quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

OS SOCIALICIDAS

Vai por aí algum alvoroço com as declarações de Manuel Alegre sobre as derivas do PS.
O PS já nasceu com derivas: basta atentar nos seus fundadores.
Provinham, quase todos, do antifascismo, mas ética e ideologicamente eram diferentes. De católicos progressistas a ex-comunistas, até republicanos de traça jacobina, o PS foi, quase, um trâmite freudiano de adolescentes contra os pais.
O que os impediu de compreender as mitologias da social-democracia, esta mesma diversamente interpretada e opostamente aplicada nos países escandinavos.
Provinham de uma leitura catequista do marxismo, caldeada na experiência da República de Weimar.

Quando, no PREC, se gritava: Partido Socialista, partido marxista! - a exclamação estava a mais.
A interrogação seria mais apropriada.
O estribilho ficou mudo, quando Willy Brandt mandou dizer que as estentóricas frases eram estranhas à teologia do socialismo democrático.
Por essa época, Manuel Alegre, numa entrevista que lhe fiz, disse, dramático, que a social-democracia era a grande gestora do capitalismo.
Goste-se ou não dele, a verdade é que nunca foi ambidextro na forma de protestar.

Na realidade, há muitíssimo poucos socialistas no PS; no Governo, parece-me que nenhum.
Observo aquelas figuras, marcadas por uma espécie de misticismo barroco, e pergunto-me: que tem feito pelo País esta gente de manejos burocráticos e de cerviz dobrada ante o Príncipe?
Nada.
Pior: tem cometido o mais condenável de todos os crimes - o socialicídio.

Não é de agora, o delito.
Com José Sócrates, socialista de ocasião, propagandeou-se a esquerda moderna como justificação de todas as malfeitorias ideológicas, sociais, morais e éticas.
Mas ele resulta de uma génese política malformada.
As tendências no PS, desenvolvem-se, exclusivamente, com palavras e frases protocolares.
E os poucos que pertencem a uma genealogia oposta são marginalizados ou tidos como anacronismos.

Há, nesta gente, falta de garra, de honra, de competência, de credibilidade, de integridade, de vergonha.
Trabalhadores precários: 1 700 000.
População empregada: 5,2 milhões de pessoas.
Desempregada: cerca de meio milhão.
Dois milhões de portugueses na faixa da pobreza.
São conhecidos os vencimentos escandalosos, as mordomias, as pensões de reforma não apenas no privado como no público.
O regabofe na sociedade portuguesa é mais do que revoltante.
O PS é uma desgraça.
O Governo socialista uma miséria. E ambos têm de saciar imensos e sôfregos apetites.

Manuel Alegre repetiu o que se sabe - e que só o não sabe quem o não quer saber.
Afinal, pouco se ambiciona do PS: apenas um bocadinho de socialismo.


B.B.

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1 Comments:

At 15 de fevereiro de 2008 às 19:20, Anonymous Anónimo said...

SOCIALISMOS

A forma como Correia de Campos, o antigo ministro da Saúde, foi imolado perante os protestos da rua e as exigências de Manuel Alegre, foi unanimemente vista como uma abertura à "esquerda" que, neste momento, ameaça o futuro do eng.º Sócrates e o seu hipotético sucesso eleitoral. É verdade que a oposição do PSD, mais do que uma ameaça, é um precioso brinde ao Governo e à maioria socialista que o apoia. E é verdade também que o primeiro-ministro, no exacto momento em que despachou o eng.º Correia de Campos, passou miraculosamente a "compreender" todos os portugueses que são afectados por algumas das suas reformas. Os "privilegiados" de ontem passaram, assim, a ser os "compreendidos" de hoje: da mesma forma que o eng.º Sócrates deixou de ser um primeiro-ministro autoritário para se transformar, de repente, num primeiro-ministro que nasceu estrategicamente em Alijó. E, como o povo bem sabe, nascer em Alijó não é um acaso da vida, mas um certificado de garantia que ilumina os predestinados.

Perante isto, a dita "esquerda" floresceu: com o futuro do eng.º Sócrates na mão e a cabeça do eng.º Correia de Campos no bolso, Manuel Alegre, depois de um merecido repouso, reapareceu em glória e em nome do socialismo. Sem sair do partido, que os tempos não estão para grandes aventuras, este misterioso apóstolo da mudança exige, no entanto, que o PS se abra ao debate e se apresente como uma verdadeira "alternativa", com a ideologia no sangue e o Estado Social na lapela. Infelizmente, não é possível conhecer os contornos que definem esta radiosa alternativa. Como o próprio confessa, num súbito acesso de modéstia, ele não é nenhum "milagreiro", capaz de articular coerentemente o "milagre" da sua receita.

Claro que, entre a utopia do socialismo e as ameaças que enfeitam o seu tormentoso caminho, é fácil perceber que toda esta ficção se divide inevitavelmente entre o cálculo eleitoral e uns vagos estados de alma que não colam com a realidade. Sem conseguir libertar-se dos jogos da pequena política, Manuel Alegre fica aquém das dificuldades da esquerda, ficando-se simultaneamente pelos lugares-comuns de um populismo primário. Como Manuel Monteiro, nos seus bons velhos tempos, o eterno dirigente do PS insurge-se contra as chagas do sistema e os interesses obscuros que bloqueiam os partidos e tolhem a liberdade. Com o seu pujante movimento de opinião, Manuel Alegre pretende, antes de mais, regenerar o país, desbloquear o regime e "abrir janelas" no sistema. Pelo meio, como entusiasticamente anuncia, tenciona ressuscitar o socialismo, acabar com as desigualdades, reforçar o Estado Social, promover o diálogo e dar uma lição a uma Europa que se recusa a aceitar a natureza inviolável dos direitos sociais. Mas se a ressurreição do socialismo é um milagre ainda por deslindar, a Europa não é mais do que uma nota de rodapé.

Aliás, as suas entrevistas, as suas declarações, os seus hipotéticos debates não chegam sequer a Badajoz: são parte intrínseca deste quintal e iluminam um pequenino mundo, sem horizontes, onde florescem impunemente as intrigas de bairro, os ajustes de contas, as vinganças miúdas e as ameaças veladas. Não admira que a direcção do PS "saúde" as declarações do seu insubmisso deputado; ou que Manuela Ferreira Leite, sem saber do que fala, se deixe "enternecer" por esta "coisa nostálgica" que não tem "a mínima adesão à realidade".

Ao contrário do que possa parecer, o socialismo de Manuel Alegre não é só um delírio ideológico de quem nunca teve nada a perder: é uma manobra partidária que visa satisfazer os interesses de um reduzido grupinho que, valendo-se do descontentamento popular, pretende condicionar a acção do Governo e acabar com as suas incipientes reformas. Como se depreende, a esquerda, a tal esquerda que se arrasta, por aí, depois da morte do socialismo e dos ataques do terrorismo pouco ou nada tem a ver com este tipo de jogos internos em que se entretêm as várias facções de um partido. Basta ouvir ou ler as declarações e as entrevistas que Manuel Alegre distribuiu, nos últimos dias: por mais que se procure, não há uma palavra sobre a intervenção no Iraque, o conflito no Médio Oriente, as eleições nos Estados Unidos ou sobre o futuro da Europa, depois do Tratado de Lisboa. Manuel Alegre não sai da sua pequena paróquia: deste PS, no qual não se revê; e do seu Movimento, onde assegura um palco que lhe oferece notoriedade.

Quanto ao resto, o dr. Soares que faça as despesas da casa, enquanto a esquerda europeia, laica e republicana, unida no ódio aos Estados Unidos, se verga perante as exigências do Islão. Dando lustro a esta espécie de sentimento, o arcebispo de Cantuária declarou entusiasticamente que a lei inglesa devia "incorporar" a sharia, a bem do fundamentalismo e para uma maior coesão do país. Enquanto isso, em Espanha, o sr. Zapatero decidiu atirar-se violentamente à Igreja Católica porque esta teve o atrevimento de se pronunciar sobre algumas medidas do seu fantástico Governo. O ódio ao Ocidente, e, em particular, aos Estados Unidos, consegue justificar o injustificável: o laicismo exacerbado, o regime de Saddam, a teocracia do Islão e até as bombas do terrorismo. Resta saber como irá a esquerda europeia sobreviver, quando já não tiver G.W. Bush na Casa Branca. Uma pequena questão que passa, naturalmente, ao lado dos interesses mais domésticos que animam a "esquerda" de Manuel Alegre.

Constança Cunha e Sá

 

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