O FUTURO É HOJE
Trinta e quatro anos depois, continuo a viver no refúgio das minhas esperanças. É muito difícil separar-me dessa ideia de comunidade que foi a moral da resistência, e do conceito de que a História caminha no sentido da libertação do homem. Mas também aprendi a não me acomodar a essa espécie de vocação para o desencanto, reduto onde se lastimam homens e mulheres da minha geração e da seguinte. A festa acabou. Vivemos um instante em que protagonizámos um apólogo presumidamente dialogal, porque, na realidade, havia, e sempre houve, dois países, com compromissos inconciliáveis e linguagens opostas. A existência de classes não é uma falácia, embora queiram inculcar a sua ausência a fim de impedir que as julguemos.
A festa acabou. Não terminou, porém, a definição daquilo que possui a faculdade de reavivar o que pretendem fazer-nos esquecer: os sonhos, a teimosia da vontade, a obstinação da esperança. Chamam-lhe utopia, e condenam-na como fautor de destruição do outro e, portanto, de si próprio, em benefício de uma verdade suspeita. A cada um a sua idiossincrasia, as suas possibilidades, a sua área de agir. Pessoalmente, sou incapaz de viver sem palavras, sem livros, sem o ajustamento desses livros e dessas palavras a uma ética que respeite o leitor, para nunca me extraviar do princípio das convicções mútuas.
Apesar de tudo, creio que não há motivos para extensas decepções. Uma releitura do que éramos e do que somos permite verificar as diferenças reais mas, também, as artificiais, registadas na sociedade portuguesa. Desejávamos mais. Esquecêramo-nos, porém, da pesada tutela exercida por uma Igreja extremamente conservadora, que exaltava a tradição e execrava a simples ideia de a questionar; e por uma classe dirigente, composta de cem famílias, que reivindicava privilégios inatacáveis.
O panorama foi muito bem exposto na melhor telenovela portuguesa de sempre: Chuva na Areia, de Luís de Sttau Monteiro, realizada pelo excelente Nuno Teixeira. Seria óptimo que a RTP a reexibisse.
É exacta a afirmação segundo a qual Abril ambicionava fazer da revolução uma máquina social, política e cultural influente. As fragilidades começaram na falta de análise das superestruturas, e no dogmatismo (natural no bulício da época) que contrariou a possibilidade de a "revolução" se compreender a si mesma.
Há um fenómeno que não esgota a claridade emocional eclodida há 34 anos: a renovação de uma bela utopia, revelada no número, cada vez mais elevado, de gente nova, atraída pelos prestígios de uma data feliz.
Venha o que vier, nada justifica o niilismo contido no desencanto. Há uma História que nos pertence, um património moral inesquecível - e um outro país que reaviva o eterno projecto de um outro futuro.
B.B.
A festa acabou. Não terminou, porém, a definição daquilo que possui a faculdade de reavivar o que pretendem fazer-nos esquecer: os sonhos, a teimosia da vontade, a obstinação da esperança. Chamam-lhe utopia, e condenam-na como fautor de destruição do outro e, portanto, de si próprio, em benefício de uma verdade suspeita. A cada um a sua idiossincrasia, as suas possibilidades, a sua área de agir. Pessoalmente, sou incapaz de viver sem palavras, sem livros, sem o ajustamento desses livros e dessas palavras a uma ética que respeite o leitor, para nunca me extraviar do princípio das convicções mútuas.
Apesar de tudo, creio que não há motivos para extensas decepções. Uma releitura do que éramos e do que somos permite verificar as diferenças reais mas, também, as artificiais, registadas na sociedade portuguesa. Desejávamos mais. Esquecêramo-nos, porém, da pesada tutela exercida por uma Igreja extremamente conservadora, que exaltava a tradição e execrava a simples ideia de a questionar; e por uma classe dirigente, composta de cem famílias, que reivindicava privilégios inatacáveis.
O panorama foi muito bem exposto na melhor telenovela portuguesa de sempre: Chuva na Areia, de Luís de Sttau Monteiro, realizada pelo excelente Nuno Teixeira. Seria óptimo que a RTP a reexibisse.
É exacta a afirmação segundo a qual Abril ambicionava fazer da revolução uma máquina social, política e cultural influente. As fragilidades começaram na falta de análise das superestruturas, e no dogmatismo (natural no bulício da época) que contrariou a possibilidade de a "revolução" se compreender a si mesma.
Há um fenómeno que não esgota a claridade emocional eclodida há 34 anos: a renovação de uma bela utopia, revelada no número, cada vez mais elevado, de gente nova, atraída pelos prestígios de uma data feliz.
Venha o que vier, nada justifica o niilismo contido no desencanto. Há uma História que nos pertence, um património moral inesquecível - e um outro país que reaviva o eterno projecto de um outro futuro.
B.B.
Etiquetas: 25 de Abril, Liberdade, Portugal
4 Comments:
Comemorar com uma mentira
José Sócrates considera que a aprovação parlamentar (sem referendo) do Tratado de Lisboa, na ante-véspera do 25 de Abril, “é uma forma particularmente feliz de assinalar a revolução democrática”. A mim parece-me que comemorar a democracia com o não cumprimento de uma promessa eleitoral é a pior homenagem que se pode fazer à democracia. Ainda mais se essa promessa era a de dar o voto aos portugueses.
Meu amor:
Falaste-me de Abril.
Que te direi…
Apenas que sonhei!
Ai Abril, Abril
Sabes, nesse dia, eu, com apenas onze anos, cheguei a casa, vinha da escola, e lembro-me, num velho armário de tábuas de pinho estava um pequeno rádio, transístor, que naquela altura ainda soava a novidade, um pequeno rádio que lembro como se fora hoje: plástico laranja por trás, metalizado prata á volta, e negro pela frente.
Tocava músicas marciais. Minha mãe disse-me: houve uma revolução em Lisboa!
Revoluções, eu conhecia da história. Eram feitos heróicos sempre a bem do povo. Eu queria o bem do povo, e gostava da história heróica que me contavam.
Ai meu amor! Eu estava com a história!
“Aqui comando geral do movimento das Forças Armadas…”
Algo que começara às três da manhã só as sete da tarde eu sabia. Tanto que eu não sabia!
Foi o mundo que se abriu! Foi o saber que aqueles que me ensinaram a venerar não passavam de ditadores! Gente que não deixava pensar, que não deixava ser, que não deixava amar!
“Vi abrir-se a minha terra/ como um cravo de ternura…”
Acreditava-se! Acreditava-se na felicidade, acreditava-se na liberdade.
Eu, nos meus onze anos, eu que sempre vira a fraternidade e a solidariedade como grandes valores, percebi que havia gente que engordava á custa de outros que da miséria faziam o seu dia-a-dia.
Percebi que nem todos os homens tinham a mesma justiça, percebi que muitos não estavam com as suas famílias, seus pais, suas mães, porque um estranho poder não deixava.
Ai, meu amor! Quanto me deram para sonhar em Abril! Deram-me amor, esperança, ódio, raiva, revolta e coragem! Tanto sentimento contraditório!
Deram-me a democracia e disseram-me que todas as pessoas são iguais em direitos e deveres! E eu acreditei! Eu acreditei!
Disseram-me que os homens e as mulheres eram pessoas! Que nenhum tinha prevalência sobre o outro, e eu acreditei.
E de tudo isso fiz a minha batalha, a minha luta, a minha honra!
Juntei-me aos mais velhos que me contavam as histórias da repressão, ouvi-os. Quis continuar a luta contra os “alguns” privilegiados e sonhei o mundo perfeito.
Quanta desilusão, amor. Quanta desilusão!
Acreditei que cada um poderia ter mais importância quanto mais desse ao seu povo.
Acreditei que conhecer o crescimento do povo era mais importante. Desilusão!
Não enriqueci, não pilhei, não roubei! Não fiz nada por mim!
Acreditei na cultura, na história, na filosofia! Mas acreditei mais na poesia, no romance…
Perdia vida!
Ai, amor!
Falar de Abril!
Perdi-lhe o significado! Os vampiros andam por ai! Os caciques, escapam da justiça, o povo continua arreigado ás suas crenças e á sua ignorância. Cada um vota no seu umbigo e não num ideal.
Ai, Abril, amor!
Que sonho que passou, que não há mais nessa bola colorida entre as mãos de uma criança.
“Só há liberdade a sério quando houver
A paz, o pão, habitação, saúde, educação.
Só há liberdade a sério quando houver
Liberdade de mudar e decidir
Quando pertencer ao povo o que o povo produzir”
Entretanto temos os vampiros.
Entretanto temos os pesadelos de não saber se amanhã temos pão
De saber se amanhã não teremos que queimar os nossos livros
Ai meu amor, Abril deu-me esperança e deu-me mágoa.
Deu-me liberdade de amar, mas roubou-me o direito de amar.
Abril colorido de flores, de vermelhos cravos.
Numa pomba e num ramo de oliveira te quero dar a guerra!
Contra a ignorância, contra a pequenez de espírito, contra o analfabetismo.
Em suma contra todo o campo de batalha em que o povo continua reduzido e escravo a bem de alguns.
VIVE ABRIL.
O primeiro-ministro abriu hoje a sessão plenária que ratificará o Tratado de Lisboa na Assembleia da República, vincando que existe “um grande consenso político e social em torno do Tratado de Lisboa”.
Sublinhando que o Tratado de Lisboa “é uma vitória da Europa”, da sua “visão política”, dos seus “valores”, da sua “abertura” ao mundo, José Sócrates sublinhou que o Tratado de Lisboa “foi concluído e assinado durante a presidência portuguesa” da União Europeia.
“Se estamos hoje a aprovar o novo Tratado de Lisboa, e a não crise europeia, devemo-lo também ao facto de Portugal e a diplomacia portuguesa terem sabido estar à altura das suas responsabilidades e terem sabido ser, no momento certo, ambiciosos, determinados e competentes”, afirmou, congratulando-se com o facto de a ratificação parlamentar se realizar na antevéspera do 25 de Abril. “É uma forma particularmente feliz de comemorar a revolução democrática!”, vincou.
Este é mais um momento alto da era Sócrates.
Com a veia reformista que todos lhe reconhecemos, refunda o conceito de “grande consenso político e social”, que agora é qualquer coisa que não é debatida e matéria sobre a qual o povo não deve manifestar-se.
Depois, aproveitando o balanço da oratória, ao seu estilo “I Love Myself”, guia-nos pelos trilhos de uma glória europeia construída graças à sua visão política, valores, abertura ao mundo, habilidade, ambição, oportunidade, competência, determinação e ambição. A europeia e a sua.
Confundem-se. E o 25 de Abril cai que nem ginjas no final da verborreia, apesar de haver quem se lembre que o 25 de Abril nasceu precisamente do cansaço de uma outra mordaça que também gerava grandes consensos políticos e sociais.
Mas Sócrates identifica-os, gente “presa a preconceitos” que, assim, também couberam no discurso.
Os outros bateram palmas, enquanto a verdade histórica dançava com o consenso, bem longe dali.
Que festarola!
A Assembleia da Republica aprovou, com os votos a favor do PS, PSD e CDS aprovou o Tratado de Lisboa que deverá ser agora ratificado pelo Sr. Silva em Belém.
Um dia triste para a democracia e para Portugal. Este acto de “traição” destes “Migueis de Vasconcelos” do século XXI, que oferecem muita da nossa soberania à revelia da opinião dos portugueses, a quem não deram a possibilidade de se manifestar.
Só um pequeno reparo a três afirmações do “Judas” mor de toda esta história.
A primeira ao associar esta votação ao 25 de Abril e para lhe dizer que pelo menos tenha o decoro de não nos ofender ainda mais do que aquilo que tem feito.
Não foi, certamente, para perdermos os nossos direitos de soberania que foi feito o 25 de Abril.
O segundo, para mostrar mais uma hipocrisia deste Engenheiro ao afirmar que agora os portugueses já apoiam esta forma de ratificação do tratado porque já o entendem.
Como pode dizer isso se em todo este tempo o tratado não foi discutido nem debatido em público e, há alguns meses, foi exactamente a complexidade (que lhe colocaram propositadamente para o tornar quase ilegível ao comum dos mortais), o argumento para justificar a não realização do referendo. E como se pode arrogar o direito de dizer o que os portugueses querem ou não querem sem lhes perguntar?
Esse discurso já o ouvi muitas vezes no tempo da “outra Senhora” em que sempre nos diziam o que podíamos e devíamos pensar.
O terceiro e talvez o mais importante é a legitimidade de que arroga esse Engenheiro de ratificar o tratado na AR, baseando-se na premissa de os deputados serem os representantes dos cidadãos. Efectivamente representam os cidadãos que votaram naquilo que foi dito antes das eleições, quando o PS criticava e dizia as suas alternativas às políticas Barrosoistas e Santanistas. Representam os cidadãos que votaram nas promessas feitas na campanha eleitoral.
Quando utilizam esses votos para fazer exactamente o contrário daquilo que prometeram, os deputados perdem toda a legitimidade.
Prometeram um referendo e isso força a que toda a legitimidade só possa estar na sua realização. Prometeram baixar os impostos, mas encontraram uma situação económica muito mais grave do quer tinham imaginado.
A única solução legítima seria a de dizerem que não tinham condições para governar de acordo com o que tinham prometido e demitirem-se. Como canta o Rui Veloso, “o prometido é devido”.
Nesta época em que reinam, em que a história está a ser escrita por estes servos do poder, são cantados como grandes governantes e grandes heróis deste país.
Mas a verdade vem sempre ao de cima e um dia a história os há-de colocar no lugar que merecem, escondidos dentro de um armário antes de serem descobertos e defenestrados.
Condes de Andeiro e Miguéis de Vasconcelos já tivemos que baste neste país.
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