LISBOA COMO PRETEXTO
E assim estamos nesta enfarinhada
Fialho D’Almeida
O endossar para António Costa a grave responsabilidade de reconquistar Lisboa, José Sócrates faz um jogo perigoso.
Pretende afastar um émulo na corrida para a chefia do PS.
Ao mesmo tempo, se Costa perder, os efeitos colaterais atingi-lo-ão de forma escassa. O primeiro-ministro é hábil nestes malabarismos políticos.
Casos ilustrativos: as manobras que conduziram à derrota de Mário Soares, a última pessoa que desejava ver em Belém; e a inesperada votação em Manuel Alegre, que lhe serviu para dividir os votos socialistas.
Não há que fugir disto.
Contudo, devo dizer à puridade que nada tenho de pessoal contra Sócrates: as minhas reflexões enquadram-se num registo político e numa exigência ética.
Apesar de todo o alarido, a vitória de António Costa não é um dado antecipadamente adquirido.
O PSD de Marques Mendes, cuja deriva faz crescer as ambições de Paulo Portas, inflecte, cada vez mais, para o disparate.
Não lembraria a ninguém convidar Fernando Seara para candidato a Lisboa.
O homem está de pedras e cal em Sintra. E depois, se o famoso comentador de futebol aceitasse?
Quem o substituiria lá, onde tão bem está, e tão bem se sente?
O grande trunfo de Mendes seria, creio, Manuela Ferreira Leite.
A imagem de seriedade, de competência, de frieza, que acompanha a senhora, condiz com as aspirações do povo à submissão, a estar sob mão-de-ferro. O lisboeta cansou-se da ligeireza de Santana, da moleza de Carmona, das ambiguidades de uma gestão municipal que impeliu a cidade para a catástrofe.
Lisboa desertifica-se, tem sido território fértil para aventureirismos, inexiste ordenação urbana, esventram-na inutilmente – e ninguém é condenado. Manuela Ferreira Leite seria, porventura, a endireita o sítio. Porém, ela não é grande apreciadora de Mendes. E embora o cargo de presidente da Câmara Municipal de Lisboa seja tão, ou mais importante do que o de ministro, a senhora alimenta outros desígnios. Em desespero de causa, Mendes indica Fernando Negrão, que ficou todo contente com ser a segunda, terceira ou quarta escolha.
Há outros engulhos nesta gesta.
Helena Roseta, que saiu do PS batendo com a porta a uma inequívoca má-criação de Sócrates, apresentou-se como independente.
Não embarco nessa de ela cindir a Esquerda.
Foi Sócrates o culpado desta cisão. E a Esquerda, afinal, são várias e antagónicas. Helena Roseta seguiu os impulsos da sua consciência indignada, tomando uma decisão que lhe é comum e ao seu lastro histórico.
Ela vem de longe, do tempo em se falava baixinho, se escrevia baixinho e se raciocinava baixinho.
Pertence a uma grande geração de portugueses, marcada pela década de 60, que pôs em causa o que em causa devia ser posto.
O que José Sócrates lhe fez, não respondendo a uma carta por ela enviada, roça a indignidade.
Costa, sobressaltado pelos previsíveis danos que Helena Roseta fará à sua candidatura, telefonou-lhe, tentando dissuadi-la de continuar.
A coragem desta mulher ilustra o susto mal dissimulado dos dirigentes do PS.
Paulo Portas, entretanto, aguarda, arfante, os fragmentos do PSD, as quezílias internas dos barões sociais-democratas, as críticas cada vez mais veementes feitas pelo guru Pacheco Pereira, pelo fatal Luís Filipe Meneses, pelo donairoso Santana, cada um deles representando outras tantas vias, outras tantas visões do partido. Percebeu que a arrancada contra Ribeiro e Castro não foi assim tão gloriosa, e que precisa de uma aberta no murete do PSD para lhe extrair votantes.
Para Paulo Portas, Lisboa é, tão-só, neste momento, uma arena onde se digladiam outros paladinos, que não ele.
O panorama político português é esta desgraça emoliente.
Uma casta de segunda ordem assenhoreou-se do poder, à custa de promessas enganosas, de mentiras toscamente urdidas, de manifestas trapalhadas, de trocas de favores.
O PS e o PSD correspondem-se nessas pequenas, porém torpes manigâncias. Deixou, há muito, de haver espírito de missão, de batalhas ideológicas, de polémicas determinadas pelas convicções.
É tremendo que a governação esteja entregue a uma gentalha cujos desígnios se situam entre ganhar ou perder.
Dizem-nos que vamos bem de economia, metralham-nos com palavras ocas, enchem-nos de propaganda.
Nada do que dizem corresponde à verdade.
Cercam aqueles de que mais precisam.
São calamitosos e, até, obscenos, os lucros dos bancos, das companhias de seguros, das grandes multinacionais.
Confunde-se, deliberadamente e por estratégia ideológica, finanças com economia. Atiram-nos com números, desprovidos de qualquer sentido do humano.
O fosso entre dirigentes e dirigidos, entre governantes e governados atinge índices semelhantes aos do tempo do fascismo.
As fabulosas fortunas, obtidas cavilosamente e em tempo récord, escapam ao mais vulgar entendimento.
As sondagens são eloquentes: a esmagadora maioria dos empresários portugueses sofre de iliteracia galopante.
As comparações com o estrangeiro tornam-se estarrecedoras pelo volume de disparidade.
Quando dois grandes partidos, PS e PSD, demonstram evidente dificuldade em escolher nomes credíveis para a Câmara de Lisboa, e os que apresentam são remendos mal cerzidos, ou, então, manobras sibilinas de exclusão e de interesse pessoal – então, o retrato previsto é bem pior do que imaginámos.
Fialho D’Almeida
O endossar para António Costa a grave responsabilidade de reconquistar Lisboa, José Sócrates faz um jogo perigoso.
Pretende afastar um émulo na corrida para a chefia do PS.
Ao mesmo tempo, se Costa perder, os efeitos colaterais atingi-lo-ão de forma escassa. O primeiro-ministro é hábil nestes malabarismos políticos.
Casos ilustrativos: as manobras que conduziram à derrota de Mário Soares, a última pessoa que desejava ver em Belém; e a inesperada votação em Manuel Alegre, que lhe serviu para dividir os votos socialistas.
Não há que fugir disto.
Contudo, devo dizer à puridade que nada tenho de pessoal contra Sócrates: as minhas reflexões enquadram-se num registo político e numa exigência ética.
Apesar de todo o alarido, a vitória de António Costa não é um dado antecipadamente adquirido.
O PSD de Marques Mendes, cuja deriva faz crescer as ambições de Paulo Portas, inflecte, cada vez mais, para o disparate.
Não lembraria a ninguém convidar Fernando Seara para candidato a Lisboa.
O homem está de pedras e cal em Sintra. E depois, se o famoso comentador de futebol aceitasse?
Quem o substituiria lá, onde tão bem está, e tão bem se sente?
O grande trunfo de Mendes seria, creio, Manuela Ferreira Leite.
A imagem de seriedade, de competência, de frieza, que acompanha a senhora, condiz com as aspirações do povo à submissão, a estar sob mão-de-ferro. O lisboeta cansou-se da ligeireza de Santana, da moleza de Carmona, das ambiguidades de uma gestão municipal que impeliu a cidade para a catástrofe.
Lisboa desertifica-se, tem sido território fértil para aventureirismos, inexiste ordenação urbana, esventram-na inutilmente – e ninguém é condenado. Manuela Ferreira Leite seria, porventura, a endireita o sítio. Porém, ela não é grande apreciadora de Mendes. E embora o cargo de presidente da Câmara Municipal de Lisboa seja tão, ou mais importante do que o de ministro, a senhora alimenta outros desígnios. Em desespero de causa, Mendes indica Fernando Negrão, que ficou todo contente com ser a segunda, terceira ou quarta escolha.
Há outros engulhos nesta gesta.
Helena Roseta, que saiu do PS batendo com a porta a uma inequívoca má-criação de Sócrates, apresentou-se como independente.
Não embarco nessa de ela cindir a Esquerda.
Foi Sócrates o culpado desta cisão. E a Esquerda, afinal, são várias e antagónicas. Helena Roseta seguiu os impulsos da sua consciência indignada, tomando uma decisão que lhe é comum e ao seu lastro histórico.
Ela vem de longe, do tempo em se falava baixinho, se escrevia baixinho e se raciocinava baixinho.
Pertence a uma grande geração de portugueses, marcada pela década de 60, que pôs em causa o que em causa devia ser posto.
O que José Sócrates lhe fez, não respondendo a uma carta por ela enviada, roça a indignidade.
Costa, sobressaltado pelos previsíveis danos que Helena Roseta fará à sua candidatura, telefonou-lhe, tentando dissuadi-la de continuar.
A coragem desta mulher ilustra o susto mal dissimulado dos dirigentes do PS.
Paulo Portas, entretanto, aguarda, arfante, os fragmentos do PSD, as quezílias internas dos barões sociais-democratas, as críticas cada vez mais veementes feitas pelo guru Pacheco Pereira, pelo fatal Luís Filipe Meneses, pelo donairoso Santana, cada um deles representando outras tantas vias, outras tantas visões do partido. Percebeu que a arrancada contra Ribeiro e Castro não foi assim tão gloriosa, e que precisa de uma aberta no murete do PSD para lhe extrair votantes.
Para Paulo Portas, Lisboa é, tão-só, neste momento, uma arena onde se digladiam outros paladinos, que não ele.
O panorama político português é esta desgraça emoliente.
Uma casta de segunda ordem assenhoreou-se do poder, à custa de promessas enganosas, de mentiras toscamente urdidas, de manifestas trapalhadas, de trocas de favores.
O PS e o PSD correspondem-se nessas pequenas, porém torpes manigâncias. Deixou, há muito, de haver espírito de missão, de batalhas ideológicas, de polémicas determinadas pelas convicções.
É tremendo que a governação esteja entregue a uma gentalha cujos desígnios se situam entre ganhar ou perder.
Dizem-nos que vamos bem de economia, metralham-nos com palavras ocas, enchem-nos de propaganda.
Nada do que dizem corresponde à verdade.
Cercam aqueles de que mais precisam.
São calamitosos e, até, obscenos, os lucros dos bancos, das companhias de seguros, das grandes multinacionais.
Confunde-se, deliberadamente e por estratégia ideológica, finanças com economia. Atiram-nos com números, desprovidos de qualquer sentido do humano.
O fosso entre dirigentes e dirigidos, entre governantes e governados atinge índices semelhantes aos do tempo do fascismo.
As fabulosas fortunas, obtidas cavilosamente e em tempo récord, escapam ao mais vulgar entendimento.
As sondagens são eloquentes: a esmagadora maioria dos empresários portugueses sofre de iliteracia galopante.
As comparações com o estrangeiro tornam-se estarrecedoras pelo volume de disparidade.
Quando dois grandes partidos, PS e PSD, demonstram evidente dificuldade em escolher nomes credíveis para a Câmara de Lisboa, e os que apresentam são remendos mal cerzidos, ou, então, manobras sibilinas de exclusão e de interesse pessoal – então, o retrato previsto é bem pior do que imaginámos.
B.B.
Etiquetas: Partido Socialista
4 Comments:
Sócrates deve gostar tanto de António Costa como eu gosto deles os dois.
Será que o Secretário-geral do PS que não apareceu na campanha para as eleições regionais da Madeira vai fazer campanha por Costa nas eleições intercalares para a Câmara de Lisboa?
Excelente editorial de José Manuel Fernandes (Público, 18.5.2007: 46), que reproduzo parcialmente:
«Como é possível que quase ninguém se indigne, quase ninguém se choque, quando o partido do Governo vai buscar ao Tribunal Constitucional, que devia ser uma pedra angular do nosso sistema democrático, alguém que para lá elegeu há apenas dois meses?
Como é possível que um candidato à Câmara de Lisboa, por acaso o apresentado pelo partido do Governo, lamente não ter conseguido formar uma coligação, quando essa mesma pessoa inviabilizou quaisquer coligações? Será que tal personagem nem sequer cora ao tornar claro que a data das eleições teria sido outra, se ele tivesse conseguido que os partidos que insultou repetidamente agora lhe prestassem vassalagem? Será que pensa que somos todos idiotas?
Como se compreende que um Presidente da República nada diga, podendo tê-lo feito na tomada de posse de ontem, que a grosseira ignorância de qualquer sentido de Estado que representa desestabilizar de novo o Tribunal Constitucional vai contra o que sempre defendeu, quando privilegiou a estabilidade sobre a oportunidade política?
Como é possível que a PT se prepare para fazer exactamente o contrário do que prometeu no que respeita à separação das redes de cobre e de cabo e todos estejam calados? Mais: que o banco do Estado, a CGD, pareça estar a actuar como instrumento de tal vilania? E por que é que ninguém se interroga sobre a forma como, sem explicação plausível, certos grupos de comunicação se tenham rendido ao charme do poder exactamente no momento em que o seu patrão depende do Governo para concretizar o negócio da sua vida?
Como é possível que ainda ontem o partido da maioria se tenha rendido ao interesse das concessionárias das auto-estradas depois de ter defendido que, quando há troços em obras, as portagens deviam traduzir uma menor qualidade de serviço?
Falta de transparência, jogos de influência, proteccionismos absurdos, sede de poder. Em 2007 d.C. é este o principal problema do país. E tem como pólo a mesma casa onde viveu Salazar.»
Tribunal Constitucional suspende eleições para Lisboa
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