Teixeira dos Santos mostrou-se ontem surpreendido com a duração da instabilidade dos mercados financeiros, dizendo que fomos ”todos“ apanhados de surpresa. Percebe-se, agora, a fonte de inspiração para as intervenções de José Sócatres sobre o “pessimismo militante” e o “bota-abaixismo” da oposição. Anda a levar a sério os relatórios do seu espantado e pouco informado ministro, o único a ficar surpreendido com os desenvolvimentos de uma crise mais que anunciada.
Duas décadas de crise e estagnação? As autoridades norte-americanas seguem as europeias, nomeadamente o Banco Central Europeu, no empréstimo de avultadas somas de dinheiro fresco às instituições financeiras em dificuldade.
Depois de um assomo de firmeza com a não intervenção na falência do banco de investimento Lehman Brothers, ontem, 16-9-2008, à noite o banco central americano FED, como o acordo do secretário do Tesouro Paulson e a benção do presidente Bush, emprestou à seguradora AIG 85 mil milhões* de dólares em troca de 79,9% das acções.
O motivo desta intervenção a contra-gosto do FED não foi a salvação do gigante AIG em si, mas evitar o efeito domino sobre as instituições financeiras e os particulares, clientes e fornecedores deste colosso dos seguros, fundos de investimento e fundos de pensões. E, mais ainda, conter o pânico nos aforradores e investidores que tem levado ao resgate das unidades de participação em fundos de investimento e pensões nas diversas instituições financeiras dos EUA e resto do mundo, por troca com depósitos a prazo títulos do tesouro estatais. Porém, o rumor de falência precipita os aforradores dos outros bancos e seguradoras para os balcões, exigindo o seu dinheiro de volta, mesmo com o prejuízo do resgate antes do tempo.
Tal como na Europa, varre-se o lixo das hipotecas desvalorizadas, dos fundos de investimento desvalorizados e descapitalizados, para debaixo do tapete da fiança dos Estados - enquanto os neo-marxistas e socialistas recauchutados reclamam a nacionalização. Adia-se o problema das falências de instituições financeiras sem capacidade de cumprimento dos seus compromissos na esperança de uma resolução rápida da crise que a todos leva para a recessão - menos o Portugal socratino que decretou que não será vencido por nenhuma estatística. Para isso, injecta-se dinheiro nos empréstimos overnight, que duram as noites todas até a liquidez restante nas instituições falidas se evaporar, e aumenta-se a massa monetária em circulação, produzindo-se a inevitável inflação e consequente subida das taxas de juro.
Um círculo de vício de endividamento que arrasta o investimento das empresas e o crescimento económico no sentido contrário à subida dos juros, até um nível incomportável - e, aí, então as inevitáveis falências. O Japão ainda não saíu completamente da crise de 1990 porque as instituições financeiras não procederam à limpeza dos maus empréstimos e os seus governos recusaram as falências das instituições financeiras com situação líquida grave. Mesmo assim, os bancos japoneses ainda beneficiaram do facto dos clientes continuarem a pagar os créditos de habitações que já não valiam o dinheiro do empréstimo. Isso não acontece nos EUA: muitos devedores com casas que valem menos do que pediram por elas, deixam de pagar as hipotecas e os bancos ficam com activos ilíquidos e com menor valor.... Anteontem, ouvi o senhor Alan Greenspan, ex-presidente do FED, dizer que a crise financeira continuará até as casas descerem a um preço razoável, para então se reabilitar o mercado da habitação e suster a desvalorização dos activos dos bancos.
Parece que nos EUA e na Europa se quer seguir o mesmo caminho do Japão que regista quase duas décadas de crise e estagnação económica, com início em 1990!...... Teme-se a reedição da crise aguda de 1929 e a crise de 1929 é que aí vem, mais lenta mas mais demorada: em vez da doença aguda a preferência pela doença crónica.
Para piorar a esperança, não há expectativa realista de revolução tecnológica próxima - os produtos das nanotechs e da genética estão atrasados - e o crescimento económico da China, Índia, outros países do sudeste asiático e países produtores de petróleo não é suficiente para compensar o afundamento ocidental. Mais ainda, a redenção shumpeteriana da utopia do Estado Social era uma hipótese de trabalho absurda construída sem pilar da liberdade e alimentada exclusivamente pela carne das gerações mais novas.
Fugidos da aspereza do padrão-ouro, os bancos centrais emitem moeda (quando emprestam dinheiro aos bancos e seguradoras) na máquina mágica de fazer dinheiro, esperando a redenção milagrosa de uma conduta que todos sabem condenada à desgraça. O pior, ainda, é que a subida do preço do petróleo foi acomodada pela economia mundial de modo mais suportável do que o colapso em curso dos sistemas financeiros. Temo que, se não houver a coragem dos bancos centrais e dos governos fecharem a torneira dos empréstimos aos bancos e seguradoras insolventes, a crise e estagnação económica dos EUA e da Europa durará duas décadas.
* Mais logo nos telejornais e na imprensa portuguesa, veremos e ouviremos falar em 85 biliões de dólares (85 000 000 000 000), e triliões de empréstimos e activos, mas pouco conseguimos fazer para evitar a ignorância matemática. Talvez só mesmo um desses cursos de uma tarde nas Novas Oportunidades pudesse inculcar a quem tem a responsabilidade de falar e escrever nos media que o bilião nos EUA equivale apenas a mil milhões na Europa continental, pois cá usa-se a chamada "escala curta" e não a "escala longa" dos americanos e ingleses... Para evitar o erro, nada melhor do que, quando se escrever, pôr o número completo: 85.000.000.000.
Há aquele conto de Tchekhov sobre a mulher que tinha deixado de ter opiniões. Qualquer coisa, podia ser a chuva ou um significado, e ela nada, já não tinha nada. Apática, esquecera tudo. Pois bem. Estava a crise financeira a disparar na América e os astrólogos a anunciarem que a bolha ia chegar à Europa, quando eu fui procurar opiniões. Aquilo que os simples não apreendem, os especialistas ensinam. Baseado neste princípio, atirei-me em busca de informação sobre a crise financeira.
Umas horas de leitura mostraram-me a incerteza dramática que rodeava os especialistas. Eles não sabiam muito bem. Eles não sabiam reconhecer sequer todas as zonas dos mercados de capitais que os afectavam. "Liquidity puts" - quem é que já ouviu falar nisto? Eu não. Um executivo do Citigroup entrevistado para a New Yorker, também não, embora o banco estivesse exposto aos efeitos. E economistas de topo do Lehman Brothers, o mítico banco de investimento que faliu há dias, também confessavam que muitos contratos financeiros que estavam a fazer estragos no mercado, eram-lhes desconhecidos. De súbito, as instituições financeiras passaram a defrontar-se com um mercado complexo que não conheciam integralmente e cujos riscos não sabiam avaliar. Por isso, não tinham opiniões seguras.
Os ideólogos de serviço, que sempre aparecem nas crises só para poderem dizer - vêem como eu tinha razão - aproveitam para aquilo de que gostam mais: a distribuição de culpas. Mas também hesitam: o problema é do capitalismo financeiro global que mostrou aqui a sua face, obrigando a Reserva Federal Americana a duas intervenções drásticas: o resgate do Bear Sterns e, ontem, o controlo da seguradora AIG; dos bancos centrais que baixaram os juros para estimular o mercado imobiliário; dos bancos e instituições financeiras que, operando por sua conta e risco, apostaram na expansão do mercado imobiliário para facilitar o crédito; dos compradores que se entusiasmaram perigosamente e se endividaram para além do que podiam pagar.
Teorias da crise há para todos os gostos, umas contra os mercados, outras contra os consumidores, os bancos ou as autoridades reguladoras. Mas aqui surge, no entanto, uma dúvida: a actual crise financeira não é uma crise em que intervieram todos estes agentes, uns por acção, outros por omissão? Não é uma crise em que todos decidiram erradamente na mesma direcção, criando uma espiral de confiança fictícia?
Se é como de facto é, perceber esta crise implica perceber porque é que esta avalanche aconteceu e o que é que no futuro a pode evitar. Só não culpemos o capitalismo. O capitalismo sempre foi uma extraordinária máquina inventiva. Cresce, corrige-se e adapta-se. O pior agora é querermos salvar o capitalismo do capitalismo.
Nem acredito no que tenho lido nestes dias sobre a forma como o Governo americano tem estado a intervir no mercado, a defender as instituições americanas ameaçadas de falência. Então no caso da AIG, até fiquei de cara à banda, foram 85 mil milhões de dólares.
E isto foi depois de resgatar a Fannie Mae e a Freddie Mac e de patrocinar o salvamento do Bear Stearns e da Merrill Lynch. Hoje, a intervenção dos bancos centrais, num concerto digno de Bernstein, já vai em 180 mil milhões, e ainda não acabou o dia. Os próximos capítulos, que estão a ser escritos, poderão dar pelo nome de Goldman Sachs e Morgan Stanley. Veremos.
Isto dá que pensar, e a forma como todos se viram para o Estado, à espera que ele salve a economia, contrasta com o "menos Estado" que estamos habituados a ouvir pregar. É que esta malta do "menos Estado" não está a gritar tão alto como costuma, talvez por estarem roucos de tanto o terem feito antes. Mau "timing"…
O que deveria ser pedir menos Estado? É, por um lado, querer que, quando o negócio cresce e a vida corre bem, o Estado não intervenha, para não limitar o crescimento dos mais capazes (por acaso, nós) numa defesa inútil e contraproducente dos fracos porque pouco eficientes; mas é também, por outro lado, estar preparado para que quem foi pouco prudente ou fez más apostas pague esse preço quando as coisas se tornam difíceis.
Mas pelos visto não, não é isto. A defesa Moderna do Menos Estado (em itálico e o menos com maiúscula) é outra coisa. É, quando o negócio está a correr bem, pedir mais mercado e Menos Estado, pois não há que estar a pagar (impostos) para que o Estado dê aos que provaram ser mais inaptos, para os salvar da falência que merecem. Porém, quando o negócio nos está a correr mal, já é perguntar o que vai o Estado fazer para salvar umas quantas almas, que por acaso trabalham para nós, de irem para o desemprego, como se nada fosse connosco. Até porque, avança quem já nem sequer tem vergonha, de qualquer forma, haveria que pagar-lhes o subsídio de desemprego. A moral da história é que o que todos querem é que o mercado funcione, mas enquanto ele, mercado, fizer o que nós queremos que faça.
O problema, meus queridos leitores, é que o que nós queremos varia com o nós. Que o diga, noutro (hiper)plano, o nosso Ministro da Economia, que afirma alto e bom som que o preço da gasolina (determinado num mercado liberalizado, note-se) só não desce se o mercado não funcionar bem, e usa como exemplo de bom funcionamento de um mercado o mercado da electricidade (o qual de liberalizado não tem nada). E a sua lógica é simples: o preço do petróleo desceu 35% desde 7 de Julho, o pico histórico, então o preço da gasolina devia também ter descido substancialmente. Mas esta mesma lógica já não colhe para o mercado da electricidade, onde, para os mesmos aumentos do preço do petróleo, o nosso Ministro não aceitou uma proposta do regulador de um aumento do preço da electricidade de 16%, fixando um valor que da sorte grande só colhe a terminação.
A explicação para este aparente paradoxo é simples: não há que procurar coerência nos argumentos, há que procurar a coerência na acção. E essa é clara: defender os consumidores – defendê-los, num caso, contra as empresas incumbentes e os cartéis, ou, noutro caso, contra o mercado, mas defendê-los. Só ficamos sem saber é quem é que depois defende os consumidores (e sobretudo os futuros, quando a conta tiver que ser paga) do Estado.
Perguntarão os meus leitores mais curiosos se não há um limite para a intervenção do Estado? Conta-se que, na Grécia antiga, Temístocles terá um dia dito à sua mulher que deveria educar bem o filho, pois, para o citar, "Atenas governa a Grécia, eu governo Atenas, tu governas-me a mim e o nosso filho governa-te a ti, logo, o nosso filho governa a Grécia."
O nosso Ministro é o Temístocles da economia portuguesa. A Política governa o País; nos dias de hoje, a Economia governa a Política; Portugal vive numa economia de Mercado, o que quer dizer que o Mercado governa a Economia; e o nosso Ministro governa o Mercado, como ele o prova com frequência. Logo, o nosso Ministro da Economia governa o País. A bem da Nação, pois não há pior para um país do que ser governado por um Mercado mal-educado.
7 Comments:
Ironia é…
…o Fundo do BCP que estava investido na Lehman Brothers chamar-se Millenium Prudente.
Teixeira dos Santos mostrou-se ontem surpreendido com a duração da instabilidade dos mercados financeiros, dizendo que fomos ”todos“ apanhados de surpresa. Percebe-se, agora, a fonte de inspiração para as intervenções de José Sócatres sobre o “pessimismo militante” e o “bota-abaixismo” da oposição. Anda a levar a sério os relatórios do seu espantado e pouco informado ministro, o único a ficar surpreendido com os desenvolvimentos de uma crise mais que anunciada.
Duas décadas de crise e estagnação?
As autoridades norte-americanas seguem as europeias, nomeadamente o Banco Central Europeu, no empréstimo de avultadas somas de dinheiro fresco às instituições financeiras em dificuldade.
Depois de um assomo de firmeza com a não intervenção na falência do banco de investimento Lehman Brothers, ontem, 16-9-2008, à noite o banco central americano FED, como o acordo do secretário do Tesouro Paulson e a benção do presidente Bush, emprestou à seguradora AIG 85 mil milhões* de dólares em troca de 79,9% das acções.
O motivo desta intervenção a contra-gosto do FED não foi a salvação do gigante AIG em si, mas evitar o efeito domino sobre as instituições financeiras e os particulares, clientes e fornecedores deste colosso dos seguros, fundos de investimento e fundos de pensões. E, mais ainda, conter o pânico nos aforradores e investidores que tem levado ao resgate das unidades de participação em fundos de investimento e pensões nas diversas instituições financeiras dos EUA e resto do mundo, por troca com depósitos a prazo títulos do tesouro estatais. Porém, o rumor de falência precipita os aforradores dos outros bancos e seguradoras para os balcões, exigindo o seu dinheiro de volta, mesmo com o prejuízo do resgate antes do tempo.
Tal como na Europa, varre-se o lixo das hipotecas desvalorizadas, dos fundos de investimento desvalorizados e descapitalizados, para debaixo do tapete da fiança dos Estados - enquanto os neo-marxistas e socialistas recauchutados reclamam a nacionalização. Adia-se o problema das falências de instituições financeiras sem capacidade de cumprimento dos seus compromissos na esperança de uma resolução rápida da crise que a todos leva para a recessão - menos o Portugal socratino que decretou que não será vencido por nenhuma estatística. Para isso, injecta-se dinheiro nos empréstimos overnight, que duram as noites todas até a liquidez restante nas instituições falidas se evaporar, e aumenta-se a massa monetária em circulação, produzindo-se a inevitável inflação e consequente subida das taxas de juro.
Um círculo de vício de endividamento que arrasta o investimento das empresas e o crescimento económico no sentido contrário à subida dos juros, até um nível incomportável - e, aí, então as inevitáveis falências. O Japão ainda não saíu completamente da crise de 1990 porque as instituições financeiras não procederam à limpeza dos maus empréstimos e os seus governos recusaram as falências das instituições financeiras com situação líquida grave. Mesmo assim, os bancos japoneses ainda beneficiaram do facto dos clientes continuarem a pagar os créditos de habitações que já não valiam o dinheiro do empréstimo. Isso não acontece nos EUA: muitos devedores com casas que valem menos do que pediram por elas, deixam de pagar as hipotecas e os bancos ficam com activos ilíquidos e com menor valor.... Anteontem, ouvi o senhor Alan Greenspan, ex-presidente do FED, dizer que a crise financeira continuará até as casas descerem a um preço razoável, para então se reabilitar o mercado da habitação e suster a desvalorização dos activos dos bancos.
Parece que nos EUA e na Europa se quer seguir o mesmo caminho do Japão que regista quase duas décadas de crise e estagnação económica, com início em 1990!...... Teme-se a reedição da crise aguda de 1929 e a crise de 1929 é que aí vem, mais lenta mas mais demorada: em vez da doença aguda a preferência pela doença crónica.
Para piorar a esperança, não há expectativa realista de revolução tecnológica próxima - os produtos das nanotechs e da genética estão atrasados - e o crescimento económico da China, Índia, outros países do sudeste asiático e países produtores de petróleo não é suficiente para compensar o afundamento ocidental. Mais ainda, a redenção shumpeteriana da utopia do Estado Social era uma hipótese de trabalho absurda construída sem pilar da liberdade e alimentada exclusivamente pela carne das gerações mais novas.
Fugidos da aspereza do padrão-ouro, os bancos centrais emitem moeda (quando emprestam dinheiro aos bancos e seguradoras) na máquina mágica de fazer dinheiro, esperando a redenção milagrosa de uma conduta que todos sabem condenada à desgraça. O pior, ainda, é que a subida do preço do petróleo foi acomodada pela economia mundial de modo mais suportável do que o colapso em curso dos sistemas financeiros. Temo que, se não houver a coragem dos bancos centrais e dos governos fecharem a torneira dos empréstimos aos bancos e seguradoras insolventes, a crise e estagnação económica dos EUA e da Europa durará duas décadas.
* Mais logo nos telejornais e na imprensa portuguesa, veremos e ouviremos falar em 85 biliões de dólares (85 000 000 000 000), e triliões de empréstimos e activos, mas pouco conseguimos fazer para evitar a ignorância matemática. Talvez só mesmo um desses cursos de uma tarde nas Novas Oportunidades pudesse inculcar a quem tem a responsabilidade de falar e escrever nos media que o bilião nos EUA equivale apenas a mil milhões na Europa continental, pois cá usa-se a chamada "escala curta" e não a "escala longa" dos americanos e ingleses... Para evitar o erro, nada melhor do que, quando se escrever, pôr o número completo: 85.000.000.000.
Para ajudar nas nacionalizações
A FED vai pedir ao PCP que mande para os EUA os seus mestres em economia socialista.
A 'SALVAÇÃO' DO CAPITALISMO
Há aquele conto de Tchekhov sobre a mulher que tinha deixado de ter opiniões. Qualquer coisa, podia ser a chuva ou um significado, e ela nada, já não tinha nada. Apática, esquecera tudo. Pois bem. Estava a crise financeira a disparar na América e os astrólogos a anunciarem que a bolha ia chegar à Europa, quando eu fui procurar opiniões. Aquilo que os simples não apreendem, os especialistas ensinam. Baseado neste princípio, atirei-me em busca de informação sobre a crise financeira.
Umas horas de leitura mostraram-me a incerteza dramática que rodeava os especialistas. Eles não sabiam muito bem. Eles não sabiam reconhecer sequer todas as zonas dos mercados de capitais que os afectavam. "Liquidity puts" - quem é que já ouviu falar nisto? Eu não. Um executivo do Citigroup entrevistado para a New Yorker, também não, embora o banco estivesse exposto aos efeitos. E economistas de topo do Lehman Brothers, o mítico banco de investimento que faliu há dias, também confessavam que muitos contratos financeiros que estavam a fazer estragos no mercado, eram-lhes desconhecidos. De súbito, as instituições financeiras passaram a defrontar-se com um mercado complexo que não conheciam integralmente e cujos riscos não sabiam avaliar. Por isso, não tinham opiniões seguras.
Os ideólogos de serviço, que sempre aparecem nas crises só para poderem dizer - vêem como eu tinha razão - aproveitam para aquilo de que gostam mais: a distribuição de culpas. Mas também hesitam: o problema é do capitalismo financeiro global que mostrou aqui a sua face, obrigando a Reserva Federal Americana a duas intervenções drásticas: o resgate do Bear Sterns e, ontem, o controlo da seguradora AIG; dos bancos centrais que baixaram os juros para estimular o mercado imobiliário; dos bancos e instituições financeiras que, operando por sua conta e risco, apostaram na expansão do mercado imobiliário para facilitar o crédito; dos compradores que se entusiasmaram perigosamente e se endividaram para além do que podiam pagar.
Teorias da crise há para todos os gostos, umas contra os mercados, outras contra os consumidores, os bancos ou as autoridades reguladoras. Mas aqui surge, no entanto, uma dúvida: a actual crise financeira não é uma crise em que intervieram todos estes agentes, uns por acção, outros por omissão? Não é uma crise em que todos decidiram erradamente na mesma direcção, criando uma espiral de confiança fictícia?
Se é como de facto é, perceber esta crise implica perceber porque é que esta avalanche aconteceu e o que é que no futuro a pode evitar. Só não culpemos o capitalismo. O capitalismo sempre foi uma extraordinária máquina inventiva. Cresce, corrige-se e adapta-se. O pior agora é querermos salvar o capitalismo do capitalismo.
Pedro Lomba
No: DN
Nem acredito no que tenho lido nestes dias sobre a forma como o Governo americano tem estado a intervir no mercado, a defender as instituições americanas ameaçadas de falência. Então no caso da AIG, até fiquei de cara à banda, foram 85 mil milhões de dólares.
E isto foi depois de resgatar a Fannie Mae e a Freddie Mac e de patrocinar o salvamento do Bear Stearns e da Merrill Lynch. Hoje, a intervenção dos bancos centrais, num concerto digno de Bernstein, já vai em 180 mil milhões, e ainda não acabou o dia. Os próximos capítulos, que estão a ser escritos, poderão dar pelo nome de Goldman Sachs e Morgan Stanley. Veremos.
Isto dá que pensar, e a forma como todos se viram para o Estado, à espera que ele salve a economia, contrasta com o "menos Estado" que estamos habituados a ouvir pregar. É que esta malta do "menos Estado" não está a gritar tão alto como costuma, talvez por estarem roucos de tanto o terem feito antes. Mau "timing"…
O que deveria ser pedir menos Estado? É, por um lado, querer que, quando o negócio cresce e a vida corre bem, o Estado não intervenha, para não limitar o crescimento dos mais capazes (por acaso, nós) numa defesa inútil e contraproducente dos fracos porque pouco eficientes; mas é também, por outro lado, estar preparado para que quem foi pouco prudente ou fez más apostas pague esse preço quando as coisas se tornam difíceis.
Mas pelos visto não, não é isto. A defesa Moderna do Menos Estado (em itálico e o menos com maiúscula) é outra coisa. É, quando o negócio está a correr bem, pedir mais mercado e Menos Estado, pois não há que estar a pagar (impostos) para que o Estado dê aos que provaram ser mais inaptos, para os salvar da falência que merecem. Porém, quando o negócio nos está a correr mal, já é perguntar o que vai o Estado fazer para salvar umas quantas almas, que por acaso trabalham para nós, de irem para o desemprego, como se nada fosse connosco. Até porque, avança quem já nem sequer tem vergonha, de qualquer forma, haveria que pagar-lhes o subsídio de desemprego. A moral da história é que o que todos querem é que o mercado funcione, mas enquanto ele, mercado, fizer o que nós queremos que faça.
O problema, meus queridos leitores, é que o que nós queremos varia com o nós. Que o diga, noutro (hiper)plano, o nosso Ministro da Economia, que afirma alto e bom som que o preço da gasolina (determinado num mercado liberalizado, note-se) só não desce se o mercado não funcionar bem, e usa como exemplo de bom funcionamento de um mercado o mercado da electricidade (o qual de liberalizado não tem nada). E a sua lógica é simples: o preço do petróleo desceu 35% desde 7 de Julho, o pico histórico, então o preço da gasolina devia também ter descido substancialmente. Mas esta mesma lógica já não colhe para o mercado da electricidade, onde, para os mesmos aumentos do preço do petróleo, o nosso Ministro não aceitou uma proposta do regulador de um aumento do preço da electricidade de 16%, fixando um valor que da sorte grande só colhe a terminação.
A explicação para este aparente paradoxo é simples: não há que procurar coerência nos argumentos, há que procurar a coerência na acção. E essa é clara: defender os consumidores – defendê-los, num caso, contra as empresas incumbentes e os cartéis, ou, noutro caso, contra o mercado, mas defendê-los. Só ficamos sem saber é quem é que depois defende os consumidores (e sobretudo os futuros, quando a conta tiver que ser paga) do Estado.
Perguntarão os meus leitores mais curiosos se não há um limite para a intervenção do Estado? Conta-se que, na Grécia antiga, Temístocles terá um dia dito à sua mulher que deveria educar bem o filho, pois, para o citar, "Atenas governa a Grécia, eu governo Atenas, tu governas-me a mim e o nosso filho governa-te a ti, logo, o nosso filho governa a Grécia."
O nosso Ministro é o Temístocles da economia portuguesa. A Política governa o País; nos dias de hoje, a Economia governa a Política; Portugal vive numa economia de Mercado, o que quer dizer que o Mercado governa a Economia; e o nosso Ministro governa o Mercado, como ele o prova com frequência. Logo, o nosso Ministro da Economia governa o País. A bem da Nação, pois não há pior para um país do que ser governado por um Mercado mal-educado.
Não se percebe nada do que disse este último anónimo.
Enviar um comentário
<< Home