domingo, 17 de fevereiro de 2008

RAZÕES PARA UMA DEPRESSÃO

1. Acredito que António Costa está na política para servir e não para se servir. Acredito que, se está na Câmara de Lisboa, é porque quer o melhor para a cidade. E acredito que, se esteve no Governo, é porque queria o melhor para o país. Não é mais um desses que ninguém recordará porque vieram, o que fizeram e para que serviram. Oiço, pois, o que ele diz com atenção. E ouvi-o dizer que as revelações do Público sobre as aventuras de engenharia de José Sócrates na Beira nada mais foram do que uma vingança do dono do Público, Belmiro de Azevedo, motivada pela derrota da OPA da Sonae sobre a PT. Custa a acreditar que um político inteligente e sério possa dizer uma enormidade destas.

Primeiro que tudo, é fantástico que alguém que está na política e na vida pública possa pensar que não é notícia ou que não é relevante saber se um primeiro-ministro aceitou, no passado, assinar projectos de engenharia e de arquitectura que não fez e não viu, ou se, como o próprio sustenta, foi ele, sim, o autor daquelas aberrações arquitectónicas que o Público publicou. Qualquer das hipóteses é estarrecedora, e pretender que um jornal silenciasse notícias destas diz tudo sobre o que António Costa faria se pudesse ser ele a decidir que notícias devem os portugueses ler. Depois, é elucidativo daquilo que António Costa pensa sobre os jornalistas e o papel da imprensa privada ao imaginar que o dono de um jornal de referência possa, por razões de negócios, vingar-se do Governo que o terá maltratado através do trabalho de jornalistas e editores do jornal de que é proprietário. Infelizmente, devo dizer que esta constatação não me surpreende: o PS, por razões difíceis de compreender num partido democrático, nunca conseguiu interiorizar bem o que é a liberdade de imprensa e o que são jornalistas livres e não subornáveis. É um mistério, mas é assim. Mas o pior ainda das infelizes declarações de António Costa é quando ele vem defender a tese da vingança de Belmiro de Azevedo pela frustrada OPA sobre a PT. É verdade que o Estado mantém uma golden share na PT, mas é um accionista minoritário e, como o Governo não se cansou de jurar durante a OPA, não iria interferir numa questão que envolvia duas empresas privadas em mercado aberto. Ora, o que António Costa vem agora dizer desmente tudo isso e reduz as juras do Governo (de que ele era então o nº 2) a um exercício de conveniente hipocrisia. Se ele admite que Belmiro de Azevedo teria razões para se querer vingar do Governo por causa da OPA é porque confessa que o Governo teve papel decisivo no desfecho do caso. E aí entramos no domínio daquilo que aqui descrevi na semana passada: esta pantanosa confusão entre negócios públicos e privados, este jogo permanente de tráfico de influências entre o político e o económico, que sabota as regras do jogo económico e perverte a política.

2. Por falar nisso: as revelações das conversas entre o ex-ministro do Turismo, Telmo Correia, o administrador dos casinos de Stanley Ho, Mário Assis Ferreira, e o sempre presente intermediário Abel Pinheiro, negociando entre si a forma de o sr. Ho não apenas beneficiar de uma lei de excepção para poder abrir um casino em Lisboa mas ainda tornar-se dono do edifício do Estado onde ele funciona, são por demais eloquentes do ponto a que chegámos. Verdadeiramente notável e desavergonhada foi a fórmula jurídica congeminada para que o ministro pudesse decidir a favor da pretensão do casino, fingindo que não decidia: bastava-lhe escrever e assinar tomei conhecimento numa informação onde se propunha essa dádiva.
Tomei conhecimento... Nós também.

3. É preciso também tomar conhecimento se nos casinos se pode fumar ou não.
Os casinos querem que sim, a Direcção-Geral de Saúde quer que não, e a lei, como sempre, não é clara. Resultado: pedem-se pareceres aos mestres (aliás, hoje em dia, estou convencido que as leis nunca são claras propositadamente, para permitir justificar os milhões de euros de dinheiros públicos gastos todos os anos a pedir pareceres aos mestres...).
Os casinos pediram pareceres a dois mestres administrativistas - Fausto Quadros e Freitas do Amaral -, os quais, obviamente, concluíram no sentido pretendido pelo cliente: que se podia fumar nos casinos.
Do lado oposto, foi pedido um parecer ao pai da Constituição, Jorge Miranda.
Julgo que o cliente terá sido a própria Direcção-Geral de Saúde - o que é notável, visto ser um dos autores da lei a gastar dinheiro para interpretar a lei que fez.
Não li os pareceres em favor dos casinos, mas li excertos do parecer de Jorge Miranda, que defende a proibição: salvo o devido respeito, que é muito, os seus argumentos jurídicos são irrelevantes e facilmente reversíveis, e os políticos são indigentes.
Julgo que os mestres deveriam poupar a sua sabedoria e o seu prestígio e o Estado deveria poupar o nosso dinheiro a consultá-los tão assiduamente. Talvez fazendo menos e melhores leis...

4. Manuel Alegre deu uma entrevista ao Diário de Notícias, antecedendo o seu encontro com representantes do meu milhão de votos e reproduzindo as críticas que vem fazendo ao seu PS. Discordei de tudo o que disse, de fio a pavio.
O problema deste Governo PS, ao contrário do que ele diz, não é com os pobres, mas sim com os ricos.
O problema não são os reformados, os velhos, as crianças sem escola, os sem rendimentos alguns, em relação aos quais este Governo tem feito mais do que qualquer outro: o problema são as offshores para os milionários que querem fugir ao Fisco, os negócios de favor com o Estado, os camaradas do partido e afiliados colocados estrategicamente nos pontos principais de decisão e influência económica.
O problema não são as reformas tentadas na Saúde, na Educação, na Segurança Social, que são exactamente aquilo que de melhor o Governo Sócrates tem feito, enfrentando todos os lóbis instalados no imobilismo, no despesismo e na inoperância: o problema são as reformas por fazer, na Justiça, na Administração Local, no Ordenamento do Território.
O problema não são os abandonados pelo Estado, mas sim aqueles, ricos e pobres, que só sabem viver por conta do Estado, gastando em benefício próprio os recursos que a parte saudável do país produz.
Diz Manuel Alegre que é preciso descobrir o que é hoje o socialismo.
Está descoberto há cinquenta anos: chama-se social-democracia e existe nos países do norte da Europa, que são os mais prósperos e os mais justos de todo o mundo.
O resto é desconversa.

5. Duas ou três vezes por ano vou a Castro Verde: janto e durmo e depois vou à caça ali próximo. Acho encanto à vila, até às suas rotundas com ovelhas ou porcos, e gosto de passear nas suas ruas calmas e ordenadas. Agora, sempre que lá voltar, vou lembrar-me também que esta é a terra que, por decisão do seu presidente da Câmara, resolveu homenagear e perpetuar para sempre o nome de um dos assassinos do rei D. Carlos e do príncipe Luís Filipe, a pretexto de ser natural da terra. D. Carlos era um chefe de Estado e um rei constitucional. Era um homem culto, pintor, oceanógrafo, amante da vida e da natureza, diplomata hábil e desaproveitado, a quem os seus contemporâneos e os historiadores não fizeram justiça. O homenageado por Castro Verde era um homem cujo único feito notável em vida foi ajudar a matar a tiro e pelas costas o rei e o príncipe herdeiro. Julga o autarca que, homenageando um simples assassino, se homenageia a I República e se desperta o interesse das novas gerações para o ideal republicano, seja isso o que for. Está enganado: apenas desprestigiou Castro Verde.


Miguel Sousa Tavares

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3 Comments:

At 17 de fevereiro de 2008 às 13:54, Anonymous Anónimo said...

Manuel Alegre não aceitou a derrota da sua candidatura à liderança do PS, nunca aceitará que ele, que se considerou a si próprio os depositários doas valores do partido, tenha sido preterido de um forma quase humilhante em favor de um ex-jovem social-democrata.

Nunca perdoará ao PS não o ter ajudado a cumprir o sonho de terminar a sua carreira política num cargo digno desse nome, ele que nunca passou de secretário de estado ou de algumas passagens episódicas pela presidência do parlamento.

Primeiro criou o seu movimento pela cidadania qu para além de umas almoçaradas pouco mais movimentou, lançou a sua página que tem menos visitas do que um modesto blogue, promoveu uma candidatura autarquia da capital que se revelou vazia de conteúdo e que de pouco mais serviu do que par promover a imagem de Helena Roseta que se tem revelado uma vereadora de qualidade sofrível.

Agora tirou do bolso a sua arma secreta, vai querer unir a esquerda, desde os boys preteridos do PS até os admiradores da Coreia do Norte. Manuel Alegre que raramente se preocupou com esquerda quando esta estava na oposição, ou quando o PS era atirado para a sarjeta pelo Processo Casa Pia, preocupa-se gora com os valores da esquerda e quer usar o prejuízo que pode infligir ao PS com uma eventual candidatura nas legislativas como instrumento de chantagem sobre o próprio PS.

É evidente que Alegre consegue ser o novo herói do PCP ou do Bloco de Esquerda, bem como de muitos que seriam admiradores incondicionais de Sócrates se tivesse sido convidados para altos cargos, da mesma forma que Alegre se animou quando uma das suas admiradoras foi escolhida para ministra.

Alegre representa pouco, não se sabe muito bem o que pensa acerca do que quer que seja, não representa quase ninguém, mas pode fazer o que Menezes e Santana não conseguiriam se a sua ajuda, retirar a maioria absoluta a Sócrates.

Alegre sabe que não representa quase ninguém mas em fim de carreira política tem dificuldades em aceitar as regras da democracia, acha que os poucos que o apoiam chegam para que tenha o seu próprio baronato na democracia ou, pior do que isso, ser o major Reinado cá do sítio, o facto de supostamente ter estado na luta dá-lhe o direito a uma parcela do poder mesmo que essa não tenha sido nem a vontade dos militantes do PS nem dos eleitores portugueses. A falta de humildade de Alegre está a empurrá-lo para um fim triste da sua carreira política pouco brilhante.

 
At 17 de fevereiro de 2008 às 13:56, Anonymous Anónimo said...

O PS é a nova "união nacional"? Parece. O seu secretário-geral ficou muito incomodado por causa de uma manifestação à porta da sede do Rato. Segundo a criatura, os manifestantes "queriam condicionar o PS" e pertenciam a "outros partidos". O secretário-geral odeia o conflito porque não percebe nada de democracia a não ser a que lhe ensinaram nas conspirações rascas das secções do partido. Acontece que o secretário-geral pastoreia uma piolheira chungosa e submissa que, apesar de tudo, não é a Coreia do Norte. Azar o dele.

 
At 19 de fevereiro de 2008 às 00:08, Anonymous Anónimo said...

Só ontem, no comboio, de regresso a Lisboa é que me deram novas sobre Timor, apercebendo-me como, vivendo no tempo que passa, me posso abstrair de certas circunstâncias e não ouvir, não ver nem ler. Por isso, compreendo algumas afirmações que os jornais de hoje reproduzem. Com João César das Neves, fiquei a saber que o PS tem uma de três escolhas: poder ser " socialista, reformador ou sequer maçon", mas que Sócrates fugiu do esquema e "é só corporativo". Pobres socialistas, nem com Guterres lhe deram alternativa para também poder ser "católico"...


Com o artigo de Mário Soares no DN, debruçado sobre a intervenções de um general e de um bastonário, tudo se me iluminou: a culpa é do sistema neoliberal, que está esgotado, ... Só passarão, quando e se os Estados Unidos, após as próximas eleições presidenciais, mudarem radicalmente de política... O ano 2008 não vai ser fácil. Nem para a Europa nem, consequentemente, para Portugal. Não são de esperar grandes melhorias. Não dependem de nós. Mas o que está na nossa mão é evitar que as desigualdades sociais se agravem e que o Estado se mostre implacável relativamente aos mais desfavorecidos e dê a impressão de ser complacente perante os "grandes interesses" e o "centrão dos interesses", que alimentam as negociatas e, às vezes, as roubalheiras...


Já o general Leandro volta à carga: Há um grupo, uma elite dominante que controla a componente político-partidária e económica que vive noutro País e com rendimentos, benefícios e mordomias que não têm nada a ver com a grande maioria da população... Há novos partidos que estão a tentar organizar-se. Eu já fui contactado por dois. Além de vir a existir o eventual novo partido do doutor Manuel Alegre.


Por isso, recordo comentadores de palavra fácil que se soltaram nas opiniões televisivas das nossas febres de sábado à noite e logo reparo como permanecem os fantasmas de direita e os complexos de esquerda nalguns pretensos intelectuais da burguesia capitaleira. Uma deles até transformou capitães de Abril em alferes do 28 de Maio, indo além da sua chinela de brilhante escritora que, afinal, ao querer levar a sua carta a Garcia, confundiu o Leandro com o Santos, esquecendo-se que este não é apenas o da Junta Autónoma das Estradas, mas também o do quartel da Pontinha.
Outro, de quem não tive tempo para ligar a cara ao nome, comentando as eleições norte-americanas, decidiu insultar Eanes, para elogiar Soares, dizendo que este último era viajado e que o primeiro era um grunho provinciano por ainda falar à maneira de Alcains, talvez sem saber que ele passou grande parte da sua vida activa entre Macau e África, acabando doutorado, sem ser "honoris causa", por Navarra.


Apenas concluo como, trinta e picos anos depois , os eternos clérigos, a partir dos seus novos púlpitos, brincam à demagogia, sem o mínimo de "docta ignorantia", decretando que "todo o mundo" é "o ninguém" das suas próprias opiniões que, afinal, não têm a humildade desse esforço assente na comunhão dos que pensam de forma racional e justa e preferem o conhecimento modesto sobre coisas supremas, em vez do conhecimento supremo sobre banalidades das noites da má língua.
E assim dominam os pretensos antidogmáticos carregados de neodogmatismo e os pretensos tolerantes prenhes de antitolerância e até de racismo social, só porque confundem a luta de classes na teoria com a velha luta de invejas. E quase todos reconhecem que as velhas nações da velha Europa estão dependentes da campanha eleitoral que grassa na república imperial, acreditando no D. Sebastião Obama ou no sucedâneo da Hilária. Por mim, diz-me a história, que, no dia seguinte, pode acontecer novo desembarque frustrado na Baía dos Porcos ou a "tarefa-força" de uma "Blitzkrieg" no neovietname, como diz um guru kissingeriano e talleyrandista que por aí nos lobiza...

 

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