sexta-feira, 9 de fevereiro de 2007

ASSINAR EM NOME DE QUÊ?

Os panegiristas da intervenção norte-americana no Iraque contraíram votos de silêncio. Depois da incessante epifania acerca das virtudes admiráveis dos queridos Bush e Blair, fizeram a transição do calor entusiástico para o mutismo do faz-de-conta.

Bush sofre humilhações permanentes como se nada fosse com ele: esboça aquele sorriso matóide e afivela uns dislates aterradores. Blair, esse, apoiado num marquetingue tão hábil que conseguiu ludibriar os habitualmente cautos ingleses, deixa o seu país de rastos, moral, cívica e economicamente.

Soldados das forças aliadas caem como tordos. Mas o número de iraquianos mortos atinge números assustadores. É difícil ocultar a natureza belicista do império. Gente como os grandes escritores Gore Vidal e Norman Mailer escrevem sobre a vergonha que sentem em pertencer a um país que tem Bush como gerente. E até o sorridentemente comedido John Updick utilizou um arsenal de adjectivos para qualificar o que considera a maior desgraça americana desde o assassínio de Kennedy.

A camuflagem ideológica de Bush foi raptada da doutrina Reagan, a qual não apresentava grandes variantes às anteriores políticas externas de republicanos ou democratas. A tradição de Esquerda, nos Estados Unidos, não é mais do que um léxico. A de Direita expõe maior coerência: corresponde à defesa dos interesses das multinacionais, mesmo que para isso haja que utilizar todas as armas em depósito, apoiar ditaduras sanguinárias, invadir países, ignorar genocídios e latrocínios ou, até, patrociná-los, financiar a vadiagem mais sórdida em todo o planeta.

A invasão do Iraque não se harmoniza com nenhuma originalidade.

Desde 1948-49 que os EUA exercem nefasta influência em toda aquela vasta região. Tudo o que de mau ali sucede tem os norte-americanos por detrás. E é espantosa a vertigem suicida com que as sucessivas Administrações se precipitam no abismo do descrédito, do ódio e do nojo.
Há duas décadas, era a ameaça comunista, pretexto que lhes sustentou a ideologia e, por conseguinte, a política de atrocidades, praticada um pouco ou largamente por todo o mundo.
Na década de 60, uma das frentes mais activas foi a América Latina. Washington financiou, armou e embalou com carinho selváticos ditadores de Direita, que dizimaram populações, cometeram bárbaros crimes políticos, e afugentaram dos respectivos países os maiores intelectuais. Ajudou a derrubar governos democraticamente eleitos, casos do Brasil, do Panamá, de Grenada, do Uruguai, do Chile; e treinou terroristas de Direita no Iémen, Afeganistão, Síria, Paquistão, Iraque, Irão, Líbano, Indonésia, Filipinas, Tailândia, Camboja, Vietname, Laos.
Foi o carinhoso e afável Presidente Ford que deu autorização para a Indonésia invadir Timor.


Estejam no poder democratas ou republicanos, a melodia não se altera substancialmente.
Armaram terroristas até aos dentes e, agora, querem partir dentes a terroristas.
O inferno de Bagdade não arrefecerá tão cedo.
As labaredas ateadas continuarão a expandir-se, mesmo que as tropas aliadas sejam coagidas, pela força imponente das circunstâncias, a embarcar rapidamente. Saddam foi condenado e executado de forma infame.
Porém, falta alguém no tribunal.
Creio que vai faltar sempre.
É essa impunidade que suscita a raiva e a cólera de milhões e milhões de homens, para os quais as ideias de negócio dos EUA resumem todo o negócio das ideias.


Estamos perante factos novos e novas maneiras de pensar.
A mera incidência de considerarmos como fatalidade inapelável os efeitos da globalização neoliberal, impele a Direita populista a ocupar o vazio do político, deixado por uma Esquerda comprometida com o falacioso equilíbrio proporcionado pelo centro.
O centro não existe; e, quando emerge no discurso da Esquerda moderna, esse epifenómeno rejeita a sinalização de problemas reais, e pratica a evaporização da cultura de solidariedade.
Sócrates não é melhor nem pior do que Blair, que chegou a proferir uma lengalenga cuja índole se afirmava pela chegada dos tempos pós-políticos.


A inoperatividade da Esquerda, ou o que dela resta, é o problema mais importante que se tem perfilado na paisagem político-social.
A utensilagem cultural e conceptual da Esquerda tornou-se obsoleta.
Ao converter-se em associações apolíticas grande número dos chamados partidos socialistas assumiram-se como inimigos de si mesmos.
O subterfúgio era o combate contra o comunismo, e o marxismo configurava a doutrina do mal.
O PS de Mário Soares gritava ensurdecedoramente, uma aguerrida palavra de ordem: Partido Socialista, Partido Marxista!
Pouco depois, adaptou-se a formas de representação mais adequadas.
Até que chegámos a isto.


A cumplicidade abjecta de inúmeros senhoritos com as bondades da globalização e com as inexcedíveis virtudes das chefias norte-americanas causou, tem causado, vai causar milhões e milhões de mortos.
Alguns intelectuais, em geral de modesto estofo e medíocre estirpe, mas com espaço aberto na Imprensa, tentaram estabelecer vínculos de cultura ocidental com o actual pensamento ideológico norte-americano.
É um impulso que já foi.
O Iraque, afinal, parece haver-se convertido num pólo que derruba juízos e preconceitos aparentemente consolidados. E tudo indica que a América vai sofrer uma derrota tão vergonhosa como as que amargou na Coreia e no Vietname.


B.B.

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5 Comments:

At 9 de fevereiro de 2007 às 19:03, Anonymous Anónimo said...

Alguns jornalistas que pululam na polis são uns verdadeiros acrobatas, são piores do que zebras encavalitadas em girafas, julgando assim que alcançam o horizonte e o zenite das relações internacionais contemporâneas cavalgando ondas alheias (e até anti-patrióticas), como por vezes faz o surfista quando pretende tubar a onda, e não acabar submergido pelas circunstâncias.

Creio que é o que hoje se passa com alguns desses muito pontuais jornalistas que de realpolitik sabem "zero".
São esses os novos perigos das democracias que, consabidamente, têm o ventre mole e acolhem muitas salamandras. E quando estas campanhas de intoxicação são concertadas por alguma diplomacia obtusa e vingativa por motivações pessoais, políticas e partidárias, que é o que anima Ana Gomes nesta sua cruzada balofa contra o Estado português e os seus agentes no poder legitimados pelo povo, a coisa pode ainda assumir contornos mais problemáticos.

Decorre daqui que os serviços secretos portugueses são os que temos, mas não podemos contribuir para os penalizar ou amputar a sua acção de prevenção ou de repressão com campanhas sujas nos media ou mesmo junto de órgãos de fiscalização do aparelho de Estado. Eles são essenciais ao Estado, mormente hoje em que a globalização competitiva multifacetou a paleta das ameaças, dos riscos e dos perigos a que o terrorismo errático e desterritorializado veio dar corpo.
É por esta razão que a Intelligence lusa deverá ser acarinhada, apoiada e melhor equipada - em meios, estratégias e numa clarificação legal que, por hora, a emperra mais do que a motoriza.

Já bem basta saber que os serviços secretos nacionais estão assombrados pelo fantasma do passado, têm hoje escassos meios e são manipulados/instrumentalizados pelos vários governos que têm estado no poder desde o 25 de Abril.
Têm ainda de lidar com o desprezo e ódio dos cidadãos que os confundem com a PIDE/DGS e com a censura pidesca de meio século de ditadura salazarista, coabitam com a animosidade dos instrumentos e demais órgãos de Estado (com quem colaboram de forma problemática e conflituosa), recebem a indiferença do empresariado, assumem o fardo da pesada memória e a extrema dificuldade em coordenar informações, meios e estratégias com as demais forças de segurança do Estado - que lhes emperra as investigações e atravanca os bons resultados a que pretendem chegar.

Eis o passivo político dos serviços secretos portugueses, hoje agrilhoados por estas condições estruturais que impede o seu natural crescimento, modernização e desenvolvimento.

Como se estas dificuldades estruturais não fossem já de monta, ainda conhecemos hoje uma diplomata de carreira (amiga de Ferro Rodrigues entretanto desterrado para a OCDE pelas razões conhecidas), por sinal (paradoxal) Eurodeputada pelas listas do PS, que hoje tenta, por todos os meios ao seu alcance, descredibilizar o Estado português em matéria de informações sensíveis (que deveriam ficar nos arcana imperii e não jogados na praça pública em peixeiradas lamentáveis), porque é de terroristas que se trata e não de benfeitores, e fazer cair Luís Amado (MNE), subtrair popularidade ao PM, José Sócrates e, com isso, vulnerabilizar o território, os bens e as pessoas do nosso País.

Tudo em nome duma vendetta privada com puras motivações politico-pessoais, embora ocultadas sob o vested interest da busca da verdade, das convenções de guerra e da defesa dos direitos humanos, que a srª Ana alimenta desde que Sócrates conquistou o poder com maioria absoluta.

Veremos quem mais, além da eurodeputada do PS, a quem já deveria ter sido retirada toda a confiança política, se predispõe hoje a brincar ao lego político dos espiões e dos contra-espiões fragilizando assim a posição estratégica do Estado português e dos seus interesses vitais permanentes - que herdou um problema grave ao tempo de Durão Barroso e da Cimeira dos Açores (que mediou e legitmou a guerra ao Iraque) pelo desmiolado G.w.Bush.

Veremos de quem (mais) se trata...

 
At 9 de fevereiro de 2007 às 23:17, Anonymous Anónimo said...

Foram precisos quatro anos depois da invasão do Iraque, que ele apoiou entusiasticamente, para que o antigo primeiro-ministro espanhol José Maria Aznar viesse finalmente reconhecer que não havia "armas de destruição maciça" no Iraque.
Mas desculpou-se:
...«toda a gente pensava que existiam»...
Toda a gente!?
Uma mentira não deixa de o ser por ser muitas vezes repetida

 
At 10 de fevereiro de 2007 às 15:05, Anonymous Anónimo said...

Dons Quixotes

Apesar de Cervantes não ter sido português deixou por cá a tradição dos Dons Quixotes, temos cavaleiros andantes para todas as grandes batalhas, na corrupção tínhamos o eng. Cravinho que fez um intervalo para viver bem em Londres e agora temos a Ana Gomes na questão dos voos da CIA. O trabalho da euro-deputada é positivo até ao momento em que deixa de ser uma batalha política para se tornar numa guerra pessoal com contornos de birra interna do PS. Agora anda a aplaudir governos estrangeiros para pressionar o governo do seu partido, um gesto que não lhe fica muito bem.

 
At 10 de fevereiro de 2007 às 15:11, Anonymous Anónimo said...

COITADO DO GEORGE, FOI ENGANADO

«Uma investigação do Pentágono concluiu que o gabinete do antigo sub-secretário da Defesa Douglas Feith produziu informações “dúbias” sobre o regime de Saddam Hussein, que viriam a ser usadas pela Administração para justificar a guerra no Iraque.»
In:Público



E com aquele ar de inteligente até nem deve ser fácil de se deixar enganado.

Que mais irão descobrir os americanos?

 
At 11 de fevereiro de 2007 às 01:02, Anonymous Anónimo said...

O governo espanhol aprovou na sexta-feira em Conselho de Ministros a desclassificação de todos os documentos do Centro Nacional de Inteligência (CNI) sobre os alegados voos ilegais da CIA que fizeram escala em aeroportos espanhóis, solicitados pelo juiz que está a investigar o caso.

O que está à espera o governo de Sócrates?

 

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