sexta-feira, 3 de agosto de 2007

EQUÍVOCOS E MENTIRAS DO VIVER PORTUGUÊS


Luís Marques Mendes foi à ilha da Madeira proclamar que A. J. Jardim era o nosso [dele] querido líder.
A tolice não dispõe das normas do pudor; no entanto, parece-me superar todas as balizas da decência a circunstância de o singular presidente do PSD ter utilizado a hipérbole no mesmo local (Chão da Lagoa) onde é invariavelmente insultado pela criatura elogiada.

José Sócrates e o seu Executivo são maus.
A perspectiva de alternância reside em Mendes. Portugal sobrevive num lamaçal em cujo turvo horizonte não se divisa nenhuma tábua de salvação.
O que se passa no PSD corresponde a um reflexo da sociedade portuguesa.
Ninguém se entende. E demonstra-se um generalizado interesse pelas coisas e pelas causas públicas. A fragmentação no PSD não é muito diversa do que ocorre no PS, transformado num partido de tabeliães.
Tanto num como no outro os suspeitos do costume encostam-se a quem lhes parece ter maiores probabilidades de poder.

Recorde-se: os que apoiam Marques Mendes já apoiaram Durão e Santana, e qualquer destes e os outros todos sustentaram Cavaco e a sua época.
Os que aplaudem, fervorosamente, José Sócrates e o seu presente ampararam, no passado, Constâncio, Sampaio, Guterres, Ferro & etc. Antes, claro!, os primeiros eram todos sá-carneiristas; os segundos, sem hesitação possível, babavam-se com Mário Soares.
Fazendo um retrospecto, constatamos que uns e outros, aqueles e aqueloutros entraram em conflito aberto, desfizeram-se as aparentemente mais sólidas amizades.
A pátria, perplexa, contempla estes ínclitos varões, enumera aqueles que enriqueceram não se sabe bem como, e cabisbaixa e resignada lá vai tropeçando no caminho.

O CDS, coitadinho!, julgava que rezava com Paulo Portas: estatelou-se, ainda não ao comprido, mas para lá caminha.
O Bloco de Esquerda utiliza o léxico da ironia; politicamente, está de acordo – não se sabe bem com quê, mas sabe-se com quem.
O PCP não esmorece; porém, vai perdendo influência.
Discorde-se ou não, é a única voz política que ainda serve de travão a outros desmandos. E assim estamos.

A questão essencial dos partidos advém do facto de estes não conterem as características identitárias exigidas pela sua natureza. O PSD nunca foi social-democrata: nele se misturam conservadores, liberais, reaccionários e democratas sem razão de o ser.
O PS foi socialista por um instantinho.
Quando, apoplécticos e emocionadíssimos, os seus militantes e simpatizantes gritavam, nos comícios: Partido Socialista, Partido Marxista!, a extraordinária frase bateu nos ouvidos sensíveis da Internacional Socialista. Willy Brandt mandou um recado: acabem lá com essa leviandade, estamos cá para outra coisa.
A Guerra Fria e o anticomunismo não foram equívocos, foram pretextos habilmente organizados para que a normalização da Esquerda moderada servisse a outros interesses. A causa da emancipação dos povos, tão cara aos teóricos do socialismo, foi, cedo, substituída por uma obscenidade:pragmatismo, cujo significado nada tem a ver com a perspectiva kanteana, antes oculta o espírito de conciliação, servilismo e traição.

Nenhum dos partidos de poder tem uma visão particular sobre o mundo que as circunstâncias históricas impuseram.
O modelo europeu de sociedade está a ser liquidado pelas estratégias das multinacionais norte-americanas. E a participação activa no acto social foi engenhosamente dissimulada entre responsabilidade colectiva e responsabilidade individual.
A cultura massificou-se, não na acepção democrática do termo, sim na interpretação de consumo quantitativo.
A economia de mercado impede o que fundamenta a cultura: a sua interpenetração, a sua mestiçagem.
Impõem-se modelos igualitários na prosa narrativa, no cinema, nas artes plásticas.

Revertamos ao caso português.
O apoio elogioso feito, em quase toda a Imprensa, a subprodutos literários chega a ser deprimente. Assim como é insultuoso o exercício do silêncio a certos autores, cuja ideologia não serve a corrente dominante.
Depois, há a falsa independência dos jornais.
Nenhum jornal é independente, imparcial, objectivo ou distanciado.
O cinismo ultraja a inteligência do leitor, que sabe muitíssimo bem a orientação editorial e noticiosa deste e daquele periódico.
O bacoquismo de alguns jornais faz-nos bocejar de enfado.
Sugerem estar acima do bem e do mal, quero dizer: que são neutrais, claramente um embuste. Basta percorrer a Imprensa estrangeira: ninguém oculta a ninguém a sua tendência. El Mundo, El Pais, The Guardian, La Reppublica, Le Monde, Corriere della Será, La Stampa não enganam os leitores: são o que são e, honestamente, o que entendem dever ser.

Na nossa terra, a normatividade em vigor é aldrabar, prestidigitar, iludir, defraudar, enganar. Somos obrigados a verificar, com desconsolo, que este tempo português parece o de demissões éticas, antes de serem capitulações ideológicas.
A cultura eugénica, com fins lucrativos, leva tudo à frente, de roldão e sem pejo.
Quando Sócrates minimiza e, até, deprecia, com humor indecente, o artigo sobre o medo que Manuel Alegre escreveu no Público, apenas reflecte o esvaziamento da sua pessoal perspectiva. Não vale a pena debater nada, comentar coisa alguma, discutir seja lá o que for.
Alegre não é um beócio. E a cultura, a liberdade e a política entendida esta como moral em acção, devem algo ao grande poeta de Senhora das Tempestades.
O paralelismo entre o que Sócrates disse e não disse, e o que Marques Mendes falou e não falou não pode deixar de se estabelecer.
De uma maneira ou de outra de um modo ou de outro, ambos representam o que de pior existe na sociedade portuguesa.

Podem crer, meus Dilectos, que não tenho prazer nenhum em escrever isto.


B.B.

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3 Comments:

At 3 de agosto de 2007 às 16:33, Anonymous Anónimo said...

a corja, nacional e internacional, não pára de tentar limitar os direitos dos cidadãos. a mesma corja que se prepara para instituir uma constituição à revelia desses mesmos cidadãos saiu-se com mais esta pérola:

Big Brother pointe le bout de son nez : dès 2008, les polices européennes vont avoir accès à l’ensemble des fichiers ADN, empreintes digitales et immatriculation des véhicules existant dans les 27 Etats membres de l’Union. La lutte contre la criminalité, à l’heure où les frontières physiques ont disparu, va en être grandement facilitée. Mais la protection des citoyens contre les abus a été oubliée dans l’affaire. Encore une fois, les libertés publiques sont sacrifiées sur l’autel de la lutte contre le crime, ce qui alarme le Parlement européen et les associations de défense des droits de l’homme.
Le Traité de Prüm était déjà resté en travers de la gorge du Parlement européen qui s’inquiète de cette Europe policière qui se met en place en évitant de passer par la case démocratie : « Il a été préparé en dehors de tout processus démocratique», les Parlements nationaux n’ayant pas été associés à son élaboration.

torna-se fastidioso repetir que vamos pagar cara a passividade com que estamos a permitir à corja esta liberdade de movimentos.

 
At 3 de agosto de 2007 às 17:37, Anonymous Anónimo said...

A ministra Maria de Lurdes Rodrigues considera um «pormenor irrelevante» a utilização de crianças pagas para figurarem nas iniciativas do Governo, como sucedeu a semana passada na apresentação do Plano Tecnológico da Educação.
Com a desfaçatez que lhe é peculiar sempre que faz intervenções públicas, MLR disse aos jornalistas que a empresa responsável pela organização da ocorrência «propôs fazer uma demonstração no local para que pudéssemos perceber como funcionam os quadros interactivos», o que lhe terá parecido perfeitamente razoável, tendo em conta a importância das medidas e do investimento avançado pelo Governo.
As explicações da ministra – tal como o recorrente discurso de Sócrates, sempre que a conversa não lhe agrada, do «não sei», «desconhecia» – suscitam algumas questões.
Sabendo-se que o badalado Plano Tecnológico consta da instalação em cada sala de aula de um computador com ligação à Internet, uma impressora e um videoprojector, a que se deverá juntar, até Abril de 2008, um quadro interactivo por cada duas salas, ocorre perguntar onde está a complexidade da coisa para justificar o recurso a uma empresa para recriar um ambiente lectivo assim dotado.
Das duas, uma: ou o Ministério da Educação e o Governo desconhecem o pormenores do Plano que apresentam como a quinta essência da modernidade, ou há outras razões, sem dúvida pormaiores a justificar a contratação de crianças para o faz-de-conta que estão na escola do futuro.
Seria expectável que os autores do Plano, cujo é suposto ter sido discutido antes de ser arrematado por 400 milhões de euros, estivessem pelo menos em condições de o tornar inteligível a adultos. A não ser esse o caso, como o vão aplicar a crianças?
A menos que estejamos perante mais um exemplo da deriva securitária do Governo.
É certo que, recentemente, Sócrates apareceu numa escola acompanhando a ministra, o que deu ensejo a revistas de mochilas e bolsos infantis, não fosse alguma das crianças – sem contrato de trabalho nem ensaio do guião – ter levado uns ovos podres, uns tomates ou até mesmo uma bomba para atentar contra o chefe do Governo. É certo também que a coisa fez escândalo. Mas daí a recorrer a uma empresa de eventos??!!! Haja decência.

 
At 4 de agosto de 2007 às 10:06, Anonymous Anónimo said...

Os temas em discussão pública e parlamentar dizem-nos muito da qualidade da democracia. Nem sempre passamos este exame com boas notas.

Há menos de 25 anos discutia-se no Parlamento o preço do fiambre e da mortadela. Lembro-me de ministros jurarem, pela alma de quem lá tinham, que o preço da bica não subiria nesse ano. Enfim, esse tempo passou mas deixou marcas. Como exemplo temos a destruição dos nossos belos cafés novecentistas que seriam o orgulho das nossas cidades. Acabou-se.

Hoje o tema de primeira página dos muitos jornais são as soluções dos exames do 12.º ano ou os erros da prova de Química (são estes?) do 9.º ou se as notas foram melhores que as dos anos anteriores... Na verdade, estas notícias não vão ao fundo da questão! Este embaraço, que se repete anualmente, decorre de um sistema de feitura de exames errado e insistir nos resultados sem ir ao fundo da questão nada informa e tudo confunde. Os exames chumbam no exame.

Ainda há pouco ouvia dizer que a elaboração dos exames dependia de o grupo gostar da(o) ministra(o) da Educação. Se gosta, faz exames mais fáceis e os resultados sobem, dando uma aparência de sucesso escolar. Se não gosta, acontece o contrário. Evidentemente que não vou acreditar em tal perfídia... mas que pode acontecer pode. E se pode acontecer o sistema é mau: há conflito de interesses.

Quando a média das notas de Matemática é de 6 valores, por exemplo, apenas significa que a prova foi pensada (esta parte é um elogio) para alunos que não os portugueses. Ou seja, é uma prova desajustada aos alunos que temos. Quando se diz que as notas foram melhores (ou piores) que as do ano anterior está-se a comparar coisas não comparáveis. Qualquer professor sabe (mais um elogio) fazer exames para que todos os alunos chumbem ou todos passem. Estamos a discutir, sobre um vazio de informação, o futuro dos nossos filhos.

Mas não tem que ser assim e não é preciso inventar a roda, pela simples razão de que já foi inventada; basta desenhar os exames de acordo com regras conhecidas de especialistas em tal. Certamente que quem faz as perguntas para um exame de Matemática tem que ser professor de Matemática, mas a montagem do exame de Matemática deve ser de especialistas que saibam desenhar exames. Em princípio, o professor de Matemática não sabe, e se for uma comissão de professores de Matemática, pior um pouco. O sistema está todo mal concebido, pois mesmo que um professor saiba, não pode alterar o sistema: é nas regras de concepção da avaliação que o problema reside.

Por exemplo, é possível conceber e montar um sistema de exames que garanta a comparabilidade de um aluno de Lisboa com o do Porto ou de Bragança. O sistema pode e deve ainda garantir a comparabilidade dos resultados durante, por exemplo, cinco anos!

Além disso, o sistema tem que ser montado e pensado de forma a que, se aparecer uma pergunta errada, imediatamente essa pergunta seja eliminada e outra passe a ser considerada. É que errar é humano e o sistema actual tem provado a humanidade de quem o concebeu.

Há todo um ramo da psicologia que se dedica à elaboração de testes, por forma a garantir propriedades psicométricas, relativas à fiabilidade interna e temporal, bem como à sua validade, de acordo com normas. Os exames nacionais deveriam ser avaliados quanto às propriedades psicométricas e garantir que a distribuição das notas seja próxima da normal. Isso só poderá acontecer quando os exames forem elaborados por especialistas na elaboração de testes, que avaliem as características dos exames antes e depois da sua

realização pelos alunos. Ou seja, a importância dos exames nacionais, sejam eles de acesso ao ensino superior, sejam eles de fim de ciclo, não se coaduna com as surpresas com que anualmente os alunos, os pais e mesmo os professores são brindados. Não é admissível que se encontrem perguntas erradas, quando o exame já está a decorrer!

Além disso, devem existir resultados absolutos (numa escala de zero a vinte, ou de zero a cem, como acharem melhor), mas também resultados relativos, que assegurem a comparabilidade dos alunos.

Nada disto é novo, nem mesmo para mim, que não sou psicólogo!

Nunca vi ainda aparecer notícias do tipo: "Hoje, tal como nos últimos 30 anos, a água corre nas torneiras de Lisboa." Os exames, um dia, também deixarão de ser notícia, pois não há notícias sobre algo que funciona. Tudo isto é possível, tudo isto é simples. O sistema actual é o nosso Fado!

Luis Campos

 

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