sexta-feira, 19 de setembro de 2008

A DECOMPOSIÇÃO DA ESQUERDA

No ano 2000 havia, na Europa, onze governos socialistas ou sociais-democratas. Actualmente, subsistem três. Tomo as definições socialistas e sociais-democratas com a prudência suspeitosa que elas exigem. Historicamente, têm perdido a matriz original e os seus dirigentes, na esmagadora maioria dos casos, envolvem-se em escândalos, forjam alianças com as forças políticas mais tenebrosas, tripudiam sobre a ideologia, mandaram as convicções às malvas.


Nunca é de mais repetir estas verdades.

A geração socialista que tomou o poder a partir da década de 80 é uma desgraça. Mesmo Zapatero, apontado como exemplo quase único, tem dias. Em Portugal, a prática do PS é o que se sabe. E este Governo só não é escorraçado, porque o adversário directo, pouco diz do que pretende fazer, e esse pouco é assustador. À Esquerda, o PCP sobe, como indicam as sondagens, advertiram os politólogos e impõe o eleitorado. A intensificação da violência económica resulta da perplexidade social e da abdicação política em favor do mercado.

Na Europa, os meios populares, base de apoio dos partidos de Esquerda, manifestam uma inquietada desconfiança. De um modo quase generalizado, os partidos comunistas são uma reminiscência, com escasso poder e reduzida influência. A ascensão da Direita dimana dessa absoluta incapacidade de os socialistas em encontrar soluções. É uma deriva que se arrasta há quase três décadas. E a queda dos governos europeus, assinalados como de Esquerda, colocou, por exemplo, no poder da União Europeia as forças mais conservadoras e, até, reaccionárias. A Europa não possui resposta, como um todo, para as crises que se desenvolvem e multiplicam, porque não previu as modificações, se regozijou com os prestígios do mercado e orientou-se para a acção única do pensamento único.

Jean-Gabriel Fredet, no último Nouvel Observateur, esclarecia que a crise da União Europeia podia ser entendida como o fim de um modelo social de que a Esquerda quisera dotar a Europa, esquecendo-se, ou ignorando que não há associação possível entre as abruptas leis do mercado e as imperiosas necessidades redistributivas.

A verdade é que os socialistas não estão nada interessados em reflectir sobre a mudança do mundo. São, apenas, os servis gestores do capitalismo mais selvático. Naturalmente, esta situação não pode continuar. E dá-me imensa vontade de rir os comentários de preopinantes portugueses, sobre as virtudes (inclusive morais) do neoliberalismo, apontando a infausta experiência de Tony Blair como exemplo de pragmatismo. O pragmatismo é a expressão que tem encoberto as traições mais vis, e permitido a abundante criação de um grupo de estipendiados. A vergonha e a indignidade chegaram, já há anos, aos jornais, às rádios e às televisões.

Há dias, conversando com um dos meus amigos mais estimados, o grande jornalista João Paulo Guerra, concluímos que o vazio ético, a capitulação profissional que lavra, como endemia, no nosso país, são reflexos da decadência da Esquerda e desse sentido individualista de tratar da vidinha que se tornou numa carta-de-alforria para a sobrevivência. Anotámos os nomes daqueles que passam de directores de jornais para directores de jornais e daqui para a direcção de agências noticiosas, para assessorias, para secretariados. A maioria não sabe escrever uma notícia, jamais assinou uma reportagem, confunde crónica com artigo e editorial com comentário, veste-se de igual modo, move-se com ar grave e semblante marcado. Afinal, são, apenas, sapatos Gucci, fatos Massimo Dutti, e cabelo cheio de gel. Alguns, cuja mediocridade é pavorosa, treparam à direcção de importantes diários. O resultado foi catastrófico.

A assunção desta mediocridade, que faz jornalismo através de telefonemas e de nomes em agendas, devolve a imagem da actualidade portuguesa. A classe política que nos dirige é doentiamente insignificante: nem sequer sofrível. Olhe o Dilecto para aquelas caras, tenha a paciência de os escutar, de os ler, de assistir a esse circo de comentadores de televisão, sempre os mesmos ou tocadores do mesmo solfejo. Aqueles que se insurgem são apodados de ter mau feitio, o modo de se assinalar, negativamente, a grandeza de carácter. As perseguições a jornalistas livres, que se não conformavam com a situação, criada a partir da década de 80, foi terrível. Grandes profissionais de Imprensa foram para o desemprego ou abandonaram a profissão, sem saídas para desempenhar o seu trabalho, as suas funções, a sua vocação.

A educação cívica, que compreende a aceitação das vozes discordantes, foi dizimada por uma casta de oportunistas. E, quase insistentemente, estimulada pelos partidos que se dizem democráticos.
O processo de decomposição da Esquerda, mas, também, da Direita, esta Direita é risível, pela soberba e espantosa iliteracia, invalidam qualquer possibilidade de restauração.
Mas renovar, como e com quem?
Descobrir gente honrada e competente no interior dos partidos?
O busílis está aí.
Porque os partidos converteram-se em agências de empregos, desprovidos de ideais morais, com clientelas domesticadas porque as sinecuras e o nepotismo são compensadores.

B.B.

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2 Comments:

At 19 de setembro de 2008 às 16:01, Anonymous Anónimo said...

O mundo está de pernas para o ar, os referenciais com que nos habituámos a viver desmoronam-se, a angústia alastra... Numa circunstância destas, o que se pede aos dirigentes de um país? Que funcionem como pilares de estabilidade: que tranquilizem as pessoas e as empresas, que apontem caminhos, que revelem Visão.


O que temos tido em vez disso? Um presidente que se limita a dizer que a questão do preço dos combustíveis é "complexa" (coisa que qualquer português é capaz de dizer); um ministro que, na mesma matéria, tem um comportamento bipolar (de manhã diz uma coisa e à noite outra); e um primeiro-ministro que, fazendo jus à tese de que um político é um "profissional do optimismo", mais parece um Chief Marketing Officer.

Quem, de fora, olhar para nós perguntará se estamos mesmo em Setembro de 2008. Porque quem por cá manda parece não ter interiorizado, ainda, que o mundo mudou. E que o comum dos cidadãos precisa que o ajudem a entender isso.

Cavaco, que em algumas intervenções exagera e noutras peca por defeito, já devia ter convocado o Conselho de Estado para analisar a conjuntura. Nem que fosse para lembrar ao primeiro-ministro que a propaganda não resolve tudo. E que a resposta à crise que aí vem (mais grave do que se esperava) exige uma atitude diferente do Governo. Porque é nas crises que se ganha a opinião pública e se motiva um país.

Os estadistas costumam saber isso...

 
At 2 de outubro de 2008 às 13:47, Anonymous Anónimo said...

E porque não nos ajudas tu a perceber porque o mundo mudou? Já que sabes tudo.

 

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