A DEMOCRACIA A PRESTAÇÕES
Entretanto, a nossa querida terra está cheia de manhosos, de manhosos e de manhosos, e de mais manhosos. E uma terra de manhosos não se pode chegar senão a falsos prestígios. É o que há mais agora por aí em Portugal: os falsos prestígios.
Almada Negreiros
Pairam graves ameaças à livre expressão do pensamento.
Este Governo estatuiu, com a aprovação de uma bancada maioritária e servil, um documento restritivo do que foi a maior das conquistas de Abril.
Agora, as confederações patronais, sublinham o novo Estatuto do Jornalista, justapondo-lhe exigências ainda mais pesadas e que contrariam o próprio espírito da Constituição.
Estamos perante uma situação sem paralelo na história portuguesa das três últimas décadas.
O realismo político possui uma lógica que a razão ignora. Esse realismo tem sido invocado pelo PS para proceder a tristes cedências e a dramáticas traições à sua própria natureza.
Não há que fugir daqui.
Embora eu reconheça (e tenho-o dito e escrito, ao longo dos últimos anos) que os partidos, especialmente o PS, sejam coagidos a estabelecer pontos de articulação que permitam outras aberturas à sociedade.
Ao inflectir para a direita, o PS continua uma senda encetada, quase imediatamente a seguir à Revolução, em nome da luta anticomunista.
As graves responsabilidades do PCP, nesta deriva, não devem ser escamoteadas.
A dialéctica, aparentemente irrefutável, que os dirigentes comunistas, apesar de tudo, desejam preservar, está a encaminhar o grande partido da Resistência para posições residuais, tal como se verifica, em casos semelhantes, um pouco por todo o lado.
Se o eurocomunismo pretendia reconstruir as teses de Marx e Engels, através de uma nova revolta da razão [Berlinguer], dotada de uma espécie de identidade europeia, a verdade é que a experiência falhou estrondosamente. Há uma clara vitória do capitalismo, a qual não estabelece a baliza da queda do Muro de Berlim, porque começou, historicamente, com as grandes cisões da Esquerda comunista na década de 60.
Ler Santiago Carrilho é capaz de ser pungente, mas resulta esclarecedor.
Os ataques à liberdade de expressão não são apanágio português. As restrições observam-se quase por todo o mundo. Ao mesmo tempo que se revelam grandes movimentos contestatários. Nem tudo está perdido. E sou daqueles que não aplicam opiniões judicativas acerca de uma juventude que está longe de se sentir anestesiada. Tomo de mão a frase célebre do célebre Georges Clemenceau: Dans la guerre comme dans la paix, le dernier mot est à ceux qui ne se rendent jamais.
Vivemos num mundo que se desumaniza.
O medo e a precaução alastram por toda a Europa, que se desejava livre, solidária, fraterna e equânime, e se transformou num território de injustiças múltiplas.
Apesar de tudo, o equilíbrio no terror, instalado na Guerra Fria, impedia o desenfrear da parte mais bárbara do capitalismo.
Claro que o socialismo real fez renascer e desenvolver, potencialmente, o niilismo, o qual acabou por se identificar com a ideia de que tudo é permitido - desde que dê lucro.
A manifestação em Belém, destinada a salvaguardar um princípio que nem sequer devia estar ameaçado, é deveras significativa do estado a que as coisas chegaram.
Se a Esquerda é esta no poder, disposta às mais abjectas subserviências morais e aos mais repugnantes servilismos políticos - então, a Direita bem pode viver sobressaltada: nem em 2009 está no Governo.
Há dias, no Frente-a-Frente, SIC-Notícias, Luís Fazenda colocou a questão com extrema lucidez.
A Direita não dispõe de território, porque o PS invadiu aquele que, tradicionalmente, a ela pertencia.
Marques Mendes não é, ele apenas, o responsável pelo descalabro do PSD. As grandes figuras daquele partido ausentaram-se, não para parte incerta, sim para a zona dos negócios, da alta finança, onde o verdadeiro poder existe, se concentra e actua.
A crise da Direita resulta da crise na Esquerda: ambas estiveram dispostas a perdoar a mediocridade, curvaram-se aos interesses e às clientelas, e criaram uma teia reticular sem saída, independentemente das características ideológicas e dos antagónicos projectos de sociedade.
Há algo de camusiano nesta estranha época, que pressupõe a luta entre o homem e o absurdo.
Num texto frequentemente luminoso, Kirk Franknheimer, professor de filosofia política de Harvard, acentuava, há poucos meses, que o absurdo deste capitalismo sem veia condu-lo para um abismo sem remissão. Nada do que promove é favorável ao ser humano, sem entender que a liquidação do humano atinge a sua própria liquidação.
Não é o primeiro a discretear sobre o problema.
A questão consiste em saber se o homem consegue existir com esse absurdo.
Não é despiciendo nem arrojado falar de Albert Camus, num tempo por ele previsto como o século do medo, após outro século de outro medo.
O grande escritor sabia, e escreveu-o, que não se trata de banir o mal, mas, antes, de o minorar, porque o mal destruir-se-á a si mesmo.
Merleau-Ponty responderia que a autofagia do mal conduzia, inevitavelmente, à explosão do mundo, tal como o conhecemos.
Os heróis de Camus espelham, estranhamente, os homens de hoje: sentem-se estrangeiros no seu tempo. Pior: sentem-se indesejáveis. Se a angústia é de raiz metafísica, ela, agora, está acrescentada pelos dilemas económicos, pela alteração de valores, de padrões e de princípios, sem nada em contrapartida. Nem a Esquerda nem a Direita dispõem de respostas.
O quadro geral da cultura política portuguesa reflecte a indigência intelectual da Europa e do mundo. Têm direito a sorrisos benevolentes os esforços com que certa Direita se enfronha em pequenos pensadores anglo-saxónicos de cariz conservador, que apenas repetem fórmulas gastas ou anacrónicas. Na Imprensa portuguesa os seus epígonos são patuscos, até porque não compreendem que, no seu pessoal interesse, seria melhor estar calados. Todavia, a Esquerda também não expõe ideias de seu.
A aflição atinge aspectos piedosos.
Quando se assiste ao discurso do dr. Manuel Monteiro (com todo o respeito) estamos perante um cenário patético e lamentavelmente unívoco. O dr. Monteiro, representa mil eleitores, e está, todas as semanas nas televisões, em especial na SIC. Tem direito à palavra, bem entendido. E Garcia Pereira, porque motivo é esquecido?
Esta democracia não vai nada bem e em nada se recomenda ou é recomendável. Existe a prestações. E o resultado aí está.
B.B.
Este Governo estatuiu, com a aprovação de uma bancada maioritária e servil, um documento restritivo do que foi a maior das conquistas de Abril.
Agora, as confederações patronais, sublinham o novo Estatuto do Jornalista, justapondo-lhe exigências ainda mais pesadas e que contrariam o próprio espírito da Constituição.
Estamos perante uma situação sem paralelo na história portuguesa das três últimas décadas.
O realismo político possui uma lógica que a razão ignora. Esse realismo tem sido invocado pelo PS para proceder a tristes cedências e a dramáticas traições à sua própria natureza.
Não há que fugir daqui.
Embora eu reconheça (e tenho-o dito e escrito, ao longo dos últimos anos) que os partidos, especialmente o PS, sejam coagidos a estabelecer pontos de articulação que permitam outras aberturas à sociedade.
Ao inflectir para a direita, o PS continua uma senda encetada, quase imediatamente a seguir à Revolução, em nome da luta anticomunista.
As graves responsabilidades do PCP, nesta deriva, não devem ser escamoteadas.
A dialéctica, aparentemente irrefutável, que os dirigentes comunistas, apesar de tudo, desejam preservar, está a encaminhar o grande partido da Resistência para posições residuais, tal como se verifica, em casos semelhantes, um pouco por todo o lado.
Se o eurocomunismo pretendia reconstruir as teses de Marx e Engels, através de uma nova revolta da razão [Berlinguer], dotada de uma espécie de identidade europeia, a verdade é que a experiência falhou estrondosamente. Há uma clara vitória do capitalismo, a qual não estabelece a baliza da queda do Muro de Berlim, porque começou, historicamente, com as grandes cisões da Esquerda comunista na década de 60.
Ler Santiago Carrilho é capaz de ser pungente, mas resulta esclarecedor.
Os ataques à liberdade de expressão não são apanágio português. As restrições observam-se quase por todo o mundo. Ao mesmo tempo que se revelam grandes movimentos contestatários. Nem tudo está perdido. E sou daqueles que não aplicam opiniões judicativas acerca de uma juventude que está longe de se sentir anestesiada. Tomo de mão a frase célebre do célebre Georges Clemenceau: Dans la guerre comme dans la paix, le dernier mot est à ceux qui ne se rendent jamais.
Vivemos num mundo que se desumaniza.
O medo e a precaução alastram por toda a Europa, que se desejava livre, solidária, fraterna e equânime, e se transformou num território de injustiças múltiplas.
Apesar de tudo, o equilíbrio no terror, instalado na Guerra Fria, impedia o desenfrear da parte mais bárbara do capitalismo.
Claro que o socialismo real fez renascer e desenvolver, potencialmente, o niilismo, o qual acabou por se identificar com a ideia de que tudo é permitido - desde que dê lucro.
A manifestação em Belém, destinada a salvaguardar um princípio que nem sequer devia estar ameaçado, é deveras significativa do estado a que as coisas chegaram.
Se a Esquerda é esta no poder, disposta às mais abjectas subserviências morais e aos mais repugnantes servilismos políticos - então, a Direita bem pode viver sobressaltada: nem em 2009 está no Governo.
Há dias, no Frente-a-Frente, SIC-Notícias, Luís Fazenda colocou a questão com extrema lucidez.
A Direita não dispõe de território, porque o PS invadiu aquele que, tradicionalmente, a ela pertencia.
Marques Mendes não é, ele apenas, o responsável pelo descalabro do PSD. As grandes figuras daquele partido ausentaram-se, não para parte incerta, sim para a zona dos negócios, da alta finança, onde o verdadeiro poder existe, se concentra e actua.
A crise da Direita resulta da crise na Esquerda: ambas estiveram dispostas a perdoar a mediocridade, curvaram-se aos interesses e às clientelas, e criaram uma teia reticular sem saída, independentemente das características ideológicas e dos antagónicos projectos de sociedade.
Há algo de camusiano nesta estranha época, que pressupõe a luta entre o homem e o absurdo.
Num texto frequentemente luminoso, Kirk Franknheimer, professor de filosofia política de Harvard, acentuava, há poucos meses, que o absurdo deste capitalismo sem veia condu-lo para um abismo sem remissão. Nada do que promove é favorável ao ser humano, sem entender que a liquidação do humano atinge a sua própria liquidação.
Não é o primeiro a discretear sobre o problema.
A questão consiste em saber se o homem consegue existir com esse absurdo.
Não é despiciendo nem arrojado falar de Albert Camus, num tempo por ele previsto como o século do medo, após outro século de outro medo.
O grande escritor sabia, e escreveu-o, que não se trata de banir o mal, mas, antes, de o minorar, porque o mal destruir-se-á a si mesmo.
Merleau-Ponty responderia que a autofagia do mal conduzia, inevitavelmente, à explosão do mundo, tal como o conhecemos.
Os heróis de Camus espelham, estranhamente, os homens de hoje: sentem-se estrangeiros no seu tempo. Pior: sentem-se indesejáveis. Se a angústia é de raiz metafísica, ela, agora, está acrescentada pelos dilemas económicos, pela alteração de valores, de padrões e de princípios, sem nada em contrapartida. Nem a Esquerda nem a Direita dispõem de respostas.
O quadro geral da cultura política portuguesa reflecte a indigência intelectual da Europa e do mundo. Têm direito a sorrisos benevolentes os esforços com que certa Direita se enfronha em pequenos pensadores anglo-saxónicos de cariz conservador, que apenas repetem fórmulas gastas ou anacrónicas. Na Imprensa portuguesa os seus epígonos são patuscos, até porque não compreendem que, no seu pessoal interesse, seria melhor estar calados. Todavia, a Esquerda também não expõe ideias de seu.
A aflição atinge aspectos piedosos.
Quando se assiste ao discurso do dr. Manuel Monteiro (com todo o respeito) estamos perante um cenário patético e lamentavelmente unívoco. O dr. Monteiro, representa mil eleitores, e está, todas as semanas nas televisões, em especial na SIC. Tem direito à palavra, bem entendido. E Garcia Pereira, porque motivo é esquecido?
Esta democracia não vai nada bem e em nada se recomenda ou é recomendável. Existe a prestações. E o resultado aí está.
B.B.
1 Comments:
A relação entre o líder do PSD e o líder do PSD-Madeira evidencia bem a cobardia política de Marques Mendes. O Alberto João pode dizer os disparates que entender, ofender quem quer, esticar a corda da chantagem independentista, denegrir as instituições da República, de Marques Mendes não se ouve a mais pequena reprovação, a regra é o silêncio cobarde.
Quando intervém fá-lo como sucedeu agora a propósito da chantagem que o Alberto está a fazer com o aborto, repete as palavras que o Alberto disse. Para Marques Mendes o interesse do país ou o respeito pela legalidades é bem menos importante que o apoio que o Alberto lhe dá para se manter na liderança do PSD. Mesmo que esse apoio tenha por pressuposto a sua cobardia ou que seja dado a troco de favores inaceitáveis.
Marques Mendes esqueceu que antes de o Alberto vir com a desculpa do dinheiro para não aplicar a lei do aborto já tinha dito que essa lei nunca seria aplicada na Madeira. Sabe que esse argumento só surgiu quando Cavaco teve a coragem de tomar posição, defendendo que a questão deveria ser resolvida nos tribunais.
Marques Mendes defende que sempre que surgir um novo tratamento, uma nova cirurgia ou um novo medicamento o governo regional se recuse a atender os doentes enquanto o Governo não lhe mandar mais dinheiro?
Se Marques Mendes concorda com o argumento financeiro porque razão nunca colocou essa questão? No mínimo deveria ter exigido um orçamento rectificativo para a saúde, aliás, sempre que fosse adoptada uma nova terapia deveria defender a rectificação do orçamento. Não é apenas a Madeira que vai ter que afectar recursos financeiros, isso também sucederá no continente e nos Açores e não me recordo de ter visto Marques Mendes preocupado com isso.
Alguém que sujeita a sua posição política ao proxenetismo financeiro de Alberto João não tem condições para liderar um partido nacional e muito menos ser candidato a primeiro-ministro.
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