SÓCRATES E A LIBERDADE
Em consequência da revolução de 1974, criou raízes entre nós a ideia de que qualquer forma de autoridade era fascista.
Nem mais, nem menos.
Um professor na escola exigia silêncio e cumprimento dos deveres?
Fascista!
Um engenheiro dava instruções precisas aos trabalhadores no estaleiro?
Fascista!
Um médico determinava procedimentos específicos no bloco operatório?
Fascista!
Até os pais que exerciam as suas funções educativas em casa eram tratados de fascistas.
Pode parecer caricatura, mas essas tontices tiveram uma vida longa e inspiraram decisões, legislação e comportamentos públicos.
Durante anos, sob a designação de diálogo democrático, a hesitação e o adiamento foram sendo cultivados, enquanto a autoridade ia sendo posta em causa. Na escola, muito especialmente, a autoridade do professor foi quase totalmente destruída.
Em traço grosso, esta moda tinha como princípio a liberdade.
Os denunciadores dos fascistas faziam-no por causa da liberdade.
Os demolidores da autoridade agiam em nome da liberdade.
Sabemos que isso era aparência: muitos condenavam a autoridade dos outros, nunca a sua própria; ou defendiam a sua liberdade, jamais a dos outros.
Mas enfim, a liberdade foi o santo e a senha da nova sociedade e das novas culturas.
Como é costume com os excessos, toda a gente deixou de prestar atenção aos que, uma vez por outra, apareciam a defender a liberdade ou a denunciar formas abusivas de autoridade.
A tal ponto que os candidatos a déspota começaram a sentir que era fácil atentar, aqui e ali, contra a liberdade: a capacidade de reacção da população estava no mais baixo.
Por isso sinto incómodo em vir discutir, em 2008, a questão da liberdade.
Mas a verdade é que os últimos tempos têm revelado factos e tendências já mais do que simplesmente preocupantes.
As causas desta evolução estão, umas, na vida internacional, outras na Europa, mas a maior parte residem no nosso país.
Foram tomadas medidas e decisões que limitam injustificadamente a liberdade dos indivíduos.
A expressão de opiniões e de crenças está hoje mais limitada do que há dez anos.
A vigilância do Estado sobre os cidadãos é colossal e reforça-se.
A acumulação, nas mãos do Estado, de informações sobre as pessoas e a vida privada cresce e organiza-se.
O registo e o exame dos telefonemas, da correspondência e da navegação na Internet são legais e ilimitados.
Por causa do fisco, do controlo pessoal e das despesas com a saúde, condiciona-se a vida de toda a população e tornam-se obrigatórios padrões de comportamento individual.
O catálogo é enorme.
De fora, chegam ameaças sem conta e que reduzem efectivamente as liberdades e os direitos dos indivíduos. A Al Qaeda, por exemplo, acaba de condicionar a vida de parte do continente africano, de uma organização europeia, de milhares de desportistas e de centenas de milhares de adeptos. Por causa das regulações do tráfego aéreo, as viagens de avião transformaram-se em rituais de humilhação e desconforto atentatórios da dignidade humana.
Da União Europeia chegam, todos os dias, centenas de páginas de novas regulações e directivas que, sob a capa das melhores intenções do mundo, interferem com a vida privada e limitam as liberdades.
Também da Europa nos veio esta extraordinária conspiração dos governos com o fim de evitar os referendos nacionais ao novo tratado da União.
Mas nem é preciso ir lá fora.
A vida portuguesa oferece exemplos todos os dias.
A nova lei de controlo do tráfego telefónico permite escutar e guardar os dados técnicos (origem e destino) de todos os telefonemas durante pelo menos um ano.
Os novos modelos de bilhete de identidade e de carta de condução, com acumulação de dados pessoais e registos históricos, são meios intrusivos.
A videovigilância, sem limites de situações, de espaços e de tempo, é um claro abuso.
A repressão e as represálias exercidas sobre funcionários são já publicamente conhecidas e geralmente temidas.
A politização dos serviços de informação e a sua dependência directa da Presidência do Conselho de Ministros revela as intenções e os apetites do Primeiro-ministro.
A interdição de partidos com menos de 5.000 militantes inscritos e a necessidade de os partidos enviarem ao Estado a lista nominal dos seus membros é um acto de prepotência.
A pesada mão do governo agiu na Caixa Geral de Depósitos e no Banco Comercial Português com intuitos evidentes de submeter essas empresas e de, através delas, condicionar os capitalistas, obrigando-os a gestos amistosos.
A retirada dos nomes dos santos de centenas de escolas (e quem sabe se também, depois, de instituições, cidades e localidades) é um acto ridículo de fundamentalismo intolerante.
As interferências do governo nos serviços de rádio e televisão, públicos ou privados, assim como na comunicação social em geral, sucedem-se.
A legislação sobre a segurança alimentar e a actuação da ASAE ultrapassaram todos os limites imagináveis da decência e do respeito pelas pessoas.
A lei contra o tabaco está destituída de qualquer equilíbrio e reduz a liberdade.
Não sei se Sócrates é fascista.
Não me parece, mas, sinceramente, não sei.
De qualquer modo, o importante não está aí.
O que ele não suporta é a independência dos outros, das pessoas, das organizações, das empresas ou das instituições.
Não tolera ser contrariado, nem admite que se pense de modo diferente daquele que organizou com as suas poderosas agências de intoxicação a que chama de comunicação.
No seu ideal de vida, todos seriam submetidos ao Regime Disciplinar da Função Pública, revisto e reforçado pelo seu governo.
O Primeiro-ministro José Sócrates é a mais séria ameaça contra a liberdade, contra autonomia das iniciativas privadas e contra a independência pessoal que Portugal conheceu nas últimas três décadas.
Temos de reconhecer: tão inquietante quanto esta tendência insaciável para o despotismo e a concentração de poder é a falta de reacção dos cidadãos.
A passividade de tanta gente.
Será anestesia?
Resignação?
Acordo?
Só se for medo...
António Barreto
Nem mais, nem menos.
Um professor na escola exigia silêncio e cumprimento dos deveres?
Fascista!
Um engenheiro dava instruções precisas aos trabalhadores no estaleiro?
Fascista!
Um médico determinava procedimentos específicos no bloco operatório?
Fascista!
Até os pais que exerciam as suas funções educativas em casa eram tratados de fascistas.
Pode parecer caricatura, mas essas tontices tiveram uma vida longa e inspiraram decisões, legislação e comportamentos públicos.
Durante anos, sob a designação de diálogo democrático, a hesitação e o adiamento foram sendo cultivados, enquanto a autoridade ia sendo posta em causa. Na escola, muito especialmente, a autoridade do professor foi quase totalmente destruída.
Em traço grosso, esta moda tinha como princípio a liberdade.
Os denunciadores dos fascistas faziam-no por causa da liberdade.
Os demolidores da autoridade agiam em nome da liberdade.
Sabemos que isso era aparência: muitos condenavam a autoridade dos outros, nunca a sua própria; ou defendiam a sua liberdade, jamais a dos outros.
Mas enfim, a liberdade foi o santo e a senha da nova sociedade e das novas culturas.
Como é costume com os excessos, toda a gente deixou de prestar atenção aos que, uma vez por outra, apareciam a defender a liberdade ou a denunciar formas abusivas de autoridade.
A tal ponto que os candidatos a déspota começaram a sentir que era fácil atentar, aqui e ali, contra a liberdade: a capacidade de reacção da população estava no mais baixo.
Por isso sinto incómodo em vir discutir, em 2008, a questão da liberdade.
Mas a verdade é que os últimos tempos têm revelado factos e tendências já mais do que simplesmente preocupantes.
As causas desta evolução estão, umas, na vida internacional, outras na Europa, mas a maior parte residem no nosso país.
Foram tomadas medidas e decisões que limitam injustificadamente a liberdade dos indivíduos.
A expressão de opiniões e de crenças está hoje mais limitada do que há dez anos.
A vigilância do Estado sobre os cidadãos é colossal e reforça-se.
A acumulação, nas mãos do Estado, de informações sobre as pessoas e a vida privada cresce e organiza-se.
O registo e o exame dos telefonemas, da correspondência e da navegação na Internet são legais e ilimitados.
Por causa do fisco, do controlo pessoal e das despesas com a saúde, condiciona-se a vida de toda a população e tornam-se obrigatórios padrões de comportamento individual.
O catálogo é enorme.
De fora, chegam ameaças sem conta e que reduzem efectivamente as liberdades e os direitos dos indivíduos. A Al Qaeda, por exemplo, acaba de condicionar a vida de parte do continente africano, de uma organização europeia, de milhares de desportistas e de centenas de milhares de adeptos. Por causa das regulações do tráfego aéreo, as viagens de avião transformaram-se em rituais de humilhação e desconforto atentatórios da dignidade humana.
Da União Europeia chegam, todos os dias, centenas de páginas de novas regulações e directivas que, sob a capa das melhores intenções do mundo, interferem com a vida privada e limitam as liberdades.
Também da Europa nos veio esta extraordinária conspiração dos governos com o fim de evitar os referendos nacionais ao novo tratado da União.
Mas nem é preciso ir lá fora.
A vida portuguesa oferece exemplos todos os dias.
A nova lei de controlo do tráfego telefónico permite escutar e guardar os dados técnicos (origem e destino) de todos os telefonemas durante pelo menos um ano.
Os novos modelos de bilhete de identidade e de carta de condução, com acumulação de dados pessoais e registos históricos, são meios intrusivos.
A videovigilância, sem limites de situações, de espaços e de tempo, é um claro abuso.
A repressão e as represálias exercidas sobre funcionários são já publicamente conhecidas e geralmente temidas.
A politização dos serviços de informação e a sua dependência directa da Presidência do Conselho de Ministros revela as intenções e os apetites do Primeiro-ministro.
A interdição de partidos com menos de 5.000 militantes inscritos e a necessidade de os partidos enviarem ao Estado a lista nominal dos seus membros é um acto de prepotência.
A pesada mão do governo agiu na Caixa Geral de Depósitos e no Banco Comercial Português com intuitos evidentes de submeter essas empresas e de, através delas, condicionar os capitalistas, obrigando-os a gestos amistosos.
A retirada dos nomes dos santos de centenas de escolas (e quem sabe se também, depois, de instituições, cidades e localidades) é um acto ridículo de fundamentalismo intolerante.
As interferências do governo nos serviços de rádio e televisão, públicos ou privados, assim como na comunicação social em geral, sucedem-se.
A legislação sobre a segurança alimentar e a actuação da ASAE ultrapassaram todos os limites imagináveis da decência e do respeito pelas pessoas.
A lei contra o tabaco está destituída de qualquer equilíbrio e reduz a liberdade.
Não sei se Sócrates é fascista.
Não me parece, mas, sinceramente, não sei.
De qualquer modo, o importante não está aí.
O que ele não suporta é a independência dos outros, das pessoas, das organizações, das empresas ou das instituições.
Não tolera ser contrariado, nem admite que se pense de modo diferente daquele que organizou com as suas poderosas agências de intoxicação a que chama de comunicação.
No seu ideal de vida, todos seriam submetidos ao Regime Disciplinar da Função Pública, revisto e reforçado pelo seu governo.
O Primeiro-ministro José Sócrates é a mais séria ameaça contra a liberdade, contra autonomia das iniciativas privadas e contra a independência pessoal que Portugal conheceu nas últimas três décadas.
Temos de reconhecer: tão inquietante quanto esta tendência insaciável para o despotismo e a concentração de poder é a falta de reacção dos cidadãos.
A passividade de tanta gente.
Será anestesia?
Resignação?
Acordo?
Só se for medo...
António Barreto
Etiquetas: 2008, ASAE, Fascistas, José Sócrates, Liberdade, Partido Socialista, Portugal, Referendo, Tabaco
6 Comments:
E ainda não conhece Taveira Pinto... Porque se o conhecesse o que lhe chamava? Nazi? Comunista?
Nos primeiros tempos do governo de Sócrates o conceito de “ética republicana” andava a todo o tempo na boa de dirigentes e governantes, tudo se justificava pela ética republicana. Nunca percebi muito bem o que a ética republicana tinha mais do que o meu conceito de ética, limitei-me a partir do princípio de que seria um pouco mais exigente, se diziam que era republicana por alguma coisa seria, talvez fosse reforçada pelos princípios dos velhos republicanos, ainda que esses mesmos princípios sejam hoje valores universais.
Passados dois anos deixou de se ouvir falar de ética republicana, pior ainda, já nem sequer se fala de ética, tantas são as situações que suscitariam uma gargalhada se alguém se lembrasse de voltar a usar esta bandeira esfarrapada. O caso da directora da DREN e o do inspector-geral da ASAE são exemplos disso, estes dois dirigentes da Administração Pública deveriam ter sido demitidos mas são mantidos nos lugares como se nada tivesse sucedido.
A directora da DREN perseguiu, recorreu a denúncias por telemóvel, deu entrevistas fazendo acusações e antecipando penas e nada lhe aconteceu. O inspector-geral da ASAE usa e abusa da asneira, leva a aplicação da lei ao exagero e quando se sente criticado usa o papão da EU para se justifica, viola ostensivamente a lei que lhe cabe fazer cumprir, dá entrevistas anunciado o encerramento e falência de metade dos restaurantes e mantém-se no cargo com aquele ar arrogante e vaidoso (para não dizer cagão) com que os portugueses começam a reconhecê-lo.
Defender os amigos e os que nos apoiam é uma virtude e neste ponto Sócrates até poderá ser merecedor de elogios, o apoio à directora da DREN ia sendo a sua terça-feira de Carnaval e o apoio que está a dar ao inspector-geral da ASAE vai ter custos ainda maiores pois a sua arrogância teve o condão de levar os donos dos restaurante onde quase todos os portugueses almoçam a falar mal do Governo. Só que estes senhores ocupam cargos públicos e é tendo em conta a imagem que estão a dar da Administração Pública com que Sócrates tem que se preocupar.
Se do ponto de vista pessoal de José Sócrates poderão ser merecedores de elogia, do ponto de vista do Estado e dos princípios por que este se deve reger já deveriam ter levado um pontapé no rabo. É esta a diferença entre a ética republicana (ou qualquer outra que seja adoptada para reger as relações entre o Estado e os cidadãos) e aquela que parece ser a ética socratiana, que aos poucos começa a reger a Administração Pública. Nas próximas legislativas veremos qual o prejuízo que estes "amigos" deram a Sócrates.
F lauteando uma frase de Pacheco Pereira, e apavorado com a "tendência insaciável para o despotismo e a concentração de poder" do Executivo, António Barreto escreveu um artigo, cujo conteúdo estilhaça o tom ameno e, até, conciliador, que lhe é habitual.
Aflito, o conhecido sociólogo diz: "Foram tomadas medidas e decisões [sic] que limitam injustificadamente a liberdade dos indivíduos.
A expressão de opiniões e de crenças está hoje mais limitada do que há dez anos.
A vigilância do Estado sobre os cidadãos é colossal e reforça-se." Vão por aí fora, o pesado estilo e a rude acusação.
Nunca, como agora, as vozes convergiram no apontar de excessos "autoritários" e em alvejar a infausta acção de um Governo sem sensibilidade, sem remorsos e sem grandeza.
Na recolhida sombra da minha prosa desalinhada e chã tenho procurado cumprir, com modéstia e aplicação, o dever que cabe a um autor sem amos e sem vis desígnios - dar com o sarrafo nas iniquidades do poder.
Não estou isento, eu também, de levar umas ripadas, desferidas por quem não está de acordo comigo para estar de bem com o Governo.
Malhas que o império tece...
A minha beligerância é conhecida.
A do António Barreto, não; pelo menos até agora.
Aparenta um homem de palavra grave, porém macia;
um sociólogo propenso à mansidão da pesquisa e à quietude do gabinete; um cronista de comedida, acampado na serenidade do velho estilo e da antiga gramática.
Ei-lo, então, fulminante, a tanger as cordas do conflito: "Não sei se Sócrates é fascista.
Não me parece, mas, sinceramente, não sei." A frase não é pacífica e revela-se na ambiguidade da conclusão.
Se, por exemplo, eu escrevesse: "Não sei se Sócrates é malandro. Não me parece, mas, sinceramente, não sei" - a dúvida proposta nas locuções misturar-se-ia às meias-verdades sussurradas ao ouvido de outrem.
É a intriga em marcha.
As inquietantes frases do Barreto excitam a imaginação dos detractores de Sócrates, suscitam a repulsa dos apaniguados, o sorriso dos adversários, a apreensão dos antifascistas e, acaso, a perplexidade do visado. E, também, a ira do José Manuel Fernandes, assinalado director do Público.
Num editorial atravessado por transversais críticas a outros preopinantes, e abonando-se em Bento XVI, Stuart Mill, Coleridge e Isaiah Berlin (não sei se falhei algum outro), o Fernandes demonstra-nos a sua apoquentação com as críticas a "algumas leis e iniciativas do Governo".
Não são algumas: são aquelas que têm imposto a radicalidade de uma "democracia administrativa", e retirado aos outros a autoridade da razão.
Não acredito que Sócrates seja fascista.
Mas que o fascismo anda por aí, lá isso...
O QUE TÊM A MAIS OS CASINOS?
Após dias de dúvidas e de confusão, a reunião de esclarecimento do grupo técnico que acompanha a Lei do Tabaco deu no que mais se temia: em mais dúvidas e mais confusão. Doravante, teremos para o tabaco uma lei e meia: uma lei que proíbe o fumo em todos os recintos de diversão, excepto em espaços que cumpram certos requisitos; e meia lei (ou melhor, um número de um artigo de uma lei) que permite o fumo em certos recintos de diversão, excepto nos espaços com tabuleta vermelha a dizer "proibido fumar". Moral da história: à luz da lei, todos os espaços de diversão são iguais, mas há alguns mais iguais do que os outros. Pode-se fumar nos casinos, mas não se pode fumar nas discotecas; quem impõe as regras para os espaços de fumadores nas discotecas é a lei, quem diz onde os não-fumadores poderão encontrar o seu lugar são os donos dos casinos.
Quando uma lei tão restritiva como a do tabaco apresenta uma discricionariedade desta dimensão, é caso para suspeitar da sua legitimidade. E, ainda mais, da sua eficácia. Porque se é verdade que o seu articulado tem uma subtil pulsão higienista e uma inadmissível intromissão nos direitos dos que querem fumar (e dos que querem ter espaços abertos a fumadores), esta lei é uma lei da República e, como todas as leis, tem de ser geral e abstracta. Não se percebe por isso por que é que os sentimentos maternais do Governo em relação à saúde dos que fumam acabam à porta dos casinos. Talvez o facto de 80 por cento dos que lá apostam serem fumadores, como lembrou o presidente da associação do sector, tenha levado o Governo a considerar que tão importante indústria não podia ser ameaçada pela síndroma da abstinência.
De resto, as incompreensões que se acumulam sobre a excepção dos casinos não se alimentam apenas do resultado da reunião dos técnicos. Ponto um: na lei, o Governo identificou 25 locais onde seria proibido fumar, desde recintos de feiras a parques de estacionamento cobertos. Nem os juristas que redigiram os anteprojectos, nem os deputados, nem os ministros da tutela se aperceberam de que nessa extensa lista não constavam os casinos. Ponto dois: o artigo final da lei revoga de uma assentada 21 decretos-leis, portarias ou despachos, mas nem os juristas que redigiram os anteprojectos da lei, nem os deputados, nem os ministros da tutela se aperceberam de que nessa extensa lista não constava a Lei do Jogo ou, pelo menos, um número do seu artigo 32 que, "quando possível", recomenda a delimitação de zonas para fumadores.
Custa a entender como é que entre os que estudaram a questão, os que redigiram a lei, os que a propuseram, os que a debateram e apreciaram na Assembleia e até os que a homologaram ninguém reparou na omissão dos casinos. Que, sendo poucos, estão longe de ser discretos - pelo contrário, têm uma visibilidade na agenda da vida nocturna de primeira importância. Como foi, portanto, possível que alguém se tenha lembrado de mencionar a proibição nas feiras e tenha deixado de lado os casinos?
Juntando as peças do puzzle, ninguém se lembrou porque talvez fosse mais conveniente esquecer. Os proprietários de discotecas queixam-se de perdas no negócio, mas com os casinos, está-se a ver, não parece haver problemas. Como os seus proprietários podem decidir que só um por cento da área do estabelecimento fica reservada aos não-fumadores, tudo ficará como antes. De resto, para quem fuma a notícia tem o mérito de resolver a angústia da escolha: entre um pé de dança sem tabaco e a aposta numa slot machine entre duas ou três baforadas, não será difícil escolher. Para a moral dominante, se o jogo já tem os seus anátemas, acrescente-se-lhe já agora os do tabaco e faça-se dos casinos o purgatório. Todos felizes, portanto.
Claro que não há senso algum em tudo isto. Mas, como é norma, há sempre falta de senso nas leis que querem mudar radicalmente os hábitos e os comportamentos das pessoas.
Manuel Carvalho
A ASAE ao tornar a fiscalização mais eficaz salientou a falta de adequação da legislação em vigor ao país. A lei é para ser aplicada, mas será que encerrar meio país era a intenção do legislador? Ou há aqui um excesso de zelo da ASAE? Será que a ASAE está a criar valor ou a ameaçar destruir demasiada actividade económica? E em nome de quê?
A concentração de competências dispersas por várias entidades numa única – a ASAE – foi uma medida interessante, trouxe maior eficácia à fiscalização e permitiu uma visão integrada dos diversos problemas que se concentram em qualquer actividade económica. A fiscalização é uma actividade importante. Deve ser exercida de forma discreta, sistemática, regular, com bom senso e precaução, garantindo a segurança e dando confiança aos consumidores. A confiança cria valor, estimulando a actividade económica. A actuação da ASAE, pelo contrário, tem sido espalhafatosa e mediática, criando desconfiança nos consumidores e medo nos proprietários de estabelecimentos, destruindo, neste sentido, valor.
Veja-se o exemplo dos restaurantes chineses. As pessoas ao saberem que a ASAE estaria mais atenta à actividade de restauração deveriam diminuir as suas reservas e jantar fora com maior segurança e frequência, nomeadamente nos restaurantes chineses. Na realidade o que aconteceu foi o contrário. Ao fazer da fiscalização uma operação mediática, a ASAE lançou a desconfiança sobre todos os restaurantes pertencentes a um grupo étnico. E os restaurantes que cumpriam a lei e que continuaram abertos (a maioria) ficaram praticamente sem clientes durante meses, não sendo certo que tenham já recuperado. Um enorme prejuízo criado pela actuação de uma entidade cuja função é dar confiança e não lançar pânicos infundados.
A ASAE pertence ao Estado, e numa sociedade liberal e democrática o Estado deve proteger as minorias étnicas e combater os preconceitos racistas. Uma acção directa contra um grupo étnico desta natureza teria levado a demissões em qualquer país europeu. Em Portugal, os jornalistas reportaram acriticamente esta operação, sendo cúmplices de um dos piores actos de racismo promovidos pelo Estado português nos últimos anos.
Se a forma de actuação em relação aos restaurantes chineses foi totalmente errada, há outros casos em que a ASAE poderá estar apenas a fazer cumprir a lei, actuando dentro das suas competências. No entanto, pergunto se o está a fazer com proporcionalidade e bom senso ou se tem pecado por excesso de zelo.
Quando o seu presidente afirma que metade dos estabelecimentos de restauração poderão fechar, pergunto-me onde ficou o bom senso? Será que em Portugal há uma situação generalizada de intoxicações alimentares que justifique algo tão draconiano? Ou será que estamos a apontar como mínimo padrões de qualidade que deveríamos reservar para restaurantes de luxo?
A culpa aqui não é só da ASAE, é também dos legisladores. Os legisladores portugueses gabam-se, demasiadas vezes, de fazerem leis iguais às mais avançadas da Europa, esquecendo que estas vão ser aplicadas num dos menos avançados países do continente. Existe nos legisladores e nos fiscais a ideia de que leis mais exigentes aumentam a qualidade. Os primeiros acabam por fazer leis com normas demasiado rigorosas. E os segundos, num claro abuso de poder, transformam muitas vezes o que apenas são recomendações em normas adicionais, que pelo sim pelo não “quem não quiser ter problemas” tem de cumprir. O resultado são custos para os estabelecimentos, gastos em alterações que pouco acrescentam em termos de higiene, e que muitas vezes tornam os estabelecimentos menos agradáveis. Os azulejos que enchem as paredes de cafés e restaurantes por Portugal fora são um bom exemplo disso. Nenhuma lei obriga a que os estabelecimentos os tenham, mas muitos proprietários optam por esta solução, com receio das interpretações mais exigentes dos fiscais. O resultado: cafés e restaurantes descaracterizados, frios, feios e com elevados índices de ruído. Tudo em nome da qualidade e da higiene.
Outro problema dos excessos dos legisladores e fiscais é a criação de importantes barreiras à entrada e à concorrência, quando esta é uma das opções – tantas vezes esquecida – para melhorar a qualidade. De facto, se deixarmos diferentes estabelecimentos concorrer, os clientes poderão escolher os que mais lhes agradam e os que mais se adequam ao seu padrão de consumo. Mais, a qualidade promove-se com leis que facilitem a entrada de novas formas de oferta no mercado, e com uma fiscalização que não torne proibitiva a continuação de ofertas a baixo preço ou de estabelecimentos de pequena dimensão. A fiscalização e a regulação devem concentrar-se nos aspectos que poderão pôr realmente em perigo a saúde pública e deixar a escolha dos consumidores fazer o restante trabalho.
Quando se fala de fechar metade dos estabelecimentos e obrigar os que permanecem a importantes obras, estamos ultrapassar claramente esse limite, com enormes custos para os proprietários, trabalhadores e consumidores. Tal representaria uma redução brutal da oferta, que resultará em menor diversidade, menor qualidade, menor concorrência e, consequentemente, preços mais elevados. Terá alguém estudado o custo destas medidas em termos de emprego, falências, aumento da inflação, impacto no turismo, etc? Está a ASAE a decidir o que os consumidores devem escolher? Quem encomendou este serviço, e onde está afixado o seu preço?
O que têm em comum o cigarro, a colher de pau e a bola de berlim com creme? São tradições portuguesas de muitos anos, verdadeiras instituições nacionais, que agora estão sob bombardeamento cerrado. As novas leis, do tabaco, dos restaurantes e dos alimentos, obrigam o país a mudar, a abandonar os seus hábitos e costumes, ficando assim mais “civilizado”.
Contudo, o espírito destas novas leis não é o mais indicado. Aparentemente, em Portugal o número de mortes horríveis tem subido drasticamente nos últimos anos, pois o espírito das novas leis diz que a protecção da nossa saúde, é o principal motivo para estes passos em direcção à civilização. Confesso que, talvez por total distracção, eu não tinha dado conta que os hospitais estavam cheios de horríveis sofrimentos causados por colheres de pau, cigarros ou bolas de Berlim. Porém, aparentemente, é assim.
Uma mentira repetida mil vezes torna-se uma verdade. Esta máxima é totalemente adaptada à questão do “fumador passivo”. Não há, em todo o mundo, um único estudo que prove que os “fumadores passivos” têm danos na sua saúde motivados pelo tabaco. Pura e simplesmente, não há qualquer prova científica disso. No entanto, de tanto ouvirmos que assim é, convencemo-nos de que é verdade. Mas não é. O perigo dos cigarros para os “fumadores passivos” é uma das maiores falácias dos últimos cinquenta anos. Nunca ninguém morreu ou teve complicações de saúde por ter estado exposto ao fumo de um cigarrito. É verdade que os fumadores têm mais doenças pulmonares, mas só os “activos”. Entre os passivos não há qualquer registo de dramas.
Infelizmente, as pessoas acreditam nesta mentirosa propaganda. Infelizmente, não é feita distinção entre uma mentira – que o fumo faz mal à saúde de quem não fuma mas está ali perto -, e uma verdade – que o fumo incomoda quem não fuma. Sou o primeiro a aceitar que o meu fumo incomode os outros, e talvez por isso aceito que em muitos locais eu não possa fumar. Parece-me mera questão de boa educação e respeito pelos outros. Ou seja, é civilizado. Agora, não me venham dizer que é porque a saúde dos “passivos” está em risco, que isso é uma vergonhosa mentira.
Daqui a uns tempos, quando passar esta fúria tonta proibicionista, o bom senso irá certamente regressar, e o fumo voltará a ser permtido em locais em que faça sentido, como bares ou discotecas ou casinos. Nesses locais de diversão nocturna, é um total disparate que se proíba o fumo.
O problema destas coisas, desde a colher de pau ao fumo do cigarro, não é tanto se são legislações “fascistas” ou “totalitárias”, mas sim se são legislações apropriadas à forma típica de viver do povo português. A fúria proibicionista não era uma tradição nossa, mas infelizmente parece que está a ser adoptada por cá.
O que isto infelizmente demonstra é que Portugal é uma sociedade confundida, sem fé nas suas tradições e nos seus costumes, sem orgulho em si própria. Ouve-se falar em qualquer coisa na Europa e na América, e os portugueses correm a adoptar essa nova modinha, deslumbrados com o que pensam ser modernidade. Não acreditam que o que é nosso, verdadeiramente português, deve ser estimado, e deve ser motivo de orgulho.
As leis do tabaco, dos alimentos, dos hábitos de restaurantes, são coisas importadas, cheias de preocupações absurdas e regras patetas. Os portugueses deviam fazer como os italianos, e seleccionar as leis que querem adaptar consoante os seus hábitos. Em Itália, defendem-se os costumes, a gastronomia típica, a boa disposição, a diversão nocturna. Os italianos são assim e gostam de ser assim, e portanto tudo fazem para manter as tradições. Para nosso azar, os portugueses não são assim. Têm dúvidas sobre as suas tradições e por isso deslumbram-se com o que vem de fora. Não têm orgulho em Portugal, e querem mudá-lo. Aos poucos, vamos a caminho de nos tornarmos uma espécie de Suíça. Chata, choca, seca, sem vida ou paixão, mas que faz muito bem à saúde.
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