sexta-feira, 9 de maio de 2008

É ESTE O PAÍS QUE TEMOS?

Estava eu a ler o jornal quando dei com uma notícia estranha, tão estranha que a li uma segunda vez para ver se não me tinha enganado.
Mas não, de facto era tal e qual a li da primeira vez: o Tribunal de Contas multou os partidos políticos em mais de trezentos mil euros.
Como o que faz o Tribunal é julgar em face da lei e como quem faz a lei são os partidos, quer dizer que os partidos andam a fazer leis que não são capazes de cumprir.
Isto coloca então uma questão interessante: por que razão fazem os partidos leis que os fazem pagar as malditas multas?
Foi ao ponderar esta questão que me lembrei (e revi) no livro de Kucich sobre a sociedade britânica colonial do século XIX, quando o autor relacionava a política imperial com as classes sociais e a hierarquia social. Para este autor merece particular atenção a complexidade da hierarquia social e as tensões sociais que aí se desenvolvem e as implicações que daqui resultam para a formação da identidade social, com as múltiplas características e facetas que a definem.
Não pretende Kucich com isto dizer que as identidades social ou imperial devem ser explicadas por uma disciplina de psicologia colectiva, mas sim que há elementos com paralelo na psicologia que conhecemos que ajudam a compreender e descrever o discurso e a práxis social da Grã-Bretanha de finais do século XIX, tese que aliás sustenta no seu livro Imperial Masochism.

Preparava-me eu para aprofundar a matéria quando me dei conta de que já as minhas ilustres colegas argentinas Eva Cinada e Eva Porosa, da Universidad Datanga, já a tinham estudado longamente, trabalho que deram a conhecer no seu magistral livro Kiss Me or Kick Me: Social Institutions in Tomorrow’s World.
Dizem as Evas que também nas organizações sociais em qualquer país as tensões sociais internas e externas que se acumulam podem levar a desvios ou patologias sociais semelhantes aos que conhecemos da Psicologia para os indivíduos.

A aplicação dos trabalhos destas minhas colegas ao nosso caso concreto é muito simples: na sociedade portuguesa de hoje os partidos políticos sentem o descrédito e a desconfiança de que são alvo por parte do cidadão comum e, incapazes de reconquistar essa confiança, estão progressivamente a desenvolver uma patologia social que lhes permite racionalizar e compensar: o masoquismo social.
Com efeito, o masoquismo social e a vitimização que se lhe segue são um mecanismo que constitui factor de aproximação social na sociedade portuguesa de hoje – uma sociedade dos coitadinhos, entre os modelos de sociedade tipificados pelas Evas.
Os nossos partidos esperam, pois, ao serem castigados por terceiros (neste caso, o Tribunal de Contas), captar a simpatia dos cidadãos eleitores, que assim já não sentem necessidade de os castigar – pelo contrário, apelam até ao instinto de defesa dos fracos.

Por outro lado, o Tribunal de Contas, ao punir deliberadamente e com violência e publicidade a torto e a direito, enquadra-se no que as nossas Evas designam de uma organização social sádica.
Isto revela, pois, uma faceta da organização social, política e administrativa do Portugal de hoje: o seu sadomasoquismo social.
Uns gostam de ser repreendidos e castigados, outros estão muito felizes com o papel de agentes vingadores, castigando os prevaricadores.

Não pensem, meus queridos leitores, que isto de vivermos numa sociedade sádicomasoquista é mau e que nos devemos preocupar.
O que nos deve preocupar é outra coisa, que as Evas bem documentam com evidência histórica: é que qualquer organização social masoquista numa sociedade sadomasoquista, na ausência de qualquer facto externo que o contrarie, evolui inexoravelmente para uma organização social esquizofrénica e os nossos partidos políticos já começam a dar sinais disto.


F.B.

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3 Comments:

At 9 de maio de 2008 às 19:56, Anonymous Anónimo said...

Os jovens não querem saber da política e dos políticos?

Esta foi a preocupação de Cavaco Silva no seu discurso do dia 25 de Abril, em que não usou o tradicional cravo na lapela mas tinha uma gravata vermelha, uma moda dos nossos políticos da direita que julgam que lhes basta uma gravata para conquistarem o coração à esquerda.

Confesso que ainda não entendi bem esta preocupação de Cavaco Silva, nas várias biografias do Presidente da República nunca dei por qualquer posição política anterior à sua chegada ao governo, que se saiba andou pelas escolas e por África sem que se tenha registado uma posição política sua, poderá ter feito algumas afirmações em família ou em privado, mas isso não são posições políticas, são desabafos.

Enquanto Cavaco cuidou do seu sucesso enquanto estudante houve outros que puseram em risco o seu futuro para protestarem contra a ditadura. E enquanto estudante de economia Cavaco Silva nunca poderia dizer que não entendia o mundo que o rodeava. Ora, muitos dos jovens de hoje fazem o que Cavaco Silva fez quando era jovem, mas por razões diferentes, no tempo da ditadura havia motivo para detestar os políticos do governo e alguns preferiram o silêncio, hoje temos democracia porque em Abril houveram jovens que tiveram coragem.

A minha geração, como a de Cavaco Silva, pensou que podia mudar o mundo, sonhou que era possível um Portugal melhor, ainda em ditadura ou já numa democracia quase total foram muito, senão mesmo quase todos, os que deram largas à sua juventude, recusaram-se a ser comedidos ou mesmo cobardes, foram generosos ao porem tudo à frente dos seus interesses pessoais.

Não estranho que os jovens de hoje se preocupem menos com política, vivem em democracia e muitas das causas que abraçam não passam necessariamente pelos partidos políticos, passam por movimentos ambientalistas, por ONGs e muitas outras iniciativas. Mesmo nos partidos políticos há organizações de jovens extremamente activas, veja-se a JC ou mesmo o BE que em grande medida é um partido de jovens, ainda que o Louça já seja um pouco entradote.

Provavelmente há hoje mais jovens empenhados em causas colectivas do que no tempo de Cavaco Silva ou no meu, até diria que as novas gerações são tão activas e corajosas do que as que ajudaram a nascer a democracia. Acima de tudo e mais importante do que o seu empenho político os jovens de hoje estão mais satisfeitos do que aqueles que tinham como horizonte próximo o exílio ou uma partida para África.

Basta olhar para as palavras de ordem do Maio de 68 para percebermos que quase tudo o que os estudantes franceses exigiram os nossos jovens têm muito antes de chegar às universidades.
Sugiro a leitura dessas palavras de ordem que traduzem as exigências dos jovens de 68 para conferir quantos desejos estão por cumprir.

Se os jovens de hoje seguissem o exemplo de Cavaco Silva só se meteriam na política aos quarenta anos e na condição de serem ministros. Felizmente são muito mais generosos do que isso.

 
At 9 de maio de 2008 às 20:00, Anonymous Anónimo said...

slogans d0 Maio de 1968, (Parte I):

# À bas la charogne stalinienne
# À bas les groupuscules récupérateurs
Rue d'Ulm
# À bas la société de consommation.
# À bas la société spectaculaire-marchande.
# À bas le crapaud de Nazareth
Sorbonne
# À bas le réalisme socialiste. Vive le surréalisme.
Condorcet
# À bas les journalistes et ceux qui veulent les ménager
Sorbonne, hall grand amphi.
# À bas l'État.
# À bas le sommaire
Vive l'éphémère
Jeunesse Marxiste Pessimiste
Vive l'Association Internationale des Travailleurs
Sorbonne
# À bas le vieux monde
"Je me souviens de cette inscription qu'on avait mise sur le mur de la poste de la rue des Archives: `À bas le vieux monde !', je la regardais et je croyais que le vieux monde allait disparaître parce qu'on l'avait écrit. On avait une idée biblique de la parole !" (Alexandre, cité par Nicolas Daum, Des révolutionnaires dans un village parisien, Londreys, Paris, 1988, p. 111).
# À bas l'objectivité parlementaire des groupuscules. L'intelligence est du côté de la bourgeoisie. La créativité est du côté des masses. Ne votez plus.
Sorbonne
# Abolition de l'aliénation.
# Abolition de la société des classes.
# L'aboutissement de toute pensée, c'est le pavé dans ta gueule, C.R.S.
Rue de Rennes
# L'action ne doit pas être une réaction mais une création
Censier
# L'action permet de surmonter les divisions et de trouver des solutions.
# L'âge d'or était l'âge où l'or ne régnait pas. Le veau d'or est toujours de boue.
Odéon, foyer
# L'agresseur n'est pas celui qui se révolte mais celui qui affirme
Nanterre
# L'agresseur n'est pas celui qui se révolte mais celui qui réprime
Rue Saint-Jacques
# Aimez-vous les uns sur les autres
Censier
# L'alcool tue. Prenez du L.S.D.
# "Amnistie : acte par lequel les souverains pardonnent le plus souvent les injustices qu'ils ont commises." (Ambrose Bierce)
[La définition dans le Devil's Dictionary de Bierce est plus précisément : "magnanimité de l'État envers les contrevenants qu'il serait trop coûteux de punir".]
# L'anarchie c'est Je
Nanterre, entrée côté A1
# L'aptitude de l'étudiant à faire un militant de tout acabit en dit long sur son impuissance. -Les filles enragées.
# Les armes de la critique passent par la critique des armes
Odéon, rue Rotrou
# Arrêtez le monde, je veux descendre
Cité ici par le Garde-mots; certains attribuent cette phrase à Obaldia.
# L'art est mort. Godard n'y pourra rien.
Sorbonne
# L'art est mort, libérons notre vie quotidienne.
# L'art est mort, ne consommez pas son cadavre.
# Attention : les arrivistes et les ambitieux peuvent se travestir en "socialards".
# Attention les cons nous cernent. Ne nous attardons pas au spectacle de la contestation, mais passons à la contestation du spectacle.
Odéon
# "Au grand scandale des uns, sous l'oeil à peine moins sévère des autres, soulevant son poids d'ailes, ta liberté."
André Breton, "Ode à Charles Fourier", Salle C20, Nanterre
# Autogestion de la vie quotidienne
Place du Panthéon
# Autrefois, nous n'avions que le pavot. Aujourd'hui, le pavé.
Nanterre
# Avant donc que d'écrire, apprenez à penser.
# À vendre, veste en cuir spéciale manifestation, garantie anti-CRS, grande taille, prix 100 F
Nanterre
# Ayez des idées
Faculté de droit du Panthéon
# Baisez-vous les uns les autres sinon ils vous baiseront
Sorbonne, hall Richelieu
# Bannissons les applaudissements, le spectacle est partout.
# La barricade ferme la rue mais ouvre la voie
Place Saint-Michel et/ou Nanterre, amphi musique
# Le bâton éduque l'indifférence
Sorbonne (certaines sources mentionnent "béton" et non "bâton"; "béton" me semble moins compréhensible)
# Belle, peut-être pas, mais ô combien charmant. La vie contre la survie.
# Bien creusé vieille taupe
Rue de la Montagne-Sainte-Geneviève
# Le bleu restera gris tant qu'il n'aura pas été réinventé
Nanterre
# Le bonheur est une idée neuve.
# Un bon maître nous en aurons dès que chacun sera le sien
Hall Sc. Po.
# La bourgeoisie n'a pas d'autre plaisir que de les dégrader tous
Assas
# Cache-toi, objet
Sorbonne, hall Richelieu
# Camarades, 5 heures de sommeil sur 24 sont indispensables : nous comptons sur vous pour la révolution.
# Camarades, l'amour se fait aussi à Sc. Po., pas seulement aux champs
Sciences Po
# Camarades, lynchons Séguy !
# Camarades, si tout le peuple faisait comme nous...
# Camarades, vous enculez les mouches
Nanterre, amphi. musique
# Céder un peu c'est capituler beaucoup
Beaux-Arts
# Celui qui peut attribuer un chiffre à une (é)motion est un con
Sorbonne
# Ce n'est pas seulement la raison des millénaires qui éclate en nous, mais leur folie, il est dangereux d'être héritier
Nanterre
# C'est en arrêtant nos machines dans l'unité que nous démontrons leur faiblesse.
Rue de Seine
# "C'est parce que la propriété existe qu'il y a des guerres, des émeutes et des injustices." (Saint Augustin)
# C'est pas fini !
Boulevard Saint-Michel
# Ceux qui ferment les portes à clé sont des froussards donc des ennemis
Censier
# Ceux qui font les révolutions à moitié ne font que se creuser un tombeau.
# Ceux qui parlent de révolution et de lutte des classes sans se référer à la réalité quotidienne parlent avec un cadavre dans la bouche
Lycée Henri IV
# Changez la vie, donc transformez son mode d'emploi
Odéon, rue Rotrou
# Chassez le flic de votre tête.
# Le Christ seul révolutionnaire
Sorbonne

 
At 10 de maio de 2008 às 00:26, Anonymous Anónimo said...

Portugal mais Socialista:

O país foi retalhado em novas áreas administrativas (novos distritos?) de forma a que num futuro próximo se venham a criar NOVOS CÍRCULOS ELEITORAIS favorecendo a eleição de deputados dos 2 partidos maioritários: PS e PSD.

O primeiro concelho a protestar é o de MORA visto que foi anexado a Portalegre quando as populações locais serão sempre melhor servidas por Évora. Por outro lado há concelhos mais perto de Portalegre que ficaram anexados a Évora, caso do concelho de Sousel. Observa também a influência que esta "troca" produz nos resultados eleitorais daquelas 2 áreas administrativas...

Mas há mais casos por esse país, no Minho, na Beira interior, no Alentejo litoral, etc... e sobretudo na área Norte da Grande Lisboa!!!

 

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