Enquanto escrevo estas linhas não existem homens civilizados sobrevoando a cidade. Não ouço o barulho das sirenes, nem o estrondo dos Katyushas, nem o ruído sofisticado dos mísseis de última geração. Mas passam pelo meu olhar as imagens da devastação, a figura dos mortos, a bandeira amarela e verde do Hezbollah, os tanques israelitas e a estrela de David. No Médio Oriente não existem inocentes, nem processo político, nem “roteiro para a paz”. Israel não vai desaparecer do mapa e os Palestinianos não pretendem ir a lado nenhum. O Hamas e o Hezbollah reconhecem no entanto a utilidade da “entidade Sionista” – ao reunir os judeus num único lugar, a morte de todos os judeus tornou-se no “objectivo político” por excelência. Em Israel, a sensação de cerco e o pessimismo levam aos extremos da guerra e prometem assegurar a paz através da criação de um deserto. No Médio Oriente só a vitória parece garantir a paz. Mas a vitória implica a guerra e a paz perde-se num horizonte riscado pela destruição e pela morte.
O Médio Oriente representa hoje a impotência imperial dos Estados Unidos. Depois da “revolução púrpura” no Iraque, depois da “revolução dos cedros” no Líbano, o Médio Oriente deveria estar no caminho sustentado para uma “nova ordem”. Uma nova ordem caracterizada pela “liberdade” e pela “democracia”. No entanto, a realidade desafia a teoria e o Médio Oriente caminha previsivelmente para o caos. Compare-se a actuação dos Estados Unidos na actual crise com a decisão e a confiança projectadas na crise do Suez em 1956. Compare-se a lenta e hesitante resposta da diplomacia americana hoje com as 24 230 milhas percorridas em 34 dias por Henry Kissinger para garantir um acordo entre Israel e a Síria em 1973. O que deve ser dito é que a política externa dos Estados Unidos está absolutamente centrada na “guerra contra o terror”. Uma guerra contra uma “abstracção” e que ameaça deixar os Estados Unidos sem vestígio de política externa.
Quanto à Europa pouco haverá para dizer. A exigência de uma “cessação imediata das hostilidades seguida por um cessar-fogo sustentável” enquadra-se no estilo e no tom da União Europeia. Um estilo e um tom reféns de uma ideia de “rapprochement”, que funcionou na reconciliação entre a França e a Alemanha, mas que no Médio Oriente são um refúgio para a impotência.
Entretanto, sem “potência dominante” capaz de exercer “infuência”, o Médio Oriente resvala para nova guerra. E quando cair o primeiro míssil em Tel Aviv? Ou em Damasco? Ou em Teerão?
Em Agosto de 1943, os caminhos de ferro da Alemanha cobravam 0.04 Reichmarks por judeu e por kilómetro. Metade do preço por cada criança e descontos especiais para grupos de 400. Não, não se trata de uma campanha de uma qualquer agência de viagens. A Europa em que tudo isso aconteceu é hoje um país distante. Mas eu insisto. Em Agosto de 2006, qual é o preço de uma vida? Deixo pois a questão às consciências deste mundo.
1 Comments:
Enquanto escrevo estas linhas não existem homens civilizados sobrevoando a cidade.
Não ouço o barulho das sirenes, nem o estrondo dos Katyushas, nem o ruído sofisticado dos mísseis de última geração.
Mas passam pelo meu olhar as imagens da devastação, a figura dos mortos, a bandeira amarela e verde do Hezbollah, os tanques israelitas e a estrela de David. No Médio Oriente não existem inocentes, nem processo político, nem “roteiro para a paz”.
Israel não vai desaparecer do mapa e os Palestinianos não pretendem ir a lado nenhum.
O Hamas e o Hezbollah reconhecem no entanto a utilidade da “entidade Sionista” – ao reunir os judeus num único lugar, a morte de todos os judeus tornou-se no “objectivo político” por excelência.
Em Israel, a sensação de cerco e o pessimismo levam aos extremos da guerra e prometem assegurar a paz através da criação de um deserto. No Médio Oriente só a vitória parece garantir a paz.
Mas a vitória implica a guerra e a paz perde-se num horizonte riscado pela destruição e pela morte.
O Médio Oriente representa hoje a impotência imperial dos Estados Unidos. Depois da “revolução púrpura” no Iraque, depois da “revolução dos cedros” no Líbano, o Médio Oriente deveria estar no caminho sustentado para uma “nova ordem”.
Uma nova ordem caracterizada pela “liberdade” e pela “democracia”.
No entanto, a realidade desafia a teoria e o Médio Oriente caminha previsivelmente para o caos. Compare-se a actuação dos Estados Unidos na actual crise com a decisão e a confiança projectadas na crise do Suez em 1956. Compare-se a lenta e hesitante resposta da diplomacia americana hoje com as 24 230 milhas percorridas em 34 dias por Henry Kissinger para garantir um acordo entre Israel e a Síria em 1973. O que deve ser dito é que a política externa dos Estados Unidos está absolutamente centrada na “guerra contra o terror”. Uma guerra contra uma “abstracção” e que ameaça deixar os Estados Unidos sem vestígio de política externa.
Quanto à Europa pouco haverá para dizer. A exigência de uma “cessação imediata das hostilidades seguida por um cessar-fogo sustentável” enquadra-se no estilo e no tom da União Europeia. Um estilo e um tom reféns de uma ideia de “rapprochement”, que funcionou na reconciliação entre a França e a Alemanha, mas que no Médio Oriente são um refúgio para a impotência.
Entretanto, sem “potência dominante” capaz de exercer “infuência”, o Médio Oriente resvala para nova guerra. E quando cair o primeiro míssil em Tel Aviv? Ou em Damasco? Ou em Teerão?
Em Agosto de 1943, os caminhos de ferro da Alemanha cobravam 0.04 Reichmarks por judeu e por kilómetro. Metade do preço por cada criança e descontos especiais para grupos de 400. Não, não se trata de uma campanha de uma qualquer agência de viagens. A Europa em que tudo isso aconteceu é hoje um país distante. Mas eu insisto.
Em Agosto de 2006, qual é o preço de uma vida?
Deixo pois a questão às consciências deste mundo.
Enviar um comentário
<< Home