quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

OBRIGADO

Às vezes, fico só a olhar para vocês. Aperto os lábios, porque todas as palavras me parecem insuficientes. Aquilo que normalmente se diz nessas ocasiões, aquilo que é aceite pelo protocolo da convivência social, não chega para começar a exprimir todo o invisível que me inunda. Então, quase sempre sentado a uma mesa, fico só a olhar para vocês. Nesses momentos, não ter palavras é muito melhor do que ter rios de palavras. Aquilo que não sei dizer existe com muita força e, se tentasse encontrar-lhe nomes, estaria a diminui-lo, a transformá-lo em qualquer coisa possível.

É essa a natureza da matéria que partilhamos, é essa a forma daquilo que nos juntou. Sem esse mistério, continuaríamos a seguir os nossos caminhos. Talvez a metros, talvez a quilómetros, talvez em hemisférios distintos, talvez em ruas paralelas, as
nossas existências seriam indiferentes uma à outra. Não quero sequer imaginar a possibilidade desse mundo cinzento. Ainda bem que existem os livros, ainda bem que existe esta revista, ainda bem que existem a internet, o facebook, as feiras do livro e todos os lugares físicos e não-físicos onde nos encontramos. Ainda bem que existe o pensamento e a memória. Ainda bem que existe a ternura.

Mesmo havendo palavras, é difícil dizer aquilo que se quer dizer. A voz fica presa na garganta ou antes da garganta. Não vamos cometer esse erro. Vocês foram chegando devagar, foram entrando e quero que saibam que, hoje, são parte da minha família. Penso em vocês entre aquilo que me é mais valioso e, sem explicação, sinto saudades vossas de repente. Muitas vezes, sinto o toque do sol, tão suave, e sorrio ao lembrar-me que vou partilhar esse bem-estar convosco. Sinto-me muito grato pela companhia que me fazem. Convosco, nunca estou sozinho.


Os dias têm horas, minutos, e eu existo em todos eles. Não vejo o mundo apenas a partir das montras das livrarias ou das pequenas fotografias que acompanham estas crónicas, como se tudo estivesse controlado. Sou uma pessoa, Zé Luís, e só muito raramente está tudo controlado. Há vezes, como agora, em que estou num quarto qualquer.
Um quarto onde, depois de hoje, nunca mais voltarei. Os meus filhos, a minha mãe, as minhas irmãs estão a milhares de quilómetros, o terreiro das Galveias está a milhares de quilómetros. A distância faz de mim um menino perdido. Há muitos mais exemplos, claro, o coração a bater contra algo que o aperta. Então, vocês chegam e cobrem-me com a força de me desejarem tanto bem. Vocês protegem-me com pensamentos que atravessam oceanos. Comovem-me com esse bem-querer. Obrigado por, entre tantas possibilidades, terem escolhido a mais bondosa. Vocês constroem-me. Devo-vos a pessoa que sou.

E não importa se estivermos no mesmo lugar apenas por um instante há cinco anos, não importa se nunca estivemos no mesmo lugar, aquilo que realmente importa é o segredo luminoso que partilhamos. Não é feito de palavras, mas é transportado por elas. Esse é o nosso lugar, temos almas a vaguear nesse universo de sentido. Vocês mostram-me todos os dias que a generosidade pode salvar. Vocês têm muitos rostos, muitas histórias. Eu ouço-vos e encho-me de esperança humana, de amor humano, e transbordo. Mesmo quando estou em silêncio, agradeço-vos por me acrescentarem um sentido tão profundo. Estar-vos grato é estar grato ao mundo inteiro, ao fácil e ao difícil, ao doce e ao amargo. Sem um, não existiria o outro. Mesmo. Sem um, não existiria o outro, repito para que não restem dúvidas. Chegou a hora de, todos juntos, agradecermos pelas contrariedades. São elas, por mais feias, que nos permitem alcançar aquilo que está para lá delas. Ao mesmo tempo, são essas contrariedades, esses silêncios, que nos permitem prestar atenção ao que realmente nos interessa e que, como uma fogueira, nos ilumina o rosto.

Porque nos encontrámos, somos uma espécie de irmãos. Fomos capazes de existir sobrepostos e, por mais ou menos tempo, partilhámos a experiência partilhável. Se amanhã tudo se desfizer, saberemos que nos tocámos e espero que, perante o fim, sejamos capazes de nos sentir gratos pelo que tivemos e que é bastante mais do que a maioria das pessoas alguma vez chega a ter.

José Luís Peixoto




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1 Comments:

At 13 de fevereiro de 2012 às 19:14, Anonymous Anónimo said...

Ex-diretores da Eternit condenados por uso de amianto
(AFP) – Há 2 horas
TURIM, Itália — O tribunal de Justiça de Turim (norte da Itália) condenou nesta segunda-feira a 16 anos de prisão dois ex-diretores da multinacional Eternit por terem causado a morte de 3.000 pessoas com o uso do amianto em seus materiais de construção.

O julgamento foi considerado "histórico" e a sentença, recebida com gritos, aplausos e choro, tanto por familiares das vítimas, que pediam justiça há anos, quanto pela condenação exemplar de ex-executivos da empresa, de alto escalão.

O ex-proprietário do grupo, o bilionário suíço Stephan Schmidheiny, de 65 anos, e o ex-acionista belga, o barão Jean-Louis Marie Ghislain de Cartier de Marchienne, de 91 anos, foram condenados por terem provocado de modo intencional uma catástrofe, além de terem violado regras de segurança em suas fábricas da Itália, que funcionaram de 1976 a 1986.

Trata-se do maior julgamento organizado até agora pelo uso de amianto, um mineral fibroso - do qual faz parte o asbesto - um produto responsabilizado por entidades médicas internacionais de causar câncer e provocar uma elevada mortalidade.

Seu uso foi proibido há anos em todos os países industrializados, embora ainda continue sendo utilizado em outras nações em desenvolvimento, quase todos da América Latina, entre elas o Brasil.

A defesa negou a responsabilidade direta dos dois acusados, que nunca estiveram presentes às audiências, sendo condenados à revelia.

O Ministério Público pediu a pena mais severa, isto é, de vinte anos, devido à gravidade do crime: as pessoas expostas ao amianto podem ficar doente muitas décadas depois.

Tanto o barão belga quanto o bilionário suíço, mesmo sabendo que o amianto era perigoso, decidiram manter suas fábricas abertas sem preocupação de aconselhar aos empregados o uso de luvas e máscaras, como primeira medida de proteção, para evitar que milhares de pessoas contraíssem tumores nos pulmões e sofressem de asbestose - pneumoconiose produzida pela inalação de fibras de asbesto e que, além de ocasionar fibrose pulmonar, pode estar acompanhada de câncer brônquico - pela inalação do pó.


E cá em Ponte de Sor estamos a morrer que nem cães (o Marconi foi o último)e ninguém faz nada? Quantos de ex funcionários da fábrica já morreram? E quantos estão doentes com cancro? E quantos estão doentes e não sabem? O Adolfo sabe muito bem o que lá se passava. A esposa é médica. Quantos vão morrer mais, para que comecemos a abrir os olhos. Asbestos!!!

 

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