sexta-feira, 9 de maio de 2008

A DEMOCRACIA AVARIADA

A democracia portuguesa é das piores da Europa.
A informação resultou de um estudo da organização britânica DEMOS, forneceu manchete ao Diário de Notícias e diz-nos que Portugal está em 21.º lugar numa lista de 25 Estados membros da União.
Somos, enfim, uma desgraça democrática.
Poucos ficaram surpreendidos.
Sócrates, não: está firmemente convencido de que vivemos no melhor dos mundos, cívica, social, educacional, política e juridicamente falando.

Pelo menos é o que, constantemente nos quer fazer crer.

Não há democracia sem educação e sem convicções democráticas.
E a esmagadora maioria daqueles que nos têm governado não foi dotada desses atributos, nem procurou obtê-los.
Para essa gente, o exercício da política tinha e tem como objectivo a organização da vidinha.
Os exemplos são tão numerosos que quase se tornaram razão sem argumento.
A nossa época é dominada por uma fraca noção da realidade.
O mediatismo e os desenvolvimentos do virtual e do numérico alteraram, completamente, a interpretação dos fenómenos e criaram uma classe que nos aparece desprovida de todas as determinações, movendo-se num vazio absoluto.

O mundo mudou.
Portugal, desta vez, não escapou ao vendaval.
Não são, apenas, os comportamentos que se modificaram, criando, acaso, uma nova ética e uma outra estética.
A acção cultural é outra.
As exigências políticas são, eventualmente, mais altas.
Pessoalmente, há muitos anos que entendi isso.
Numa entrevista que dei à antiga revista Ler, do Círculo de Leitores, afirmava, sem desânimo, nem a menor nostalgia: O meu mundo morreu.
Ainda bem: o meu mundo estava condicionado por um pensamento ultrapassado e por uma máquina trituradora absolutamente implacável.
A minha geração e as que a antecederam fizeram o que era preciso fazer para acabar com o salazarismo.
Ponto final.
Agora, a História é outra.
Repito: ainda bem.
E não entro no coro de carpideiras que entoam lúgubres cânticos ao passado e ferozes acrimónias aos mais jovens.
Se a democracia portuguesa é o que é não culpem os outros pelo mal que lhes fizeram.
A parte de responsabilidade que nos cabe deve ser admitida sem reservas nem lamúrias.
Porque, na verdade, alguma coisa de muito bem feito foi realizado.

Cavaco Silva, desconhecedor, ainda não há muito, de que Os Lusíadas são compostos de dez cantos, lamentou-se, no discurso do 25 de Abril, do alheamento político e da ignorância cultural da juventude. Não é o melhor juiz desta causa.
Quando primeiro-ministro foi, ideologicamente, culpado do esvaziamento ideológico (inclusive no seu próprio partido) e de uma gestão da coisa pública dominada por uma total ausência de sensibilidade social.
É a década da inocuidade e de uma certa perda da identidade constitutiva da democracia.
Não há que fugir à evidência.
Os mais novos possuem outras prioridades e densas preocupações.

Eu próprio, muito novo, conheci antigos soldados gazeados da Primeira Grande Guerra.
Era pavoroso observá-los: respiração arfante e dificultosa, olhos desorbitados, movimentos pausados e dolorosos.
Alguma coisa eu devia àqueles homens.
Mas a verdade é que pouco me interessava por aquela guerra e passava ao lado da efeméride que a assinalava.
Sabia que a guerra existira. Isso me bastava.
Sentimentos semelhantes ocorrem agora; embora muitos mais jovens se interessem pelo 25 de Abril do que os da geração a que pertenço.
A relativização histórica não é ultrajante nem perturbadora.
Perturbadora, isso sim, é a crise política porque traduz uma crise da realidade.

E essa crise não atinge, somente, o PSD, nascido de ambiguidades várias, entre as quais a absoluta carência de ideologia. Luís Filipe Menezes foi a vítima sequencial dessa lista de líderes devorados pelas ilusões momentâneas.
A barafunda é de tal ordem que uma nulidade como Pedro Santana Lopes ressuscita das cinzas numa patética demonstração de ligeireza e de desconsideração pelos outros.
E Manuela Ferreira Leite aparece como uma espécie de objectora de consciência do PSD.
Transfere-se a palavra para a imagem, mas a imagem não é de molde a criar empatias.
E a palavra é por de mais repetitiva para abrir novos caminhos discursivos a um partido sem doutrina, sem programa definido, sem ideologia, glacial e distante.

Claro que não é com esta gente que a juventude se identifica. E a própria evidente circunstância de Manuela Ferreira Leite ir ganhar a presidência do PSD põe em causa a própria natureza do projecto.
Que fez a senhora de notável, quando no exercícios de altas funções governamentais?
Nada.
Pior: de um modo impermanente, incerto e frágil aumentou os nossos problemas nos sectores de que foi responsável.
Perante o cenário, que exigências poderemos fazer aos mais novos?

Andamos, há muitos anos, a viver de realidades cada vez mais virtuais, sem afeição recíproca, afastadas das pessoas, e criando modos de existir não coincidentes uns com os outros.
A ideia de comunidade foi aniquilada, e o conceito de sociedade sofreu um desvio falho de determinações e, por isso, fatal.
Que nos resta?
Tentar compreender os sinais das novas gerações.


B.B.

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2 Comments:

At 10 de maio de 2008 às 00:41, Anonymous Anónimo said...

O bom entrevistador é aquele que consegue pôr o entrevistado a dizer o que o jornalista quer que ele diga. Judite de Sousa é uma excelente jornalista e a entrevista que hoje fez a Manuela Ferreira Leite na RTP1 foi das melhores que já vi na televisão portuguesa. Só me lembro de uma outra feita a Cavaco Silva por Constança Cunha e Sá na TVI.

Manuela Ferreira Leite foi bem "apertada". A nossa dama de ferro acabou por mostrar bastantes partes já enferrujadas. Gaguejou, ficou sem argumentos e por pouco não mostrava a sua arrogância de pacotilha. Corou, engoliu em seco e ainda arriscou o habitual " não sei o que quer dizer com essa pergunta!".

Ficámos a saber definitivamente que Leite não tem uma ideia para o país. usa frases soltas e ideias feitas, sente-se mais à vontade a falar de economia ( onde é que já vimos isto?), foge às questões, não tem frontalidade para falar dos seus concorrentes, meteu os pés pelas mãos quando lhe perguntaram porque não tinha então apoiado Marques Mendes. Quis não falar do passado mas afinal, muito bem lembrado por Judite, ela era muito desse passado.

A grande diferença de Leite em relação a Sócrates é que " eu nunca mentiria ao eleitorado". Mas Judite lembrou-lhe que também ela prometera não aumentar impostos e aumentou o IVA e outros. Mas foi a própria Leite ( pasme-se!!) que veio agora dizer que criou um monstro chamado IMI que está a desgraçar as famílias de rendimentos mais baixos mas ( claro!!!) a culpa era de Sócrates que devia ter já rectificado o imposto.

Depois argumentou que ela tinha tomado medidas violentas nas finanças porque tinha sido pressionada pela Europa. Mas ela em dois anos, mesmo pressionada, não fez o que fez Sócrates em 3 anos ( não pressionado).

Judite lembrou-lhe que ela tem sido uma admiradora de Sócrates nos seus comentários semanais na Renascença. Tem-se mostrado de acordo com o governo na Saúde, na educação e nas finanças. E quer ser alternativa ao PS. Como ? Pondo mais privados a fazer o trabalho do Estado- diz ela. Portanto: mais neo-liberalismo. Já não chega o que temos.

Ainda balbuciou que há um exagero no zelo das finanças mas foi ela que inventou aquele director-geral que teve a inteligência básica para instituir um programa informático de caça aos contribuintes, faltosos, cumpridores e menos cumpridores. Mas agora reconhece o erro. Portanto tivemos uma ministra errática que apoia Sócrates mas quer ser primeira ministra da Nação.
Depois a sua relação política com o PR também não lhe interessa nada e vem com uma candura dizer que está preocupada com as pequenas e médias empresas. Está? Oh doutora ! O neo-liberalismo que começou por aplicar no governo de Durão vai resolver isso! Os portugueses podem ter memória curta, esperemos que não sejam mesmo broncos para embarcarem neste embuste eleitoral.

Já temos um professor de economia em Belém, já não precisamos de uma contabilista em S. Bento.

 
At 12 de maio de 2008 às 18:38, Anonymous Anónimo said...

Mais do mesmo!!! não obrigado.

 

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