48 HORAS
A decisão de ratificar o tratado de Lisboa na Assembleia da República, com recusa do referendo, foi um belo exemplo de não cumprimento de promessas, de cinismo político e de ocultação de evidências.
Sócrates chegou a dizer, pestanejando, que este tratado não tem nada a ver com o anterior. E que as suas propostas eleitorais e de programa de governo apenas se referiam à hipótese do anterior tratado constitucional.
Estava pois livre de compromissos e apenas decidiria em função dos interesses nacionais, sem sequer se sentir influenciado pelos governantes alemães, ingleses e franceses que não queriam referendo; nem pressionado pelo Presidente da República; nem desmotivado pela decisão prévia do PSD.
Como, por outro lado, sabia que 90 por cento dos deputados eram a favor do tratado, concluiu, com uma pirueta lógica arrepiante, que não valia a pena colocar a pergunta ao eleitorado!
Ele também sabia que a maioria dos portugueses diria que sim ao referendo, mas receava que os outros povos europeus, depois de ver os portugueses, seguissem o exemplo.
Em consequência, os governos convocariam os respectivos referendos.
Ora, havia o risco de alguns dizerem que não.
A terminar: Portugal não poderia ficar na história como o país que, depois de ter feito o tratado, dera cabo dele!
Todo o seu raciocínio é megalómano e pueril.
As suas demonstrações não têm lógica.
Das premissas, não resultam as conclusões.
Os factos não são os que ele recorda.
A cronologia não é a que ele invoca.
O segundo grande acontecimento da semana foi o da decisão de construir o aeroporto em Alcochete, afastando a OTA.
O relatório do LNEC fora entregue ao Primeiro-ministro dois dias antes. Bastaram-lhe quarenta e oito horas para tomar uma decisão firme.
OTA já foi!
Alcochete será!
A ponte sobre o Tejo, de Chelas ao Barreiro, vem por acréscimo.
Milhões de contos de estudos e projectos, dez anos de trabalho duro e trinta de especulações foram varridos pela capacidade de decisão fulminante do homem que nos governa.
A decisão é prévia, figura estranha para gesto tão dramático.
É também preliminar, eufemismo para uso em Bruxelas, dado que estas decisões são geralmente precedidas, não seguidas, de estudos de impacto ambiental.
Tudo o que se disse antes, as certezas inabaláveis de Sócrates, as anedotas de Mário Lino e os sólidos estudos preparatórios feitos pelas mais idóneas entidades técnicas do mundo foi ultrapassado por uma rápida leitura de um sumário executivo e por quarenta e oito horas de prazo estudado.
Vale a pena ressuscitar frases e pensamentos, de um e de outro, de 2007: Quem tiver ideias contrárias às do governo, relativamente ao aeroporto da OTA, presta um mau serviço ao país!
O aeroporto da OTA é uma questão pessoal!
A OTA é a única solução!
A decisão de construir na OTA é irreversível!
Só para refrescar a memória.
Os sistemas de decisão vigentes em Portugal são tais que estes procedimentos, recheados de demagogia, erros, mentiras e disparates, são possíveis e não são alterados.
Estuda-se pouco, estuda-se mal e estuda-se secretamente.
Mas, sobretudo, estuda-se apenas o que se quer fazer.
Primeiro decide-se, depois estuda-se.
E só se estuda o que confirma a decisão.
E pagam-se os estudos que a fundamentam.
O governo não é regularmente assessorado por gente capaz, politicamente independente e tecnicamente competente.
O governo não acredita nas virtualidades do debate público permanente e da libertação de toda a informação necessária a qualquer decisão.
Até neste caso, aceitar-se-ia, por exemplo, que os relatórios do LNEC fossem escrutinados e postos à prova do debate público durante umas semanas ou uns meses.
Mas tudo isso seria pôr em causa a determinação do governo, o seu machismo teimoso.
São estes procedimentos, a acrescentar à megalomania dos grandes projectos, que fazem com que as obras públicas sejam o que são: prazos dilatados, acidentes sem responsabilidade, espiral de custos para o Estado, trabalhos a mais e emaranhado de interesses privados e públicos.
Ainda agora, com a ponte de Chelas para o Barreiro, o facto de o presidente da Lusoponte ser o antigo ministro das Obras Públicas, Ferreira do Amaral, parece não perturbar ninguém.
Mas a verdade é que foi ele o signatário, por parte do governo, do contrato com a Lusoponte que prevê que esta tenha o exclusivo dos direitos de atravessamento do Tejo (de Vila Franca ao mar), o que significa que o Estado tem que a indemnizar.
Mesmo que a honestidade das pessoas seja a toda a prova, a certeza é a de que há conflitos de interesses, há promiscuidade e há ligações perigosas entre público e privado.
São gestos como este que mostram como é frágil o Estado português.
Como são atrevidos os governantes.
Num caso e noutro, o referendo e o aeroporto, os governantes mentiram, desdisseram-se, negaram o que tinham afirmado, mudaram de opinião e de certezas, voltaram atrás, disseram que não tinham dito, não era bem assim, só queriam dizer que era isto e não aquilo...
Neste exercício de garantir o que não é evidente para ninguém e de negar o que disse e prometeu, Sócrates foi absolutamente excelente.
Revelou a convicção de um vendedor de persianas.
Portou-se com a inocência de um escuteiro.
Sócrates está convencido de que pode vender o que quiser a quem quer que seja.
Basta ele falar, controlar a informação, negar a evidência, garantir as suas certezas e elogiar o produto!
Como os governantes não mudam de estilo nem de sistema, a não ser que a isso sejam forçados, já não vale a pena esperar pelos efeitos correctores desta semana nos seus comportamentos.
Mas a população assistiu.
Viu.
Pôde tirar conclusões.
Se, como os animais, os homens aprendessem com a experiência, esta semana teria sido gloriosa.
Ficaria na história como um dos momentos altos de aprendizagem da arte de ser governado.
Perder-se-ia rapidamente a confiança em Sócrates.
Este governo teria o desfavor público.
A competência técnica, a seriedade e as promessas do governo passariam a ser motivo de gargalhada e desprezo.
Infelizmente, parece que os homens em geral e os portugueses em particular não são como os animais.
Não aprendem.
António Barreto
Sócrates chegou a dizer, pestanejando, que este tratado não tem nada a ver com o anterior. E que as suas propostas eleitorais e de programa de governo apenas se referiam à hipótese do anterior tratado constitucional.
Estava pois livre de compromissos e apenas decidiria em função dos interesses nacionais, sem sequer se sentir influenciado pelos governantes alemães, ingleses e franceses que não queriam referendo; nem pressionado pelo Presidente da República; nem desmotivado pela decisão prévia do PSD.
Como, por outro lado, sabia que 90 por cento dos deputados eram a favor do tratado, concluiu, com uma pirueta lógica arrepiante, que não valia a pena colocar a pergunta ao eleitorado!
Ele também sabia que a maioria dos portugueses diria que sim ao referendo, mas receava que os outros povos europeus, depois de ver os portugueses, seguissem o exemplo.
Em consequência, os governos convocariam os respectivos referendos.
Ora, havia o risco de alguns dizerem que não.
A terminar: Portugal não poderia ficar na história como o país que, depois de ter feito o tratado, dera cabo dele!
Todo o seu raciocínio é megalómano e pueril.
As suas demonstrações não têm lógica.
Das premissas, não resultam as conclusões.
Os factos não são os que ele recorda.
A cronologia não é a que ele invoca.
O segundo grande acontecimento da semana foi o da decisão de construir o aeroporto em Alcochete, afastando a OTA.
O relatório do LNEC fora entregue ao Primeiro-ministro dois dias antes. Bastaram-lhe quarenta e oito horas para tomar uma decisão firme.
OTA já foi!
Alcochete será!
A ponte sobre o Tejo, de Chelas ao Barreiro, vem por acréscimo.
Milhões de contos de estudos e projectos, dez anos de trabalho duro e trinta de especulações foram varridos pela capacidade de decisão fulminante do homem que nos governa.
A decisão é prévia, figura estranha para gesto tão dramático.
É também preliminar, eufemismo para uso em Bruxelas, dado que estas decisões são geralmente precedidas, não seguidas, de estudos de impacto ambiental.
Tudo o que se disse antes, as certezas inabaláveis de Sócrates, as anedotas de Mário Lino e os sólidos estudos preparatórios feitos pelas mais idóneas entidades técnicas do mundo foi ultrapassado por uma rápida leitura de um sumário executivo e por quarenta e oito horas de prazo estudado.
Vale a pena ressuscitar frases e pensamentos, de um e de outro, de 2007: Quem tiver ideias contrárias às do governo, relativamente ao aeroporto da OTA, presta um mau serviço ao país!
O aeroporto da OTA é uma questão pessoal!
A OTA é a única solução!
A decisão de construir na OTA é irreversível!
Só para refrescar a memória.
Os sistemas de decisão vigentes em Portugal são tais que estes procedimentos, recheados de demagogia, erros, mentiras e disparates, são possíveis e não são alterados.
Estuda-se pouco, estuda-se mal e estuda-se secretamente.
Mas, sobretudo, estuda-se apenas o que se quer fazer.
Primeiro decide-se, depois estuda-se.
E só se estuda o que confirma a decisão.
E pagam-se os estudos que a fundamentam.
O governo não é regularmente assessorado por gente capaz, politicamente independente e tecnicamente competente.
O governo não acredita nas virtualidades do debate público permanente e da libertação de toda a informação necessária a qualquer decisão.
Até neste caso, aceitar-se-ia, por exemplo, que os relatórios do LNEC fossem escrutinados e postos à prova do debate público durante umas semanas ou uns meses.
Mas tudo isso seria pôr em causa a determinação do governo, o seu machismo teimoso.
São estes procedimentos, a acrescentar à megalomania dos grandes projectos, que fazem com que as obras públicas sejam o que são: prazos dilatados, acidentes sem responsabilidade, espiral de custos para o Estado, trabalhos a mais e emaranhado de interesses privados e públicos.
Ainda agora, com a ponte de Chelas para o Barreiro, o facto de o presidente da Lusoponte ser o antigo ministro das Obras Públicas, Ferreira do Amaral, parece não perturbar ninguém.
Mas a verdade é que foi ele o signatário, por parte do governo, do contrato com a Lusoponte que prevê que esta tenha o exclusivo dos direitos de atravessamento do Tejo (de Vila Franca ao mar), o que significa que o Estado tem que a indemnizar.
Mesmo que a honestidade das pessoas seja a toda a prova, a certeza é a de que há conflitos de interesses, há promiscuidade e há ligações perigosas entre público e privado.
São gestos como este que mostram como é frágil o Estado português.
Como são atrevidos os governantes.
Num caso e noutro, o referendo e o aeroporto, os governantes mentiram, desdisseram-se, negaram o que tinham afirmado, mudaram de opinião e de certezas, voltaram atrás, disseram que não tinham dito, não era bem assim, só queriam dizer que era isto e não aquilo...
Neste exercício de garantir o que não é evidente para ninguém e de negar o que disse e prometeu, Sócrates foi absolutamente excelente.
Revelou a convicção de um vendedor de persianas.
Portou-se com a inocência de um escuteiro.
Sócrates está convencido de que pode vender o que quiser a quem quer que seja.
Basta ele falar, controlar a informação, negar a evidência, garantir as suas certezas e elogiar o produto!
Como os governantes não mudam de estilo nem de sistema, a não ser que a isso sejam forçados, já não vale a pena esperar pelos efeitos correctores desta semana nos seus comportamentos.
Mas a população assistiu.
Viu.
Pôde tirar conclusões.
Se, como os animais, os homens aprendessem com a experiência, esta semana teria sido gloriosa.
Ficaria na história como um dos momentos altos de aprendizagem da arte de ser governado.
Perder-se-ia rapidamente a confiança em Sócrates.
Este governo teria o desfavor público.
A competência técnica, a seriedade e as promessas do governo passariam a ser motivo de gargalhada e desprezo.
Infelizmente, parece que os homens em geral e os portugueses em particular não são como os animais.
Não aprendem.
António Barreto
Etiquetas: Alcochete, Constituição Europeia, Lobi da Consultadoria, OTA, Tratado de Lisboa, Tratado Europeu
2 Comments:
Uma conhecida anedota soviética contava que, quando Gorbachev convidou Reagan para visitar o seu país, o recebeu com a mais faustosa recepção vista em Moscovo. Impressionado com o luxo e hospitalidade, Reagan perguntou onde tinham os soviéticos ido buscar tanto dinheiro, ao que Gorbachev apontou para a janela e perguntou ao presidente dos EUA se estava a ver o opulência da ponte que se encontrava à sua frente. “Não, não estou a ver ponte nenhuma”, respondeu um estupefacto Reagan. “Pois, aí está, gastámos o dinheiro na sua visita”.
O acordo do Estado com a Lusoponte é semelhante. Quando visitamos a Expo e olhamos para o Tejo só vislumbramos uma ponte onde os portugueses vão pagar três ou quatro. Que o Governo venha agora tentar sossegar os contribuintes, dizendo que a esmagadora maioria do investimento no aeroporto e TGV serão efectuados por consórcios privados seguindo um modelo semelhante ao seguido na ponte Vasco da Gama (Build, Operate Transfer) deveria ser suficiente para os portugueses começarem a remexer na carteira.
A ponte Vasco da Gama custou 897 milhões de euros, a maioria dos quais suportados por capitais privados. Em contrapartida, a Lusoponte recebeu mais de 550 milhões de subsídios do Estado (fonte, Público de ontem). Ficou com a exclusividade da concessão das pontes no Tejo a sul de Vila Franca de Xira, o prazo de concessão foi dilatado de 28 para 35 anos, e, cereja em cima do bolo, foi-lhe entregue a super lucrativa ponte 25 de Abril - na qual não gastou 1 cêntimo.
O Tribunal de Contas arrassou o acordo, valendo a pena lembrar esta passagem: "Considerando apenas o envolvimento financeiro do Estado concedente, designadamente a sua comparticipação inicial, as compensações directas e as perdas de receita de IVA e do Fee da manutenção da Ponte 25 de abril, os montantes envolvidos deverem ascender, a preços correntes, a cerca de 217 milhões de contos. Neste contexto, afigura-se bem longe de constituir qualquer ficção sustentar a ideia de que o Estado concedente tem sido o mais importante e decisivo financiador da concessão, sem a explorar.” (página 84 do relatório). E isto foi em 2001...
Como se não fosse suficiente, o Estado prepara-se para renegociar novamente o contrato, atribuindo à Lusoponte a concessão da travessia entre Chelas e Barreiro. O mesmo traçado que, vai para quinze anos, merecia um largo consenso técnico mas que foi chumbado pelo então ministro das Obras Públicas: "Construir uma ponte entre Chelas e o Barreiro é trazer mais confusão para o centro de Lisboa", dizia então Ferreira do Amaral. Agora, o mesmo Ferreira do Amaral, que era contra a ligação Chelas-Barreiro, prepara-se para exigir do Estado o cumprimento do ruinoso acordo que assinou, acrescentando mais um episódio à história de sucesso do consórcio mais sortudo (e com melhores contactos) de Portugal.
Parece que os financiadores do estudo da CIP dizem ter medo das represálias do Estado. O único nome que se conhece é o da Lusoponte. Pobres e mal agradecidos, é o que é. Vivem à custa dos dinheiros públicos que, depois, passam a vida a vilipendiar. O empreendorismo nacional é assim. São todos liberais quando peregrinam até ao Convento do Beato, mas, quando fazem negócios, só se lembram do liberalismo depois do Estado lhes garantir o monopólio e assumir os riscos. O Governo fala agora em 16 000 milhões de euros em obras públicas nos próximos anos. Vai ser um festim. Pago por todos nós. Três ou quatro vezes, que é como se faz negócios no nosso país com o dinheiro dos outros.
O Governo anda a enganar-se muito. E, por causa de um engano, Portugal ia perdendo a oportunidade de ter um aeroporto no deserto.
Errar é humano.
Mas os humanos que erram, para que mereçam a compreensão dos semelhantes, têm que cultivar certa modéstia.
Não fica nada mal a ninguém, pessoa ou instituição, ter dúvidas e aceitar a discussão das dúvidas alheias.
O que fica mal é ter, à socapa, que meter a viola no saco engolir a soberba.
Nada pior que um imodesto errante, que um pretensioso transviado.
E o que tem vindo a acontecer com o Governo é que lá se vai enganando e lá vai emendando a mão, mas sem jamais perder a altivez.
O caso mais recente e de maior dimensão é o do aeroporto.
É ler o que o Governo dizia aqui há uns meses contra os detractores da Ota.
E afinal, lidos os velhos e novos pareceres, sempre é preferível Alcochete, na margem sul, o deserto.
O deserto, como diz que não disse o ministro das Obras Públicas, porque admitir que se enganou é que nenhum ministro admite.
Nem o primeiro-ministro admite que se enganou, ou que enganou os portugueses, com a promessa do referendo europeu.
Nos enganos em cadeia há o caso do pagamento do retroactivo do aumento das pensões por prestações, anunciado num dia, a pronto, corrigido no dia seguinte.
Antes disso foi a trapalhada com a lei do tabaco, até que os casinos desempataram as regras do jogo. Imediatamente antes foi a designação da administração da CGD. Indignou-se de manhã um governante por o PSD ter sugerido a nomeação de um quadro do PSD para a administração; à tarde o Governo nomeou um quadro do PSD para a presidência.
Enfim, governar transformou-se numa comédia de enganos.
O Governo engana-se e o enganado é o do costume
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