade e desviou-me do saudoso intento.
Que dizia a voz, assim tão importante, que sobrelevava as instâncias dos meus impulsos de autor de imprensa? Era um homem. E fazia troça cruel de quem dele desacordava: de sindicatos, de jornalistas, de comentadores, de todos os partidos que não o seu, mas também de alguns daqueles, iguais comungantes, em atrito com o que ele fazia. Não percebi muito bem onde o homem falava: congresso, reunião, assembleia, igreja? Sei que o homem estava a deixar-nos para trás; e não há nada mais penoso do que sermos deixados para trás.
O homem na televisão era somente voz: voz que apenas a si mesmo ouvia; voz inevitável para ela própria; voz impessoal, velha, fatigada como uma solenidade, inconvicta, em pleno processo de desumanização. O homem falava para se ouvir. Falava; não estava a dizer nada.
Elogiava-se e ao Governo que dirigia. Na Saúde, na Justiça, na Economia, na Cultura, no Emprego, na Educação, nas Obras Públicas, tudo deslizava, com suavidade, para o irreversível ponto de exclamação que será a sociedade próspera e abundante. O absurdo atingia a dimensão da inconsciência abjecta. O homem na televisão deixara de o ser: era, unicamente, voz. Voz efémera, que desembarcava numa auto-admiração inviolável; voz de catálogo turístico.
As vozes humanas possuem cor, luminosidade, magia, transcendência, grandeza, música, presença física. A voz do homem na televisão era dissimulada, quadrada e cava. Uma mentira instantânea que se repetia sem perdão. Um eco do oco.
Regressei à Condessa Descalça e à memória da frase de Bogart: A ilusão procura sempre dar solidez ao vento. Ia para continuar. Mas o meu espaço é este. Que o homem fique com a sua voz; eu, com a minha repulsa. E por aqui me fecho, como diria mestre Camilo.
B.B.
Preparava-me, pois, para comover, levemente embora, os leitores da minha geração, acaso de outras, com estes abandonos líricos, eis senão quando uma voz na televisão, lá dentro, atraiu a minha malvada curiosidade e desviou-me do saudoso intento.
Que dizia a voz, assim tão importante, que sobrelevava as instâncias dos meus impulsos de autor de imprensa? Era um homem. E fazia troça cruel de quem dele desacordava: de sindicatos, de jornalistas, de comentadores, de todos os partidos que não o seu, mas também de alguns daqueles, iguais comungantes, em atrito com o que ele fazia. Não percebi muito bem onde o homem falava: congresso, reunião, assembleia, igreja? Sei que o homem estava a deixar-nos para trás; e não há nada mais penoso do que sermos deixados para trás.
O homem na televisão era somente voz: voz que apenas a si mesmo ouvia; voz inevitável para ela própria; voz impessoal, velha, fatigada como uma solenidade, inconvicta, em pleno processo de desumanização. O homem falava para se ouvir. Falava; não estava a dizer nada.
Elogiava-se e ao Governo que dirigia. Na Saúde, na Justiça, na Economia, na Cultura, no Emprego, na Educação, nas Obras Públicas, tudo deslizava, com suavidade, para o irreversível ponto de exclamação que será a sociedade próspera e abundante. O absurdo atingia a dimensão da inconsciência abjecta. O homem na televisão deixara de o ser: era, unicamente, voz. Voz efémera, que desembarcava numa auto-admiração inviolável; voz de catálogo turístico.
As vozes humanas possuem cor, luminosidade, magia, transcendência, grandeza, música, presença física. A voz do homem na televisão era dissimulada, quadrada e cava. Uma mentira instantânea que se repetia sem perdão. Um eco do oco.
Regressei à Condessa Descalça e à memória da frase de Bogart: A ilusão procura sempre dar solidez ao vento. Ia para continuar. Mas o meu espaço é este. Que o homem fique com a sua voz; eu, com a minha repulsa. E por aqui me fecho, como diria mestre Camilo.
B.B.
Etiquetas: José Sócrates, Partido Socialista, Portugal
1 Comments:
DEMITIRAM-SE dois tigres do Circo Chen
Fugiram DOIS MINISTROS
Alguém abriu a porta e os animais aproveitaram para mudar de circo. Os palhaços, os trapezistas, os ilusionistas, os burros, os vampiros e as carraças ainda não fugiram.
Nesta confusão de notícias não se deve manchar o bom-nome e a honra dos artistas de circo:
* Os animais carnívoros não se alimentam dos da mesma espécie e tendo a barriga cheia não fazem mal a uma mosca. Os ministros não.
* Os trapezistas da corda banca não atiram culpas para outros. Quando caem sofrem na pele e assumem a responsabilidade. Os ministros não.
* Os palhaços vestem-se à palhaço. Os ministros não.
* Os palhaços levam a alegria e a felicidade a todo o lado. Os ministros não.
* Onde quer que vá, o circo é sempre bem-vindo e recebe aplausos do povo.
* O Sócrates e os seus ministros onde quer que vão só recebem assobiadelas memoráveis.
Portanto, nada de confusões, circo não é governo!
Pois assobiemos! Abram-se as jaulas aos ministros.
Enchotem-se de volta à selva de onde saíram e onde pertencem.
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