sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

NOVOS RATOS




Continuo a frequentar, com mão diurna e mão nocturna, muitos daqueles poetas que, sem serem a minha escada de Jacob para atingir o céu, têm sido os inseparáveis companheiros da minha jornada para compreender os homens na terra. Muitos deles conheci pessoalmente, de muitos deles fui amigo pessoal, camarada de armas e ouvinte curioso e atento. Não merece a pena nomeá-los; são numerosos e talvez parecesse presunção dizer que com eles comparti tudo o que aconteceu na minha vida. As rivalidades entre eles sempre as coloquei à margem. Deram e continuam a dar a imagem do português médio e arteiro, desolado e trágico, cheio de sorriso e cheio de melancolia.

Não deixo de sorrir quando ouço a vã convocação dos seus nomes, feita por políticos notoriamente distantes do que chamam. Aposto que o dr. Cavaco nunca se deteve numa página de Torga e muito menos de Guerra Junqueiro. Citou-os, no entanto, na abertura das comemorações do centenário da República, com a displicência calma de quem os usa para suportar o que diz. Claro que foi um qualquer assessor do dr. Cavaco o autor do texto. Claro. Mas não deixa de causar uma estranha sensação de mal-estar a designação daqueles que nada têm a ver com estes. Pura girândola.

Há dias, José Sócrates, que, penso, também não será muito dado a estas coisas da literatura, convidou para um almoço (foi um almoço?, não percebi bem) jovens criadores portugueses.


Trocou o nome a um deles, o que não tem muita importância, a não ser que se deseje atribuir importância a um acontecimento medíocre.
Há anos, António Guterres também chamou a São Bento um sortido grupo de intelectuais. O objectivo, disse ele, era o de conviver com os homens e as mulheres que produziam cultura. Confesso que a expressão me incomodou. Saí, acaso espavorido, com Álvaro Guerra, e fomos beber uns uísques, para desanuviar. Não gosto nada destas reuniões. Nada dizem e a nada conduzem, a não ser a circunstância de os convidados sujeitarem-se a ser os brinquinhos da cultura com que os políticos se ataviam. Convites para isto e para aquilo recebo-os com regularidade. Em grupo, rejeito-os. Se for coisa de conversa, de troca de ideias, tudo bem. E tenho obtido conhecimentos e informações importantes, confissões e inconfidências que permanecem sigilosos.

Há dias, fui à estante e tirei um dos mais belos livros de poesia do nosso tempo: O Nome das Coisas, de Sophia de Mello Breyner Andresen, editado em 1977, pela Moraes, no célebre Círculo de Poesia. Gostaria de partilhar com os meus Dilectos a beleza de um texto cuja grandeza jamais é ofuscada pela evidente intervenção que contém. E lá está o sonho permanente de integridade, o gosto inextinguível pela nitidez das coisas, pela eternidade inteira da liberdade.

Sei que seria possível construir o mundo justo
As cidades poderiam ser claras e lavadas
Pelo canto dos espaços e das fontes
O céu o mar e a terra estão prontos
A saciar a nossa fome de terrestre.

O poema chama-se A Forma Justa e vai por aí fora. Este pequeno livro da grande poetisa está repleto de ensinamentos a que a ordem do tempo atribuiu valor incalculável. A visão do mundo e a noção da relatividade das coisas encontram-se como um vaticínio (Nestes últimos tempos é certo a Esquerda muita vez / desfigurou as linhas do seu rosto / mas que diremos da meticulosa eficaz expedita / degradação da vida que a Direita pratica?).

Esta mundivivência reverte-nos para a situação actual. Sophia previu, como ninguém, a degenerescência de uma Revolução que recusara a pedagogia em favor da tomada do poder. As críticas que faz aos socialistas são premonitórias. Ela desejava uma sociedade ideal, fraterna e solidária (estas palavras são, hoje, apontadas como anacronismos), onde as possibilidades de tudo estivessem ao alcance de todos.

Assistimos a este desfile de contradições, de mentiras, de vacuidades, a esta petrificação do poder pelo poder, à ascensão da mais parda mediocridade que Portugal já gerou - e desalentamo-nos. Há dias, no programa Prós e Contras, de Fátima Campos Ferreira, RTP-1, ouvimos tamanha dose de pesares que fomos, esbaforidamente, tomar uns Xanaxes, a fim de aliviar, um pouco, o peso do nosso desânimo.

Nada nos impele à esperança; ninguém, daqueles que valem a pena ser escutados, nos induz que as melhorias estão próximas. Pelo contrário: tudo vai piorar, os portugueses vão viver num inferno de dor e assombro, o desemprego vai aumentar dramaticamente, a emigração voltou aos valores da década de 60, quando os homens fugiam a salto, na demanda de um futuro mais justo; quando a nossa melhor juventude abalava da guerra colonial, do salazarismo, da espessa falta de ar e de sonho. Por esses anos, fui ver, em Paris, os bidonvilles, os bairros-da-lata imundos onde sobreviviam os nossos compatriotas. A responsabilidade dessa miséria inominável nunca foi rigorosamente atribuída. Mas sabe-se de quem era. Hoje, a erosão da mocidade mais culta e intelectualmente apetrechada, a angústia de não saber que futuro lhe está reservado faz-nos, de novo, lembrar Sophia:

Cantaremos o desencontro:
O limiar e o linear perdidos.
Cantaremos o desencontro:
A vida errada num país errado.
Novos ratos mostram a avidez antiga.

B.B.

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4 Comments:

At 8 de fevereiro de 2010 às 13:02, Anonymous Anónimo said...

Estive a ler com atenção este excerto do José Luís Peixoto, reflecti, pois acho que era isso que era pretendido.
Nas paragens de autocarro, as pessoas sussurram, o medo esta instalado.
Tudo isto me faz recordar, embora eu fosse uma criança, as conversas com meias palavras, os gestos controlados e pensados ao pormenor, as refeições racionadas em casa, o medo constante da falta de emprego, o querer parecer bem para não cair em desgraça. Enfim, ouvir, calar, obedecer e principalmente não contestar e não pôr em causa.
Já nem é preciso estar atento.
A nossa comunicação social nacional ainda vai estrebuchando, já sem força, o oxigénio esta a faltar!
Será que é isto que queremos?
Será que é isto que escolhemos?
Será que é isto que nos deram?
Será que é isto que merecemos?
Naturais e residentes no concelho de Ponte de Sor, peço que não se deixem enganar, os nossos filhos merecem muito mais.
Temos a obrigação e o direito de reivindicar e exigir que o nosso país seja governado e gerido de maneira solida, democrática e justa para com todos.

Mestre lopes

 
At 8 de fevereiro de 2010 às 14:10, Anonymous Anónimo said...

O zé Luis Peixoto não precisava de nada disto, só lhe calham destas, porque aceita fazer parte destas manobras, porque o único egocêntrico nestas manobras de propaganda do PS é mesmo o Sócrates, ou alguém é inocente para pensar que não era desta forma?
Cada qual tem mesmo o que merece.

 
At 9 de fevereiro de 2010 às 19:28, Anonymous Anónimo said...

Sócrates foi a uma escola conversar com as criancinhas, acompanhado de uma comitiva.
Depois de apresentar todas as maravilhosas realizações de seu governo, disse às criancinhas que iria responder perguntas.
Uma das crianças levantou a mão e Sócrates perguntou:
- Qual é o seu nome, meu filho?
- PAULINHO. (lembre-se bem dest...e nome)
- E qual é a sua pergunta?
- Eu tenho três perguntas:
1ª) Onde estão os 150.000 empregos prometidos na sua campanha eleitoral?
2ª) Quem meteu ao bolso o dinheiro do Freeport?
3ª) O senhor sabia dos escândalos do Face Oculta?

Sócrates fica desnorteado, mas neste momento a campainha para o recreio toca, ele aproveita e diz que responderá depois do recreio.

Após o recreio, Sócrates diz:
- Porreiro Pá, onde estávamos? Acho que eu ia responder perguntas.Quem tem perguntas?
Um outro garotinho levanta a mão e Sócrates aponta para ele.
- Pode perguntar, meu filho. Como é o seu nome?
- Joãozinho, e tenho cinco perguntas:
1ª) Onde estão os 150.000 empregos prometidos na sua campanha eleitoral?
2ª) Quem meteu ao bolso o dinheiro do Freeport?
3ª) O senhor sabia dos escândalos do Face Oculta?
4ª) Por que é que a campaínha do recreio tocou meia hora mais cedo?
5ª) Onde está o PAULINHO??

 
At 10 de fevereiro de 2010 às 15:33, Anonymous Anónimo said...

Pidófilo é que ele é...

 

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