quarta-feira, 2 de maio de 2007

'SOCIALISMO' DA DELAÇÃO

O programa Portugal - Um Retrato Social, de António Barreto e Joana Pontes, levanta uma pergunta dilemática: que parte de responsabilidade temos no estado das coisas se, no menu do nosso dia-a-dia, o medo é um dos pratos de substância? Não somos como somos por acasos da fortuna. E já fomos o que há muito deixámos de ser. Vivemos numa sociedade precaucionista, a forma mais cobarde de dissimular o medo, costuma dizer o Fernando Lopes, meu velho companheiro de tudo, que projectou, nos filmes Belarmino e Nós por Cá Todos Bem, os fantasmas dos nossos maus augúrios.

Barreto e Joana Pontes têm-nos fornecido, através da RTP, amplos motivos de reflexão sobre o íntimo destino de um estranhíssimo povo, mais propenso a caucionar o arbitrário e a admitir, resignado, o tirano, do que a fazer de cada momento da sua história um marco de consciência cívica.
Quando um governo socialista promove a delação como conduta, e consubstancia a infâmia num folheto sórdido, tal acontece porque ainda nos encontramos moralmente enfermos. Logo após Abril, os números do aviltamento sobressaltaram os espíritos mais cândidos: quatro milhões de portugueses com ficha na PIDE, e cerca de quatrocentos mil informadores. Agora, na Socratolândia, propõe-se a setecentas mil pessoas que delatem, sugerindo-lhes que praticam uma acção moralizante quando se trata de procedimento desonroso.
Este Governo, incapaz de cortar cerce a raiz da corrupção, avilta-nos a todos, ao acirrar à denúncia. E, ao incorrer no crime de corrupção moral, coloca-se na zona da delinquência que propugna punir.


Três séculos de Inquisição deram cabo do assomadiço que éramos. O terror da fogueira, a purificação das almas, o preço da salvação com que a Igreja pagava a denunciantes colocou-nos no lazareto espiritual. O mar desconhecido infundia-nos apreensão e susto. Não tanto quanto o dedo indicador do vizinho despeitado, do familiar desavindo, da amante abandonada.

Portugal - Um Retrato Social procede ao retrospecto de uma política, a salazarista, concebida como variante da infâmia. Porém, o que ocorre nesta democracia, notoriamente avariada, confunde-se com a indecência de um tempo em que, profusas vezes, permitimos que o mal se convertesse em fatalidade inelutável.
A democracia deve suscitar inquietações éticas nos cidadãos, nunca inspirá-los para cometimentos repugnantes. Com base no princípio da decência, a recusa à delação configura o mais nobre direito à desobediência. E o delator não passa de um vulgar canalha. Assim como quem o fomenta e exalta.
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B.B.

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5 Comments:

At 2 de maio de 2007 às 12:42, Anonymous Anónimo said...

Manifesto do Primeiro de Maio - A favor da necessidade de interditação dos direitos políticos do cidadão José Sócrates

Nós, cidadãos de pleno direito do Estado Português, em plena posse dos nossos direitos cívicos e sociais, cumpridores de todos os deveres, perante a Constituição e as leis nacionais vigentes, protegidos, desde 1985, pelos sucessivos tratados de integração do Espaço Europeu, vimos, por este meio, tomar uma posição cívica sobre um assunto que tem gangrenado e lançado um clima de suspeita generalizada sobre a Dignidade do Estado e o normal funcionamento das instituições democráticas.
Não sendo Portugal um estado pária, fazendo, pela sua história e postura de modernidade, perante o Século, parte do Hemisfério Civilizado, pretende este grupo de cidadãos não ver a sua dignidade, por arrasto, alvo de quaisquer comentários duvidosos, expressões dúbias, ou inferências, nem ver-se envolvida, por parte das imprensas nacionais dos estados, nossos pares comunitários, em qualquer tipo de escândalo, atentatório da nossa honra, paridade e presunção de verticalidade, por motivos de inoperância política, aos quais somos totalmente alheios.
Dada a urgência da situação, e não podendo a dignidade nacional, e a nossa própria, estar dependente de processos de investigação judicial, pela sua própria natureza, imprevisivelmente longos, e sendo a vulnerabilidade política um processo autónomo destas, vem este grupo de cidadãos reclamar a imediata tomada de posição dos Órgãos Eleitos da Nação.
Com vista a tornar mais visível a nossa inquietação, vimos, neste dia 1º de Maio de 2007, desencadear uma cadeia de Opinião Pública, cujo objectivo primordial é o de, em vésperas da Presidência Rotativa Europeia, impedir que a mesma seja assumida pelo Senhor José Sócrates Pinto de Sousa, que já não se encontra na plena posse das qualidades éticas, políticas e de salvaguarda da dignidade nacional necessárias para o exercício de tais funções cruciais.
Desta iniciativa, agradecemos a mais rápida e ampla divulgação.
Muito obrigado.

 
At 2 de maio de 2007 às 12:48, Anonymous Anónimo said...

Pelos meus filhos e os meus alunos de hoje, continuo do contra, mas com saudades do futuro...

Dois de Maio, madrugada de mais um dia de Primavera, ainda com restos de frio e chuva, sem que os pirilampos nos visitem, sem que a amenidade nos permita ver que as papoilas já vencem as verdes ervas dos valados. As notícias nos poluem, especialmente as da campanha eleitoral da Madeira, quando a democracia e todo um povo são instrumentalizados pelas guerrazinhas de homenzinhos que transformam o sufrágio num instrumento de justificação da personalização de um poder que tem medo de ser posto em causa pelos autores de sátiras, a quem demonizam, como fascistas, comunistas ou cubanos, ao pior estilo dos reaccionários da sacristia que pensam monopolizar o púlpito da demagogia, para que todo o peso do situacionismo se confunda com um dos actores em cena, transformando o enredo da institucionalização de conflitos no seu próprio monólogo do vaqueiro.

Porque ontem, dia 1 de Maio, regressaram todos os nossos fantasmas totalitários do século XX. De um lado, duzentos militantes que se assumiram como nacionalistas com "slogans" de um regime que também foi socialista, em "Der Arbeiter", mas sem pouca "alegria no trabalho". Do outro, os sons da memória de um comunismo, preso pelas tenazes do sovietismo e das marchas de Cuba, e agora desperto pelo calor guerrilheiro de Hugo Chávez, muito bolivariano e guevarista, enquanto o cinéfilo Portas, no calor da sua imaginação discursiva, acabou por inventar uma frase que já estava inventada ("o trabalho liberta") e que se tornou célebre nos campos de concentração hitlerianos.

É evidente que Portas, que tanto gosta de invocar o maçon Churchill, é o exacto contrário do modelo adolfiano. Só que caiu na ratoeira madeirense, posta em delírio pelo activismo imaginativo da família Baltazar, a quem louvo a coragem de ter gerado o revelador da verdade desse populismo inauguracionista de vivório e foguetório, que mancha as nobres tradições do partido de Francisco Sá Carneiro e do seu conúbio com bispos, patos bravos e padralhada, nesse regabofe a que chamam autonomia, com bofetadas nos que recusam integrar a procissão e ofensas à honra de pais e avós dos que resistem a bater de palmas ao chefe. Vale-nos que, na Madeira, não havia povos autóctenes quando os portugueses a descobriram, porque não tardaria que à Portela começassem a chegar novos retornados...

Por cá apenas permanecem esses novos indígenas que eram opositores até o novo poder os subsidiar em projectos e arranjos de estradas para as terras da família e que, de nós, apenas se querem vingar com a exportação da jardineirice de sinal aparentemente contrário, mas idêntica em teologismos de base que benzem a nova aliança social-fascista, de outras eras baladeiras, dado que agora ainda não há registos de interesses nem obrigatoriedade de comunicação do IRS dos reformados que acumulam tachos públicos, com a embriaguez dos botequins das fidalguices ou das pidarias saneadeiras...

A embriaguez discursiva dos aproveitadores das velhas lutas de classes não permitiu que vislumbrássemos a novidade de ontem, o primeiro desfile das vítimas da novíssima questão social, em torno do chamado desfile do chamado "May Day", esses novos marginais da globalização, da europeização e do chamado desenvolvimento situacionista e que, sem ser por acaso, integra quase todos os meus filhos. Porque esses são a efectiva realidade deste pretenso paraíso que, sem qualquer espécie de solidariedade, lança no desemprego essa nova forma de escravatura doce.

A sociedade que estamos a gerar, para garantir os pretensos direitos adquiridos de cerca de dois terços de instalados, lança as novas gerações no precário da falta de esperança. E porque os privilegiados têm o monopólio da palavra e do reformismo, continuam a música celestial das reformas do sistema de ensino e da luta pela qualificação, pensando que todos os jovens têm que ter o futuro dos "jotas" da partidocracia, dos sete aos setenta anos, que eles empregam como assessores e adjuntos, através da velha encomendação neofeudal da cunhocracia e do clientelismo, sem vergonha.

O desfile de ontem, dessa nova esperança dos desesperados, foi um grito de revolta que veio pôr em causa o meu papel de pai e de professor e explicar a razão pela qual nenhum dos meus filhos e a esmagadora maioria dos meus alunos não quer ter partido. Por isso é que não quero perder a minha palavra com esses novos sacerdotes do situacionismo que gastam o respectivo latim em interpretações comemorativas do 1 de Maio, do 5 de Outubro, do 28 de Maio ou do 25 de Abril. Para quem foi licenciado por um sistema de ensino que agora brinca às gagas bolonhesas, esses delírios funerários apenas representam velharias dos que, perdendo as ideologias do "bacalhau a pataco" e dos "amanhãs que cantam", estão, pura e simplesmente, a abdicar daquelas "saudades do futuro" que hoje já são um escandaloso presente.

Ontem, foram apenas algumas centenas contra o precariado, amanhã serão milhões. Eles sabem o que significam palavras como "call center", estágios, bolsas, recibos verdes e contratos a prazo. Sabem que não podem constituir família, ou comprar casa, mas até pagam imposto. Felizmente que o ATTAC e o FERVE lhes deram voz tribunícia, contra os mafiosos da cunhocracia e da partidocracia dos "jotas", que os instrumentalizam..

 
At 2 de maio de 2007 às 20:32, Anonymous Anónimo said...

O POVO é facilmente enganável. É por isso que aos políticos, não interessa um povo esclarecido. Assim Fátima Felgueiras é Deusa num OLímpo em que Sócrates Reina e como ele tantos outros que nada mais fazem porque jamais poderiam ter NOVAS OPORTUNIDADES porque na verdade, não sabem fazer nada. Nem a "bodega" de uma licenciatura foram capazes de fazer ,honestamente. O povo, analfabeto, que não estudou porque as circunstãncias da vida não lhe permitiram, ignorante pensa que o "mentiroso", afinal é um dos seus, coitado, um que não teve oportunidade. Há que abrir os olhos e os ouvidos. Alguém que mente desta forma é alguém intratável e nada digno de respeito.

 
At 3 de maio de 2007 às 15:00, Anonymous Anónimo said...

O Governo começa a parecer-se como Búfalo Bill. Depois de dizer que queria conquistar o Oeste, acabou a trabalhar num circo para ganhar a vida. O Governo, no início, pareceu um pistoleiro certeiro: tinha alvos concretos a abater. Agora parece-se com um bandoleiro dos que eram contratados para um "western spaghetti": dispara em todas as direcções munições de pólvora seca. Só para mostrar que actua.

A última cavalgada do Governo é um verdadeiro "rodeo": o Executivo arrisca-se a ser atirado ao chão pelos potros selvagens que diz querer domar. Agora, querendo demonstrar que descobriu a fórmula da pólvora, quer que os funcionários públicos denunciem a corrupção constante. Incapaz de ser polícia actuante quer que os cidadãos se tornem agentes da autoridade no seu lugar. Como se assim pudesse garantir os lucros sem mexer uma palha. Mas, o mais grave, é que esta atitude mostra como o Governo trata os cidadãos que deveria guiar: como cordeiros.

Ao querer transformar Portugal num país onde, no futuro, todos se devem denunciar uns aos outros para garantir o bem comum (leia-se: o poder de quem governa), o executivo que transformar Portugal num "big brother". Num motivo de orgulho para países que tentaram transformar todos os seus cidadãos em agentes secretos ou em denunciantes mas nunca conseguiram. Com esta medida José Sócrates garantirá um lugar no céu: nunca mais será comparado a Tony Blair. Será considerado a musa inspiradora de Kim Jong Il.

 
At 3 de maio de 2007 às 18:45, Anonymous Anónimo said...

Há quatro meses, mais precisamente a 26 de Janeiro, o Correio da Manhã denunciava que haviam funcionários do fisco que recebiam dinheiro de “instituições financeiras”, dava o exemplo de um funcionário que recebia anualmente mais de 25.000 euros.

«Existem vários funcionários da Administração Fiscal que recebem dinheiro de instituições bancárias, acumulando as funções de funcionários públicos com rendimentos provenientes do sector privado. Segundo apurou o Correio da Manhã, há casos em que esses pagamentos superam os 25 mil euros por ano e que duram há vários anos.»

Adiantava ainda que alguns funcionários ocupariam posições de destaque em serviço sensíveis para os interesses da banca. Avançava-se ainda que a análise destas situações constavam dos planos de actividade da DGCI e da IGF para 2006. Questionado pelo jornal o ministério das Finanças deu uma desculpa, no mínimo, atabalhoada:

«Dado tratar-se de matéria que envolve elementos de natureza pessoal, que poderão ser susceptíveis de cruzamento de informação, a acção de auditoria em apreço encontra-se a aguardar parecer jurídico no âmbito da legislação respeitante à protecção de dados, tendo também atenção à definição do tipo de informação passível de ser analisada pelas duas entidades (GAI e IGF).»

Como já estamos em meados de 2007 será tempo de colocar algumas interrogações:

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O director-geral ou o ministério já identificou quem é o funcionário que tem um “ordenado” fixo tão alto pago uma instituição financeira?
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Certificou-se de que esse “professor efectivo” nunca foi responsável por pareceres dos quais tenham resultado benefícios para a banca e, em particular, para o sei “patrão” do sector privado?
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Assegurou-se de que o tal “parecer jurídico” não tenha sido solicitado a um dos muitos trabalhadores da banca referidos pelo jornal?
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Identificou os conteúdos lectivos e os objectivos pedagógicos da formação dada à banca?
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Verificou se esses professores cumpriram com as suas obrigações fiscais?
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Identificou qual ou quais os bancos que recorrem aos serviços “pedagógicos” de funcionários altamente colocados?

Há poucos dias o ministério da Justiça divulgou um documento dedicado ao combate à corrupção onde a delação era tratada como uma das virtudes que cada funcionário público deveria ter. Apelava-se a que no combate à corrupção ser delator constituía uma obrigação de cada servidor do Estado.

Fará sentido exigir aos funcionários que sejam bufos quando notícias como esta ficam por esclarecer?

 

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