E AGORA?
Pequenas angústias
A Direita votante em Cavaco não sabe o que fazer com a vitória. A angústia metafísica que solenemente a abalou instalara-se-lhe muito antes dos resultados, mas nada havia a fazer.
A campanha estava a ser pausadamente preparada havia, pelo menos, quatro anos, e Cavaco era a evidência mal dissimulada. Os grupos e grupúsculos que se digladiam no interior do PSD são a máscara e a sombra de interesses poderosíssimos. Fernando Nogueira, singelo de malícia quanto ingénuo em não compreender que na política a gratidão é inexistente, fora armadilhado pelo seu antecessor - Cavaco Silva.
O episódio lacustre protagonizado por António Guterres determina e explica o fogacho Durão Barroso, e ilustra o patusco incidente Santana Lopes. O PSD começa a aumentar os problemas de identidade com a ambiguidade ideológica dos seus líderes. Começou com Sá Carneiro: um albergue espanhol tingido de enternecedoras zaragatas. Basta lembrar os recentes folhetins interpretados por Valentim Loureiro, Luís Filipe Meneses, Rui Rio, Pôncio Monteiro ou Isaltino de Morais para se aquilatar da inconstância do «projecto».
Luís Marques Mendes surge entre fogueiras. Serviu Cavaco com zelo. Cavaco despreza-o com displicência. Cavaco, aliás, por insegurança e soberba, despreza muita gente. Mas por estas miúdas fraquezas não vem mal ao mundo. Mendes é bom homem; porém, tem pouco jeito para opositor, e encontra-se seriamente desmoralizado: não sabe o que fazer no congresso, o congresso é severamente contestado, e, agora, com Cavaco a afirmar-se Presidente ameno e conciliador, não sabe como definir a estratégia de ataque ao Governo, cuja prática não se antagoniza com a do PSD.
Cavaco já lá está. Que fazer com esta vitória? O eleito insiste no carácter suprapartidário da candidatura, recusa o proselitismo e não facilita aproximações. Ele é «o Presidente de todos os portugueses», e não de alguns, por muitos que sejam. Que vai discutir-se no congresso? O regozijo num triunfo que não pertence, exclusivamente, ao PSD, e muito menos a Marques Mendes?
A Imprensa, tenazmente ardorosa em destacar as birras e os amuos, dá nota das lutas «intestinas» entre os que desejam correr com uns a fim de tomar o lugar vago. Há os «cavaquistas», e os não. Nem uns nem outros sabem, rigorosamente, o significado do adjectivo. Porém, entendem muito bem para que lado sopram os ventos. E Marques Mendes não dispõe de resguardo suficiente para preservar o físico político. Quanto ao CDS, Ribeiro e Castro, sem alarido nem cólera, adelgaçou a superabundância barroca de Paulo Portas e atingiu o grau zero das transposições: ninguém sabe quem ele é. Recomendo-o, vivamente, à compassiva atenção do dr. João Benard da Costa, piedoso articulista de almas penadas.
O PS, que já não sabia o que fazer com o socialismo, apanha agora com a maçada do Manuel Alegre. A reunião da comissão política resultou no emocionante facto de que ninguém se sente bem consigo próprio. As interrogações circulavam, mudas, persistentes e atormentadas: Alegre é mais ou menos socialista do que Soares?; expulsamos o réprobo ou ignoramo-lo? Entreolhando-se, confinaram os pungentes pensamentos ao dilema trágico, que separa «socialistas modernos» de «socialistas antigos».
«Socialistas modernos» são aqueles cujo vocabulário possui contornos preciosos. Não dizem: miséria, dizem: fragilidade social; não dizem: despedimentos colectivos, dizem: rescisões amigáveis de contratos; apagaram a palavra: trabalhadores, preferem: classe média. «Socialistas antigos» são os rudes representantes de uma agonia interminável, anacrónicos defensores da igualdade possível, aferrados sequazes da abertura ao universo das liberdades. Mas será que alguma vez houve socialistas deste molde?
Baptista Bastos
A Direita votante em Cavaco não sabe o que fazer com a vitória. A angústia metafísica que solenemente a abalou instalara-se-lhe muito antes dos resultados, mas nada havia a fazer.
A campanha estava a ser pausadamente preparada havia, pelo menos, quatro anos, e Cavaco era a evidência mal dissimulada. Os grupos e grupúsculos que se digladiam no interior do PSD são a máscara e a sombra de interesses poderosíssimos. Fernando Nogueira, singelo de malícia quanto ingénuo em não compreender que na política a gratidão é inexistente, fora armadilhado pelo seu antecessor - Cavaco Silva.
O episódio lacustre protagonizado por António Guterres determina e explica o fogacho Durão Barroso, e ilustra o patusco incidente Santana Lopes. O PSD começa a aumentar os problemas de identidade com a ambiguidade ideológica dos seus líderes. Começou com Sá Carneiro: um albergue espanhol tingido de enternecedoras zaragatas. Basta lembrar os recentes folhetins interpretados por Valentim Loureiro, Luís Filipe Meneses, Rui Rio, Pôncio Monteiro ou Isaltino de Morais para se aquilatar da inconstância do «projecto».
Luís Marques Mendes surge entre fogueiras. Serviu Cavaco com zelo. Cavaco despreza-o com displicência. Cavaco, aliás, por insegurança e soberba, despreza muita gente. Mas por estas miúdas fraquezas não vem mal ao mundo. Mendes é bom homem; porém, tem pouco jeito para opositor, e encontra-se seriamente desmoralizado: não sabe o que fazer no congresso, o congresso é severamente contestado, e, agora, com Cavaco a afirmar-se Presidente ameno e conciliador, não sabe como definir a estratégia de ataque ao Governo, cuja prática não se antagoniza com a do PSD.
Cavaco já lá está. Que fazer com esta vitória? O eleito insiste no carácter suprapartidário da candidatura, recusa o proselitismo e não facilita aproximações. Ele é «o Presidente de todos os portugueses», e não de alguns, por muitos que sejam. Que vai discutir-se no congresso? O regozijo num triunfo que não pertence, exclusivamente, ao PSD, e muito menos a Marques Mendes?
A Imprensa, tenazmente ardorosa em destacar as birras e os amuos, dá nota das lutas «intestinas» entre os que desejam correr com uns a fim de tomar o lugar vago. Há os «cavaquistas», e os não. Nem uns nem outros sabem, rigorosamente, o significado do adjectivo. Porém, entendem muito bem para que lado sopram os ventos. E Marques Mendes não dispõe de resguardo suficiente para preservar o físico político. Quanto ao CDS, Ribeiro e Castro, sem alarido nem cólera, adelgaçou a superabundância barroca de Paulo Portas e atingiu o grau zero das transposições: ninguém sabe quem ele é. Recomendo-o, vivamente, à compassiva atenção do dr. João Benard da Costa, piedoso articulista de almas penadas.
O PS, que já não sabia o que fazer com o socialismo, apanha agora com a maçada do Manuel Alegre. A reunião da comissão política resultou no emocionante facto de que ninguém se sente bem consigo próprio. As interrogações circulavam, mudas, persistentes e atormentadas: Alegre é mais ou menos socialista do que Soares?; expulsamos o réprobo ou ignoramo-lo? Entreolhando-se, confinaram os pungentes pensamentos ao dilema trágico, que separa «socialistas modernos» de «socialistas antigos».
«Socialistas modernos» são aqueles cujo vocabulário possui contornos preciosos. Não dizem: miséria, dizem: fragilidade social; não dizem: despedimentos colectivos, dizem: rescisões amigáveis de contratos; apagaram a palavra: trabalhadores, preferem: classe média. «Socialistas antigos» são os rudes representantes de uma agonia interminável, anacrónicos defensores da igualdade possível, aferrados sequazes da abertura ao universo das liberdades. Mas será que alguma vez houve socialistas deste molde?
Baptista Bastos
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