sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

AS VERDADES DO GENERAL

O general Garcia Leandro fez-se porta-voz da indignação na sociedade portuguesa, e não só escreveu, no Expresso, um artigo sobre esse sobressalto social, como repetiu o conteúdo na SIC-Notícias, adicionando o pressuposto de que bastariam dois anos de mão militar para se restabelecer a moral pátria.
Após esse período de tempo, então, a tropa restituiria aos civis o comando da nau. Dias mais tarde, em entrevista ao Correio da Manhã, o preocupado combatente foi mais longe e discreteou sobre a natureza do regime e as ambiguidades dos partidos da alternância.

Independentemente de se considerar inapropriada a afirmação acerca da intervenção militar, ela não deixa de constituir uma grave advertência. E faz-se eco do cansaço de parte substancial da população, desmoralizada com a corrupção a todos os níveis, os altíssimos vencimentos de gestores, as reformas sumptuosas de meia dúzia de privilegiados, as deficiências da Justiça, o descalabro na Educação, o desemprego galopante, a mentira com carta de alforria.

O general Leandro vai apaziguando os ânimos.
Apesar de ser frequentemente incitado a encabeçar um movimento de indignação (eufemismo de golpe de Estado armado), acrescenta que já não é tempo de revoltas de generais e de cardeais.
A frase é curiosamente instrutiva, a merecer uma daquelas análises históricas do excelso Rui Ramos, tão propenso às estratégias de apreciação quanto aos sainetes de estilo.
Quem são essas figuras da elite portuguesa aprovadoras do putschismo?
Na entrevista ao Correio da Manhã o general nada diz, porque também se lhe não pergunta.
Ninguém, aliás, no poder, na hierarquia, nos partidos o interrogou sobre.

Acredita, piamente, ser uma questão de tempo para acontecer uma implosão partidária. E afiança: Enquanto nós temos, de modo bem definido e delimitado, as áreas do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista, julgo que o PS é muito grande, e que dentro dele há mais do que um partido. Há um partido claramente socialista e republicano, em que estão os doutores Manuel Alegre e João Soares. Depois, há uma área maior, que é o partido social-democrata.
Infere-se, desta reflexão, que os sociais-democratas do PS não são republicanos, e que os republicanos, no PS, constituem minoria.
Quanto ao PSD, sua estrutura ideológica e prática política, o general é omisso.

Há, na amena bondade deste homem, que muitos consideram ingénuo, algumas confusões de índole ideológica, como aquela que o impele a qualificar António José Seguro como detentor de grande sentido de Estado, pormenor inobservável à vista desarmada.
Seguro é um produto típico dessas estranhas agremiações designadas por jotas, de onde têm saído numerosos carreiristas da ociosidade.
Aprendeu a astúcia de se comprometer muito pouco com pouquíssimas coisas.
Há anos, declarou, bocejante, ao Expresso, estar cansado da política – mas totalmente disponível para ser deputado no Parlamento Europeu.
Para onde, aliás, foi, com os vencimentos, as mordomias e as prerrogativas correspondentes.
Como a quase totalidade dos socialistas do PS, estaria muito melhor no PSD.
Aliás, penso que ambos os partidos se deveriam unir, tantas são as semelhanças nos interesses, tantos são os laços ideológicos e tão iguais as apetências de poder.

As avaliações do general, por vastas, teriam de conter algumas evidências, por poucas.
Assim, quando fala nas iniquidades gritantes na sociedade portuguesa, e aponta quase todas aquelas que nos ferem, repete as críticas gerais e as cada vez mais acentuadas desconfianças dos cidadãos para com os políticos.
O País está numa espécie de transe, que conduzirá, inevitavelmente, para grandes convulsões sociais, de resultados imprevisíveis.
Na terça-feira última, em entrevista a Ana Lourenço, SIC-Notícias, Manuel Carvalho da Silva foi muito claro, ao não relativizar a vulnerabilidade dos contextos políticos nacionais.
Não há perigo de implosão dos partidos, como prevê o general Garcia Leandro; mas sim a pulverização do projecto de Estado Social, com consequências nefastas para a colectividade.

A ascensão neoliberal, com o seu avatar pós-moderno da década de 80, procurou referir novos conceitos e novas categorias paradigmáticos.
O breviário possuía o odor a mofo das águas-furtadas. E o resultado está à vista: as desigualdades atingem níveis insuportáveis, as tensões internacionais entram no território do paroxismo, os valores são tidos como arcaicos e as armadilhas têm capturado os próprios armadilhadores.
A crise geral do capitalismo reflecte a crise geral da Esquerda. E a questão já não é, somente, política, mas, sobretudo ideológica.

APOSTILA 1 – Corre, na Internet, uma informação sobre os vencimentos, as mordomias, as pensões de reforma dos administradores do Banco de Portugal.
O regabofe parece estar instalado, sem remissão e com agravo.
O bloco central de interesses funciona com a regra e com a personalização, deixando-nos presos e reduzidos ao maquinal papel de assistentes perplexos. Evidentemente, estas deformidades no tecido moral e social português põem em causa os fundamentos da democracia, resumida, cada vez mais, a uma única dimensão.


B.B.

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4 Comments:

At 15 de fevereiro de 2008 às 17:40, Anonymous Anónimo said...

será que o general não terá razão no que diz! eu gostava que não.
mas o que nos estamos a assistir quase que da vontade de concordar, começando pelo governo e acabando nas câmaras, o que se vê corrupção só corrupção, pontessorenses onde há fumo há fogo

 
At 15 de fevereiro de 2008 às 21:38, Anonymous Anónimo said...

Desobediência civil!

A arma dos cidadãos.

 
At 16 de fevereiro de 2008 às 13:37, Anonymous Anónimo said...

O que é preciso é gente
gente com dente
gente que tenha dente
que mostre o dente

Gente que seja decente
nem docente
nem docemente
nem delicodocemente

Gente com mente
com sã mente
que sinta que não mente
que sinta o dente são e a mente

Gente que enterre o dente
que fira de unhas e dente
e mostre o dente potente
ao prepotente

O que é preciso é gente
que atire fora com essa gente

Ana Hatherly

 
At 19 de fevereiro de 2008 às 00:04, Anonymous Anónimo said...

Há inúmeras semelhanças entre o aqui e agora e as vésperas do 28 de Maio.

Não por causa da tropa e dos golpes de Estado à procura de autor, mas porque o sitema partidário continua enredado entre bonzos, endireitas e canhotos, mas com o permanecente imobilismo sistémico, de partidos de Estado num Estado de Partidos, com uma classe média entalada, entre a bigorna das forças vivas e o martelo da explosão social. As forças vivas, marcadas pelo poder banco-burocrático, continuam à procura de feitores de ricos.

Os aparelhos de Estado, enredados pela ditadura da incompetência, vivem dos restos da tensão entre o partido dos fidalgos da partidocracia e o partido dos tecnocratas, com o partido dos becas à espreita e o partido da tropa já sem balas. Poucos reparam que nunca poderia haver 28 de Maio, 5 de Outubro ou 25 de Abril.

A maioria dos factores de poder já não são nacionais e falta o messianismo da pátria em perigo. Descansem, pois, partidocratas, burocratas e patrões.

A presente decadência tem todas as condições para manter o situacionismo por mais largos anos, sem qualquer explosão social. Entre fantasmas de direita e preconceitos de esquerda, lá iremos sem cantar nem rir, porque a maioria dos meus concidadãos, apesar de ter a bala do voto, sabe que apenas a pode meter naquelas espingardas onde o tiro sai pela culatra.

Porque, entre Sócrates e os oposicionistas feitos à respectiva imagem e semelhança, venha o Diabo e escolha.Porque não vale a pena continuarmos a escolher o "do mal, o menos". vale mais dizermos, com toda a frontaldade, que não nos revemos nestas alternâncias que ameaçam transformar a democracia numa democratura.

 

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