sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

O OVO DE SERPENTE

Anda por aí um cheirinho de fascismo.
A frase, surpreendente, começa a entrar no circuito do comentário político e em afirmações, mais ou menos severas, do léxico comum.
José Pacheco Pereira discorreu, levemente, acerca de; António Barreto foi-lhe na peugada e sugeriu que sim, mas que também; Zita Seabra, campeã de todas as liberdades, toca pela mesma pauta; e Vasco Pulido Valente usa um exaltado verbo para avisar os incautos: alto aí!

As apoquentações podem suscitar sorrisos condescendentes aos mais incrédulos.
Porém, que a coisa é discutida, lá isso, é.

De facto, as liberdades tidas como tais, desde Abril de 1974, começam ser limitadas.
Mas fomos nós que admitimos estes cercos.
Em nome da segurança e da estabilidade, da paz pública e da tranquilidade das almas, velhos chavões das estratégias de poder da Direita, recuperados, numa reabilitação fantomática, pela Esquerda moderna, inúmeros dos direitos conquistados foram espezinhados rudemente.
Não há que fugir a isto.

Sabe-se: o fascismo possui diversas máscaras e dispõe de infinitas possibilidades de metamorfose. E há democracias, em todo o mundo, cuja musculatura, frieza, sobranceria e insensibilidade representam parentescos evidentes com o totalitarismo de Direita.

São notórias as deficiências deste Governo, que obteve, durante imenso tempo, a concordância beatífica de uma Imprensa acrítica, ao mesmo tempo que tem beneficiado do esvaziamento da oposição.
O PSD é o que se vê. O PCP perde aceleradamente influência. O Bloco de Esquerda transformou-se no MDP do PS.
Os chamados pequenos partidos estão condenados à extinção, em consequência de uma decisão socialista, desavergonhada e inqualificável.

Estamos confrontados com uma estratégia de poder, não só absoluto, mas, também, de características perpétuas ou, pelo menos, estruturadas para longo prazo.
Não há um, um só, jornal com projecto editorial de Esquerda.
Dir-se-á: e a Direita, tem-no?
Também não; mas quase: basta ler o que por aí se lê.
Quando falo de jornal de Esquerda refiro-me, por exemplo, ao Diário de Lisboa dos bons velhos tempos; a The Guardian, a El Pais, a Le Monde, a La Reppublica: órgãos cujas linhas editoriais não ocultam nem sequer dissimulam posições progressistas relativamente ao que vai ocorrendo no mundo.
Quero dizer com isto: uma Imprensa que recusa o patético absurdo da distanciação; que não receia assumir a sua índole de defensora das causas sociais; que rejeita a falácia da independência e da imparcialidade.
Uma Imprensa que, sem temor e sem rebuço, considere aberração as desigualdades sociais. Qualquer dos jornais citados sempre tomou partido. E, amiúde, definiu as suas tendências ideológicas e políticas quando as circunstâncias históricas a isso os obrigaram.
Quem já esqueceu, ou quer esquecer, que Le Monde revelou, em editorial, a sua orientação de voto, quando Mitterrand estava na corrida? E que El Mundo não dissimula as suas simpatias pelas Direitas espanholas? Que o ABC é um diário monárquico? Deixaram de ser menos lidos? Pelo contrário: conquistaram a respeitabilidade e a confiança dos leitores.

O ABC, quando o imenso poeta Rafael Alberti completou 90 anos, consagrou-lhe um suplemento apologético.
Alberti, comunista, antifascista, combatera, de armas na mão, na Guerra Civil de Espanha.
O jornal da família Luca de Tena, conservadora, apoiante de Franco, ardorosamente anticomunista, não se coibiu de, logo na primeira página, saudar o poeta e sublinhar a importância e beleza da sua poesia. Título: Alberti, um dos grandes de Espanha.
A honra de um prestigiado jornal ilustrava a honra de um prestigiado poeta.
Não há, em Portugal, exemplo semelhante.
Com tristeza o escrevo.

O Dilecto já reparou que sabemos muito mais do que se passa nos Estados Unidos (quase exclusivamente) do que acontece em Espanha, em França, na Itália, na Alemanha.
Pouco ou nada sabemos de Inglaterra, da Irlanda, da Dinamarca, da Noruega, da Suécia.
A nossa Imprensa e as nossas rádios e televisões não fornecem informação da cultura, da vida, dos filmes, do teatro desses países.
Só há notícia quando cai neve ou o sol brilha demasiado.
Nas salas de cinema, a mesma coisa: os Estados Unidos dominam, reorganizam os nossos pensamentos, determinam os nossos costumes, a maneira de vestir, o modo de pensar.
Os jornais estão cheios de locuções inglesas.
Cronistas do óbvio, em lufa-lufa de imagética, citam por tudo e por nada revistas, jornais, autores norte-americanos, mas estatelam-se na preposição, confundem os verbos e tropeçam nas conjunções.
A uniformidade do pensamento tornou-se a caixa de ressonância de uma cultura dominante por submissão e por ignorância de quem prefere a facilidade e adora ser dominado.

A globalização só existe, por unilateral.
Quem não quer ver, que não veja.
Mas o infortúnio chegará a todos.
Até o Papa Ratzinger clama que a globalização é uma névoa que cega as nações.
Clama tarde e a más horas.
Afirma ele: Não se pode dizer que a globalização seja sinónimo de uma ordem mundial, pelo contrário (?) Os conflitos pela supremacia económica e pelo controlo dos recursos energéticos, hídricos, e das matérias-primas tornam mais difícil o trabalho de quantos, a todos os níveis, se esforçam para construir um mundo justo e solidário.

Numa importante entrevista ao semanário francês Le Nouvel Observateur [3-9 de Janeiro, p.p], o actor e realizador Sean Penn analisa os factos mais salientes sobrevindos no mundo.
É um requisitório dramático.
Recusando-se a ser um inválido sentimental, recolhido no seu salão, sentado num belo sofá e a gozar dos benefícios do estatuto de grande star, Penn insiste que o medo domina os homens contemporâneos, avassalados pelo capitalismo selvagem e pela sede dos Estados Unidos em perpetuar as suas múltiplas hegemonias.
Diz: É preciso aprender a domesticar o medo. Vivemos com ele; cada vez mais o medo nos invade: está em todo o lado. Somos uma civilização do medo.

É o medo a origem de todas as inseguranças, de todos os pavores, de todas as submissões, de todas as cobardias, de todas as resignações, de todos os sofrimentos, de todas as angústias.
O medo corrói-nos como homens.
O medo constrói o fascismo.
É o Ovo da Serpente, como no inesquecível filme do imenso Ingmar Bergman.
Pode renascer a cada momento.

APOSTILA – Simplesmente deplorável a intervenção de Correia de Campos, dito ministro da Saúde, no programa Prós e Contras, de Fátima Campos Ferreira, na RTP.
As habilidades da eloquência tombaram pela força dos argumentos contrários.
Correia de Campos começa a ser o calvário dele próprio.
Para não dizer outra coisa...


B.B.

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5 Comments:

At 12 de janeiro de 2008 às 11:42, Anonymous Anónimo said...

Fascistas?! Direitos de Liberdade ameaçados?! sabem lá vocês o que dizem... O partido comunista têm o maior historial de fascismo associado ao seu historial e depois ainda se sentem com moral para escrever coisas destas...
Nem seria necessário recorrer à história pois a actualidade é uma boa imagem disso, são os exemplos de Venezuela e de Cuba... Se os pequenos partidos de Portugal estão a perder ainda mais dimensão e força, não queiram mandar areia para os olhos de ninguém, nem muito menos arranjar a desculpa que é assim porque os supostos fascistas o fazem, é assim devido à falta de sangue novo, de ideias novas, de novos ideais e pela insistência em politicas do século passado, que em vez de desenvolvimento, só vem trazer um maior atrofío à nossa sociedade, por isso dou graças a que vocês nunca estejam no poder, mas também não desejo o vosso desaparecimento, pois para o bem da democracia é necessário um oposição, agora é necessário um oposição digana e com ideias, não com doutrinas fascistas copiadas do século passado e dos vossos camaradas da Venezuela e Cuba. Por isso este artigo que se pode ler foi escrito certamente por um ignorante fascista, que não sabe certamente o significado da palavra, nem o significado do que escreveu. Mais uma vez este blog se revela um fracaso, como é habitual, tal como o partido comunista... Beijinhos e abraços...

 
At 12 de janeiro de 2008 às 15:34, Anonymous Anónimo said...

O pobre anónimo do primeiro comentário anda com as ideias muito baralhadas.
Vai para as "novas oportunidades" aprender a ler e depois comenta.

 
At 12 de janeiro de 2008 às 15:57, Anonymous Anónimo said...

Há coisas fantásticas, não há?

Rui Verde, ex-reitor da Universidade Independente, saiu ontem em liberdade depois de se ter esgotado o prazo da prisão preventiva sem ter sido deduzida acusação.

Esqueceram-se?
Não tiveram tempo?
Não é conveniente?
Têm medo de que se venham a conhecer verdades incómodas?

 
At 13 de janeiro de 2008 às 13:25, Anonymous Anónimo said...

OS VELHOS DO RESTELO CONTRA A WEST COAST OF EUROPE

«Está em curso um pouco subtil ataque à independência da opinião, no qual desaguam várias águas, todas convergentes: as do Governo, caudalosas, intimidantes e varrendo as margens; as da actual direcção do PSD, um pouco para o negro e tóxico; e as dos que acham que não têm lugar no escasso mundo da influência, apesar do seu génio, porque outros o ocupam e pescam em todas as águas por um lugarzinho ao sol. Os alvos são eu próprio, António Barreto e Vasco Pulido Valente. Falo por mim, porque os outros não precisam de procuração e sabem muito bem o que dizer.

Por singular coincidência, são críticas ao Governo e à aproximação do PSD ao bloco central que estão em causa, são críticas ao ambiente autoritário e de subserviência que incomodam, é a denúncia do controlo do espaço público pelo establishment que não pode ser apontada. É a violação das regras não escritas da complacência e conformidade, do respeitinho, que deve ser punida. Depois, há uns inocentes úteis, à esquerda e à direita, muito mais fáceis de domar pelo poder, até porque não têm audiência nem autoridade, que pensam que agora é que é a sua oportunidade e ajudam à festa. Não é nada que não tivesse acontecido no final dos vários tempos, de Cavaco, de Guterres, de Barroso-Lopes, e que teve como episódio maior o afastamento de Marcelo da TVI e as grandes manobras do Diário de Notícias na mesma altura.

Agora que o Governo e os seus alter-egos na oposição começam a conhecer as suas reais dificuldades é que é a sério. Sempre foi assim. Há um momento em que tudo deixa de ser a feijões e nessa altura não se brinca em serviço. Ao ar vão as amabilidades, usam-se as armas públicas e acima de tudo as menos públicas, as pressões sobre os órgãos de comunicação social, os ataques de carácter ad hominem, os processos, as tácticas de isolamento dos desobedientes. No "politiquês" há uma palavra para isto, "crispação". Agora que começam todos a ficar "crispados" atribuem-se as culpas aos do costume, por não se sentirem motivados pelo excelso optimismo do Governo, pelas virtudes sarkozianas do "líder da oposição", pela maravilha de país da West Coast da Europa que nos calhou em sina.

Os culpados são uns "velhos do Restelo", sem humor, uns pessimistas frustrados, que queriam ter uma gloriosa carreira pública, mas que não ganham eleições como o engenheiro Sócrates ou o dr. Lopes e vivem roídos por isso, uns intelectuais que só escrevem livros, o que, como se sabe, não é trabalho decente, e que nunca tiveram oportunidade de fazer festas, piscinas e centros de congressos com dinheiros públicos, deixando os municípios endividados por décadas, nem de darem computadores nas escolas, extorquidos por pouco subtis pressões às empresas que precisam do Plano Tecnológico e que também têm que pagar, como os empreiteiros obrigados a dar uma loja à câmara para fazer um edifício. Esses ressentidos subversivos que só sabem dizer mal sentem o mundo a cair à sua volta e não são capazes de ver o imenso mérito dos tempos modernos, quer do engenheiro tecnológico, quer dos modernizadores que querem partidos SA com cibercafés nas sedes, quer dos pensadores-engraçadistas que imitam os Gatos Fedorentos e o Inimigo Público e pululam nos blogues e nas televisões.

O que é que os "velhos do Restelo" têm que irrita particularmente?

Primeiro, poucas ilusões, o que não é propriamente um mérito, é mais para o lado da desgraça, mas não há volta a dar. Nisso, de facto, estão velhos e já viram tanta coisa que não se lhes pode pedir que pensem como o secretário de Estado que resolveu disciplinar os reformados dando-lhes 68 cêntimos por mês em nome da racionalidade dos gastos e da sua alta visão. Foi preciso um velho, que também não deve ter muitas ilusões, o ministro da pasta, para terminar com essa patetice em 24 horas, porque ele sabe o que é um reformado e o jovem imberbe não.

Depois, uma atitude, que hoje se considera cada vez mais bizarra e antiquada, face à liberdade. Prezam a liberdade de uma forma que só pode ser prezada por quem não a teve, e isso também não há volta a dar, só acaba com o túmulo. Nunca falarão de Salazar, da censura, da polícia, com a displicência yuppie dos nossos dias. Não têm "distância", embora o arranque da historiografia e da sociologia para fora das baías do antifascismo e do jacobinismo se lhes deva em parte, quando a academia permanecia gloriosamente dominada pelo PCP e pelos esquerdistas.

Aquilo que, na sua imensa ignorância, alguns consideram ser as ideias dos anos 60, o mal que Sarkozy e os seus imitadores querem extirpar, é uma noção individual da liberdade, um gosto pela vida autónoma, uma vontade de não depender de ninguém, uma desconfiança natural da autoridade presumida e arrogante, que sempre foi mais forte do que o invólucro radical desses mesmos anos. Por estranho que pareça, esta liberdade libertária tem continuidade na profunda convicção de que a revolução dos costumes desses anos, o que deles vai ficar, só é garantida pela riqueza, riqueza de dentro, a "cultura", esse termo tão abastardado, e riqueza de fora, posse das coisas, de bens, do tempo próprio.

Essa liberdade antiquada é vista quase como um atavismo, um resquício do pecado original inexpiável de terem sido comunistas, maoístas, esquerdistas, ou suspeitos anti-salazaristas e terem abandonado esses lugares do crime 20 anos antes do dr. Pina Moura, que, pelos vistos, o fez no tempo certo. O absurdo é ver ataques a António Barreto por ter sido comunista há 40 anos, ele que foi o alvo principal do PCP, junto com Soares, na questão da Reforma Agrária.

Não adianta sequer dizer à ignorância impante que, com excepção de meia dúzia de conservadores, poucos, aliás, a "luta final" que terminou em 1989 com a queda do Muro de Berlim, como escreveu Silone, foi mais entre comunistas e ex-comunistas. Os grandes textos simbólicos contra o comunismo, O Retorno da URSS, O Zero e o Infinito, o 1984 e O Triunfo dos Porcos, vieram de homens como Gide, Koestler e Orwell. Nos momentos mais duros da guerra fria, os ex-comunistas e os liberais mais radicais com quem se aliaram foram os únicos a travar o combate intelectual contra a hegemonia intelectual comunista. Revistas como o Encounter ficaram como exemplo dessa aliança em tempos bem mais difíceis do que os de hoje. E que, nos momentos decisivos do fim do império soviético, quando o expansionismo soviético conheceu o seu espasmo agressivo entre o Afeganistão e Angola, só ex-comunistas, como Mário Soares, e ex-maoístas lutaram contra a URSS, a favor de dissidentes soviéticos como Sakharov, em Portugal, em França com os "novos filósofos", mesmo nos EUA, onde muitos neocons vinham da esquerda radical americana.

Depois os "velhos do Restelo" são também antiquados por não gostarem muito da redução da política ao marketing, à publicidade e à substituição da decisão política pela parafernália da gestão da imagem, das sondagens e dos aconselhamentos pelas agências de comunicação. Tendem a ver a substituição dos órgãos políticos de decisão, eleitos e tendo que prestar contas, por gabinetes de assessores e agências de comunicação, por spin doctors e "marqueteiros", como uma degradação e uma opacidade. Não gostam dos homens de plástico que nos vendem hoje e do mundo de plástico que vem com eles. E isso gera um conflito de interesses com o crescente papel no mundo comunicacional dos profissionais da propaganda moderna e dos políticos que se moldam a esta realidade "comprando" a sua imagem.

Há muitas outras razões, como a de não serem fáceis de encaixar nas categorias a preto e branco das classificações esquerda-direita, uma perturbação para a ordem do mundo e dos regimentos em combate, mas o defeito maior está na sua independência feita de muitos "nãos" e pouco sensível à lisonja e aos consensos beatos em que vivemos, entre a "cultura", os negócios e a política. Por isso, se não estivessem por cá, tudo seria muito melhor, mais "moderno" e mais construtivo.»

José Pacheco Pereira

 
At 22 de dezembro de 2009 às 18:07, Anonymous Anónimo said...

O OVO DO POVO
"Lula,o filho do Brasil"

 

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