POR ONDE VAI ESTE P.S.? [Parte II]
Quem tem medo de Ana Gomes?
Sou amigo de Ana Gomes e tenho grande apreço pelas suas qualidades políticas - pela frontalidade, a coragem e a paixão com que se bate pelas causas em que acredita. Ela bateu-se quase sozinha na frente diplomática - primeiro ainda nos bastidores das chancelarias, depois como nossa embaixadora em Jacarta - pela causa de Timor, suscitando o respeito e a admiração de adversários temíveis como o antigo ministro dos Estrangeiros indonésio, Ali Alatas. Agora, deputada europeia, tem-se batido para que se apure a verdade acerca dos voos clandestinos da CIA sobre território português e o estacionamento em aeroportos nacionais de aviões transportando alegados suspeitos de terrorismo para prisões secretas fora do território americano, onde esses prisioneiros seriam sujeitos a torturas e outros tratamentos interditos pelas convenções internacionais.
Como Ana Gomes põe em tudo o que faz a força das suas convicções, isso leva-a, porventura, a ser excessivamente temperamental e pouco diplomática nalguns combates, prejudicando eventualmente as razões que lhe assistem. Mas nada justifica a hostilidade, o rancor e a má-fé ostensiva que a sua voz incómoda tem provocado entre os que pretendem silenciá-la, designadamente nos partidos da direita ou no próprio Partido Socialista, onde é forte a tentação de a ver sentenciada sumariamente por feitiçaria.
Mesmo que Ana Gomes não tenha provas absolutamente acabadas de algumas suspeitas que levantou, a comissão de inquérito do Parlamento Europeu designada para investigar este caso já estabeleceu, pelo menos, duas coisas: que cerca de uma centena de voos da CIA transportando alegados suspeitos de terrorismo passaram efectivamente por território português; e que as autoridades nacionais foram cúmplices - por acção, omissão ou pura e simples negligência - com as actividades clandestinas e ilegais dos serviços secretos americanos.
Ora, o PS, o PSD e o CDS-PP opõem-se à realização de um inquérito parlamentar para apurar o que se passou e as responsabilidades dos Governos envolvidos (o actual e os dois anteriores), revelando uma estranha mas sintomática cumplicidade na conspiração do silêncio e na diminuição do estatuto e funções do Parlamento.
Por outro lado, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, parece querer fazer deste caso um pretexto de bizarros melindres pessoais, recusando-se a colaborar cabalmente no esclarecimento da verdade - e insistindo por isso na sua ocultação. A que se deve tanto receio e mistério? Tratar-se-á de um segredo de Estado tão tenebroso que estaria vedado ao conhecimento dos cidadãos? Que esqueletos esconde o tão susceptível e embaraçado ministro Amado no armário da nossa suavíssima diplomacia?
Se quem não deve não teme, o Governo, o PS e os partidos da direita parecem ter muitas razões para dever e, por isso, para temer. Mas temer o quê? Que se confirme o servilismo político dos Governos anteriores em relação à Administração Bush? E que se conclua que o Governo socialista se deixou aprisionar no enredo tecido por Durão Barroso na cimeira das Lajes? Se Ana Gomes e a comissão de inquérito do Parlamento Europeu fossem apenas lunáticos perigosos e irresponsáveis, nada deveria impedir as autoridades de demonstrá-lo. Ora, ao não o fazerem, limitam-se a avolumar as suspeitas de encobrimento de um escândalo que pode provocar danos irreparáveis na imagem de credibilidade e dignidade do Estado português.
Das duas, uma: ou as autoridades nacionais não foram sequer ouvidas nem achadas sobre os voos secretos americanos e recusam admitir o desprezo a que foram votadas por Washington, como se fôssemos uma insignificante colónia ou uma anedótica república das bananas; ou então aprovaram, calaram e con- sentiram o que não querem reconhecer publicamente por inconfessável vergonha política. Ou, então, são as duas numa. Ou seja: não fomos ouvidos nem achados, mas acabámos por aprovar, calar e consentir, como no conto clássico do marido enganado.
Apenas isto explica que não se tivesse seguido a argumentação proposta por Mário Bettencourt Resendes no seu último artigo neste jornal: declarar primeiro que, ao abrigo da luta contra o terrorismo, haviam sido concedidas algumas facilidades de trânsito aéreo, desde que não violassem as normas do Direito Internacional; mas afirmar depois que, no caso de se comprovarem essas violações, iludindo a boa-fé do Estado português, seriam pedidas explicações e revistas futuras decisões neste domínio. Assim, ficaram a nu a hipocrisia e a cobardia dos responsáveis políticos portugueses, expondo o País ao enxovalho de ter sido abusado e ter consentido esse abuso. Um País que não se respeita nem se dá ao respeito. Será por isso que tantos têm medo de Ana Gomes?
Vicente Jorge Silva
Como Ana Gomes põe em tudo o que faz a força das suas convicções, isso leva-a, porventura, a ser excessivamente temperamental e pouco diplomática nalguns combates, prejudicando eventualmente as razões que lhe assistem. Mas nada justifica a hostilidade, o rancor e a má-fé ostensiva que a sua voz incómoda tem provocado entre os que pretendem silenciá-la, designadamente nos partidos da direita ou no próprio Partido Socialista, onde é forte a tentação de a ver sentenciada sumariamente por feitiçaria.
Mesmo que Ana Gomes não tenha provas absolutamente acabadas de algumas suspeitas que levantou, a comissão de inquérito do Parlamento Europeu designada para investigar este caso já estabeleceu, pelo menos, duas coisas: que cerca de uma centena de voos da CIA transportando alegados suspeitos de terrorismo passaram efectivamente por território português; e que as autoridades nacionais foram cúmplices - por acção, omissão ou pura e simples negligência - com as actividades clandestinas e ilegais dos serviços secretos americanos.
Ora, o PS, o PSD e o CDS-PP opõem-se à realização de um inquérito parlamentar para apurar o que se passou e as responsabilidades dos Governos envolvidos (o actual e os dois anteriores), revelando uma estranha mas sintomática cumplicidade na conspiração do silêncio e na diminuição do estatuto e funções do Parlamento.
Se quem não deve não teme, o Governo, o PS e os partidos da direita parecem ter muitas razões para dever e, por isso, para temer. Mas temer o quê? Que se confirme o servilismo político dos Governos anteriores em relação à Administração Bush? E que se conclua que o Governo socialista se deixou aprisionar no enredo tecido por Durão Barroso na cimeira das Lajes? Se Ana Gomes e a comissão de inquérito do Parlamento Europeu fossem apenas lunáticos perigosos e irresponsáveis, nada deveria impedir as autoridades de demonstrá-lo. Ora, ao não o fazerem, limitam-se a avolumar as suspeitas de encobrimento de um escândalo que pode provocar danos irreparáveis na imagem de credibilidade e dignidade do Estado português.
Das duas, uma: ou as autoridades nacionais não foram sequer ouvidas nem achadas sobre os voos secretos americanos e recusam admitir o desprezo a que foram votadas por Washington, como se fôssemos uma insignificante colónia ou uma anedótica república das bananas; ou então aprovaram, calaram e con- sentiram o que não querem reconhecer publicamente por inconfessável vergonha política. Ou, então, são as duas numa. Ou seja: não fomos ouvidos nem achados, mas acabámos por aprovar, calar e consentir, como no conto clássico do marido enganado.
Apenas isto explica que não se tivesse seguido a argumentação proposta por Mário Bettencourt Resendes no seu último artigo neste jornal: declarar primeiro que, ao abrigo da luta contra o terrorismo, haviam sido concedidas algumas facilidades de trânsito aéreo, desde que não violassem as normas do Direito Internacional; mas afirmar depois que, no caso de se comprovarem essas violações, iludindo a boa-fé do Estado português, seriam pedidas explicações e revistas futuras decisões neste domínio. Assim, ficaram a nu a hipocrisia e a cobardia dos responsáveis políticos portugueses, expondo o País ao enxovalho de ter sido abusado e ter consentido esse abuso. Um País que não se respeita nem se dá ao respeito. Será por isso que tantos têm medo de Ana Gomes?
Vicente Jorge Silva
2 Comments:
Já começa a ser demais
Entendo que Jaime Gama diga a um euro-deputado que a Assembleia da República não é o Jardim da Estrela onde ele pode sentar-se onde quer e reunir com quem entender, que não seja possível identificar os passageiros dos voos qu sobrevoam Portugal ou mesmo identificar os passageiros de aviões que façam escala técnica, até entendo que não se saiba muito bem o que fazem os aviões militares americanos que passem pela Lages. O que não entendo é tanto empenho do ministro dos Negócios Estrangeiros e fazer calar o assunto, ao ponto de mandar cartas para o Parlamento Europeu. Já começa a ser demais.
SÓ DEUS SABERÁ
Porquê Luís Amado está tão empenhado em proteger Bush e Durão Barroso:
«Luís Amado, ministro dos Negócios Estrangeiros, está a dar tudo por tudo para evitar que o Parlamento Europeu (PE) emita um veredicto envolvendo de alguma forma os últimos governos portugueses no programa de voos e prisões secretas da CIA.
Numa iniciativa inédita, o gabinete de Amado decidiu enviar ao PE, por escrito, em português e em inglês, uma contestação detalhada de todas as alegações sobre o eventual conhecimento por parte de Portugal das actividades ilegais da organização secreta norte-americana.»
[Público]
Solicite-se esclarecimento a Luís Amado.
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