sábado, 19 de abril de 2008

"SES"

De como não tenho óculos que permitam notar, na presente crise, a dimensão oculta da verdade


Vejo Menezes a ser entrevistado pelo Mário Crespo. Leio no Expresso que Cavaco prefere Rui Rio. Dizem que Manuela Ferreira Leite espera pelo autarca do Porto. Que José Miguel Júdice observou que Rio é mau por causa do túnel de Ceuta, preferindo Aguiar Branco, o tal que Jardim teme por ser da grande burguesia do Porto, donde, aliás, terá vindo Francisco Sá Carneiro. Prefiro acreditar no Menezes e no choque psicológico que representou a festa dos oitenta anos da sua mãe, interrompida pelo voyeurismo de certa comunicação social. Prefiro acreditar que o autarca de Gaia é um gajo porreiro, um homem comum, apaixonado, sempre entre o tudo e o seu nada, odiando a sociedade de corte, que ele qualifica como um bando dos mandantes do centralismo.
Infelizmente, reparo que muitos dos que se identificam com a atitude de Menezes, no repúdio dos métodos da politiqueirice, são, agora, tentados a dizer que ele demonstrou não ter jeito para a pulhítica, e que até já sabia onde se iria meter. Apenas acrescento que, nesta encruzilhada, são tantos os ses que a análise corre o risco de não ser capaz de ver o objecto à distância.
Porque ainda não sabemos qual a verdadeira causa da demissão de Luís Filipe. Se foi mesmo uma questão privada, ou íntima. Se foi mesmo porque sentiu direito ao nojo no p'ra mim chega. Se foi mera manobra de maquiavelismo à moda do Norte, para uma posterior vaga de fundo, ou de preparação da candidatura de Pedro, o tal que tão bem sabe encenar ou que em Menezes me parece genuíno.
E os ses prosseguem quanto à eventual alternativa. Se Menezes vai acabar por recandidatar-se. Se Manuela deixa mesmo de ser um D. Sebastião de saias. Se o Rui Rio vai mesmo à luta. Se o Marcelo salta para a garupa do cavalo de poder. Se Pacheco Pereira concretiza em militância o seu corajoso pensamento.
Apenas acrescento o que tenho repetido: PSD e PS são as duas faces da esquerda moderna do Bloco Central que a direita dos interesses vai manipulando, nas teias da sociedade de corte que marca o ritmo da nossa decadência, onde abundam dossiers sobre a vida privada dos principais protagonistas da política profissional que eventualmente podem ser reabertos pelos grandes patrões da comunicação social, onde falta um Berlusconi enxertado em populismo, com o apoio dos pós-fascistas, mas onde falta uma neta de Salazar ou um césar que case com uma Carla Bruni.
Reparo também que os melhores líderes predadores dos nossos PS e PSD emergiram sempre em tempo de vésperas. De Cavaco a rodar o carro a caminho da Figueira da Foz, ou de Sócrates a chegar depois de Ferro Rodrigues. De Barroso a espreitar depois de Nogueira, ou de Guterres a aproveitar o desastre de Sampaio. Quem sempre fica são os Zeca Mendonça, as bases e os jotas, porque os mandantes continuam a querer uma direita que convenha à esquerda, bem como uma esquerda que convenha à direita, para se confirmar o sistema de mandantes, isto é, do que parte e reparte e fica sempre com a melhor parte, quando o jogo precisava de um new deal.
Hoje é o tempo dos senhores Silvas que são do olhanense e querem jogar no boavista. Tal como a política corre o risco de ser marcada pelos discursos de Pinto da Costa e dos jogos imaginativos dos palradores que preparam a substituição do Luís Filipe Vieira, onde, afinal, se fica a saber que o acordo na avaliação dos professores resultou de uma conversa de Carvalho da Silva junto do ministro do trabalho, com o presidente a apadrinhar, à imagem e semelhança do que pode acontecer com o regulamento da Concordata, quando o reitor da Universidade Católica, nas jornadas parlamentares do CDS, reclama tratamento igual ao que o Estado dá à correia sindical do PCP.
Neste sentido, o epifenómeno Menezes é sintomático. A crise é o normal dos anormais da presente infuncionalidade dos nossos principais e pequenos partidos. A actual crise apenas revela, sem mantos diáfanos da ilusão, a verdade da decadência, onde um qualquer senhor Silva pode levar-nos a confundir D. Sebastião com uma mala cheia de dinheiro fresco.
Apenas concluo com aquela eterna observação de Hegel: é nos momentos de crepúsculo que costuma levantar voo a ave da sabedoria. Já foi nos piores momentos da polis ateniense que surgiram as reflexões de Sócrates, Platão e Aristóteles, tal como foi pouco antes de Alcácer-Quibir que Camões e Fernão Mendes Pinto puseram os lusíadas em peregrinação.
Aconselho a todos que mergulhem no pensamento ou que exercitem a criatividade que um empregado de uma agência de publicidade nos legou diante de um interregno psicologicamente semelhante ao dos tempos que passam. Voltem a ler os textos de Pessoa, desliguem a televisão, reparem que, na noite de quinta-feira, Lisboa sofreu a maior chuvada desde 1864, e vão até à barra do Tejo ver nesgas de sol que rompem o nevoeiro. A ave da sabedoria pode transformar-se em esperança, quando nascer um novo dia. Bom fim de semana!


JAM

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1 Comments:

At 20 de abril de 2008 às 01:42, Blogger miguel said...

Um texto muito bem escrito, só pecando por um ponto de vista um quanto ou nada já estigmático dos nossos dias. Pois todo ele é um esteirar de ideias, onde, se retira uma conclusão que de certo modo periclita nos intervenientes directos da democracia de um país, como o nosso, claro.
Visto que, a falácia e busca incessante de poder é tal, que não importa as consequências, que independentemente os portugueses venham a sofrer. Demonstrando assim o estado gotoso e de descrédito por toda a politica nacional, sendo este o fruto do intento de muitas pessoas querer ser gondoleiro e nunca terem ido a Veneza, em que a permuta no check-in do aeroporto é tal, que ainda parte o avião em piloto automático sem tripulação e passageiros....

 

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