QUE PODEREMOS FAZER POR NÓS PRÓPRIOS
A situação no País, e do País, é cada vez mais complicada, e os paliativos que o Governo vai aplicando surgem, aos olhos e ao entendimento dos cidadãos, como remendos mal alinhavados. Devemos dinheiro e não sabemos como cumprir a palavra. Ninguém confia em ninguém e a angústia apossou-se, endemicamente, da população.
Somos os mais pobres, os mais desguarnecidos, os mais injustiçados dos povos europeus. Entraram, em Portugal, oceanos de dinheiro comunitário, sobretudo na década cavaquista, e o País progrediu porque não havia remédio: até a inércia dispõe de forças desconhecidas. Cavaco não foi responsabilizado de coisíssima nenhuma, e até chegou a Presidente da República.
Esta democracia é o que é: um facto lamentável. Os grupos parlamentares, supostamente representantes de todos nós, cada cor seu paladar, obedecem às estratégias das direcções dos partidos, e a consciência da ética republicana, que devia gerir os actos e imperar sobre as conveniências, está quase totalmente aniquilada. Na terça-feira última, José Vítor Malheiros escreveu, no Público, um notável artigo, Disciplina de voto, arma de destruição maciça da democracia, no qual põe em causa a natureza peculiar dessa obediência. É um texto que deveria ser leitura obrigatória dos deputados. Diz: Todos sabemos que os partidos são indispensáveis à democracia e ninguém – dentro do quadro da democracia – põe isso em causa. Mas os partidos são indispensáveis à democracia porque permitem a corporização das livres opiniões, das diversas correntes de opinião. Os partidos são organizações políticas que reúnem pessoas que professam a mesma doutrina e que visam conquistar e exercer o poder, mas numa democracia a sua existência justifica-se por permitirem reforçar a acção pública dessas pessoas que partilham uma doutrina, não por constituírem um meio de reprimir a acção individual de cada uma dessas pessoas ou de reduzir a variedade de opiniões em confronto na cidade.
José Vítor Malheiros reduz a subnitrato as instâncias que transformam as contingências do momento numa indispensável necessidade política. Escreve: Os deputados que elegemos estão dentro de partidos, que nos oferecem um quadro político e ideológico de referência. Mas gostaríamos de pensar que são todos mulheres e homens livres e de consciência. Não são. E a degenerescência moral do Parlamento acompanha decadência da sua eficácia. Para que serve um Parlamento assim?
Esta mesma pergunta, com ligeiras variantes, formulou-a, no começo dos anos 20 do século passado, no Diário de Lisboa, um grande jornalista, Aprígio Mafra. Desempenhava as funções de chefe de redacção do importante vespertino, era monárquico, e marcava na agenda o seu nome para relatar as sessões no hemiciclo. São textos demolidores. Aprígio Mafra, independentemente de ser monárquico, fornecia aos leitores reportagens exemplares, por muito bem escritas e rigorosas. Não manipulava, não escamoteava, não omitia. Os deputados é que eram os protagonistas da salgalhada. Há quem atribua a Aprígio o descrédito do Parlamento. Nada mais errado. Foram os deputados os fautores da desconfiança. Aprígo Mafra somente estilhaçou o temor reverencial em torno da instituição. Ontem como hoje. Criticar a Assembleia e quem lá está parece um tema proibido sobretudo para certos sectores da Esquerda. Será, sempre e sempre, uma tarefa pedagógica, ética e cívica o exercício da crítica a todos os sectores da vida portuguesa. O texto de José Vítor Malheiros constitui uma grave advertência acerca dos perigos que ameaçam a democracia portuguesa, já de si tão frágil.
Como resistirá uma democracia a este vendaval de desemprego que nos devasta? Os alicerces nos quais assenta o equilíbrio social estão a ser seriamente sacudidos. Segundo o Diário de Notícias de anteontem [22. Outubro, p.p.] pelo menos 23 mil famílias portuguesas deixaram de pagar os empréstimos contraídos, para compra de casa, por absoluta indisponibilidade. A maioria dessas famílias recolheu-se à residência paterna ou abandonou a cidade pela aldeia, onde a vida é menos dispendiosa. Para memória dos factos, circula, na net, uma lista impressionante dos vencimentos de gestores, mordomias e prémios. Os números são obscenos, para citar a indignada qualificação do dr. Bagão Félix, quando foi tornada pública a reforma de um desses.
A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) informa, em relatório, que, em Portugal, o fosso entre ricos e pobres não pára de aumentar. Vem o ministro Vieira e afirma, calmo e grave, que as coisas não são bem assim. Não, claro que não: são piores. A falta de clareza não é pecha deste Governo. Porém, como se diz socialista (embora cada vez o diga menos), ele deveria assumir a responsabilidade ética de falar verdade. As decisões governamentais atêm-se a uma relativização dos valores, e as interpretações do Executivo são feitas à margem das evidências. Se não entendemos o que nos diz Sócrates, também não conseguimos descodificar o discurso de Manuela Ferreira Leite – quando ela resolve falar.
Creio, apesar de tudo, que algo se modificará nas estruturas do sistema, abalado por uma crise quase sem precedentes. Esse abalo irá reflectir-se em Portugal, como em todo o mundo. Saberemos colocar correctamente os problemas; aceitar a verdade, porque só a verdade é revolucionária (como dizia o outro); e recusar repetir aquilo que já não existe?
Que poderemos fazer por nós próprios?
B.B.
Somos os mais pobres, os mais desguarnecidos, os mais injustiçados dos povos europeus. Entraram, em Portugal, oceanos de dinheiro comunitário, sobretudo na década cavaquista, e o País progrediu porque não havia remédio: até a inércia dispõe de forças desconhecidas. Cavaco não foi responsabilizado de coisíssima nenhuma, e até chegou a Presidente da República.
Esta democracia é o que é: um facto lamentável. Os grupos parlamentares, supostamente representantes de todos nós, cada cor seu paladar, obedecem às estratégias das direcções dos partidos, e a consciência da ética republicana, que devia gerir os actos e imperar sobre as conveniências, está quase totalmente aniquilada. Na terça-feira última, José Vítor Malheiros escreveu, no Público, um notável artigo, Disciplina de voto, arma de destruição maciça da democracia, no qual põe em causa a natureza peculiar dessa obediência. É um texto que deveria ser leitura obrigatória dos deputados. Diz: Todos sabemos que os partidos são indispensáveis à democracia e ninguém – dentro do quadro da democracia – põe isso em causa. Mas os partidos são indispensáveis à democracia porque permitem a corporização das livres opiniões, das diversas correntes de opinião. Os partidos são organizações políticas que reúnem pessoas que professam a mesma doutrina e que visam conquistar e exercer o poder, mas numa democracia a sua existência justifica-se por permitirem reforçar a acção pública dessas pessoas que partilham uma doutrina, não por constituírem um meio de reprimir a acção individual de cada uma dessas pessoas ou de reduzir a variedade de opiniões em confronto na cidade.
José Vítor Malheiros reduz a subnitrato as instâncias que transformam as contingências do momento numa indispensável necessidade política. Escreve: Os deputados que elegemos estão dentro de partidos, que nos oferecem um quadro político e ideológico de referência. Mas gostaríamos de pensar que são todos mulheres e homens livres e de consciência. Não são. E a degenerescência moral do Parlamento acompanha decadência da sua eficácia. Para que serve um Parlamento assim?
Esta mesma pergunta, com ligeiras variantes, formulou-a, no começo dos anos 20 do século passado, no Diário de Lisboa, um grande jornalista, Aprígio Mafra. Desempenhava as funções de chefe de redacção do importante vespertino, era monárquico, e marcava na agenda o seu nome para relatar as sessões no hemiciclo. São textos demolidores. Aprígio Mafra, independentemente de ser monárquico, fornecia aos leitores reportagens exemplares, por muito bem escritas e rigorosas. Não manipulava, não escamoteava, não omitia. Os deputados é que eram os protagonistas da salgalhada. Há quem atribua a Aprígio o descrédito do Parlamento. Nada mais errado. Foram os deputados os fautores da desconfiança. Aprígo Mafra somente estilhaçou o temor reverencial em torno da instituição. Ontem como hoje. Criticar a Assembleia e quem lá está parece um tema proibido sobretudo para certos sectores da Esquerda. Será, sempre e sempre, uma tarefa pedagógica, ética e cívica o exercício da crítica a todos os sectores da vida portuguesa. O texto de José Vítor Malheiros constitui uma grave advertência acerca dos perigos que ameaçam a democracia portuguesa, já de si tão frágil.
Como resistirá uma democracia a este vendaval de desemprego que nos devasta? Os alicerces nos quais assenta o equilíbrio social estão a ser seriamente sacudidos. Segundo o Diário de Notícias de anteontem [22. Outubro, p.p.] pelo menos 23 mil famílias portuguesas deixaram de pagar os empréstimos contraídos, para compra de casa, por absoluta indisponibilidade. A maioria dessas famílias recolheu-se à residência paterna ou abandonou a cidade pela aldeia, onde a vida é menos dispendiosa. Para memória dos factos, circula, na net, uma lista impressionante dos vencimentos de gestores, mordomias e prémios. Os números são obscenos, para citar a indignada qualificação do dr. Bagão Félix, quando foi tornada pública a reforma de um desses.
A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) informa, em relatório, que, em Portugal, o fosso entre ricos e pobres não pára de aumentar. Vem o ministro Vieira e afirma, calmo e grave, que as coisas não são bem assim. Não, claro que não: são piores. A falta de clareza não é pecha deste Governo. Porém, como se diz socialista (embora cada vez o diga menos), ele deveria assumir a responsabilidade ética de falar verdade. As decisões governamentais atêm-se a uma relativização dos valores, e as interpretações do Executivo são feitas à margem das evidências. Se não entendemos o que nos diz Sócrates, também não conseguimos descodificar o discurso de Manuela Ferreira Leite – quando ela resolve falar.
Creio, apesar de tudo, que algo se modificará nas estruturas do sistema, abalado por uma crise quase sem precedentes. Esse abalo irá reflectir-se em Portugal, como em todo o mundo. Saberemos colocar correctamente os problemas; aceitar a verdade, porque só a verdade é revolucionária (como dizia o outro); e recusar repetir aquilo que já não existe?
Que poderemos fazer por nós próprios?
B.B.
Etiquetas: Crise, Deputados, Economia, Partidos, Portugal, Portugal o Grande Circo, Portugueses Cada Vez Mais Tesos
6 Comments:
O DN que gosta mais de Sócrates do que macaco por quinto canal foi entrevistar o Primeiro a S. Bento. Levou duas câmarazecas de filmar a famelga, comandadas por dois operadores que puseram o entrevistado contra uma parede de pedra (a lareira?), meteram a cabeça do Primeiro a meio do enquadramento e cortada, filmaram-no de lado com o olhar a fugir para as traseiras, e editaram os dois planos com saltos que fazia aquilo parecer um filme do tempo do mudo.
A estreia do DN no conceito multimédia começa com tiques de amadorismo (a Câmara tremia no tripé desconjuntado, havia fantasmas a entrar no enquadramento) e parece um mau presságio para quem quer ter um canal alternativo aos existentes. Mesmo como sopa de feijão a experiência deu um sinal péssimo.
Num plano de corte à la TVI via-se João Marcelino no seu papel de indefectível socialista. O tom de Sócrates em mangas de camisa com uma voz colocada à Hugo Chavez, transmitia a ideia propagandística que as obras públicas têm de avançar a todo o TGV mesmo com a crise internacional dos créditos. Acho que foi nesta altura que a câmara ia caindo do tripé, ou por falta de aperto do parafuso ou porque quem estava atrás dela viu ali uma possibilidade de ir trabalhar para as obras.
Das declarações de Sócrates já todos estamos fartos e esclarecidos do resto percebemos que o amadorismo é o que vai dominando a prática do jornalismo. Voltámos ao tempo da pedra lascada.
Não me dêem mais desgostos
Porque sei raciocinar...
Só os burros estão dispostos
A sofrer sem protestar
A quem segue teus conselhos
Vive pedindo favores
Toda a vida de joelhos
Aos pés dos seus opressores
Tu que vives na grandeza
Se calçasses e vestisses
Daquilo que produzisses
Andavas nu com certeza
Se cá voltasse Jesus
O mártir filho do homem
Escorraçava os que comem
À sombra da sua cruz.
António Aleixo
A longa entrevista de Sócrates ao DN - na verdade, três em uma, com texto, rádio e imagem - "marca" o início das hostilidades para 2009. Complacente com Cavaco e duro com os outros, Sócrates aparece como quase "incontornável". A pose - uma cadeira estrategicamente colocada numa sala de São Bento com "mantelpiece" atrás, camisa e gravata e os jornalistas de costas para a solitária e grave figura- recorda a Sala Oval ainda desprovida do "herói" Obama. De qualquer forma, exibe poder. Foi o que Sócrates, num momento de incerteza planetária, quis revelar. Poder. De resto, nada de extraordinário foi anunciado que nós não soubéssemos já. A também nada de excepcional se comprometeu. À medida que as coisas se complicarem, Sócrates vai recorrer mais a esta "pose" ("eu já cá estou e já conheço os cantos à casa") do que propriamente às "ideias" que nunca teve. O "disco" das "corporações" que o seu alegado "reformismo" anda a combater, está demasiado riscado. De Gaulle "estava só com a França" ("seul avec la France"). Sócrates faz questão em estar só contra Portugal, preferencialmente em maioria absoluta. Ou então com "empreendedores" como o presidente da Mota-Engil, o sr. Mota, que em artigo no mesmo DN, chama à entrevista "motivadora". Sócrates é quem define o bem colectivo a partir daquela cadeira simbólica de São Bento como os "empreendedores" como o sr. Mota gostam. Eu não gosto nem me intimido, mas aquilo é poder.
Pobres otários... Ainda nem tinham acabado de pagar o défice interno e já os albardam para alombarem com a crise global!...
"Que poderemos fazer por nós próprios"
Algumas verdades são aqui ditas o Parlamento não serve para nada, a democracia como a conhecemos está em decadência, quem na verdade ganha todas as eleições, sem excepção, é a abstenção. Era preciso haver muitos Aprígios Mafras para que talvez os jornais fossem mais úteis à sociedade que está cada vez mais adormecida. O que podereamos fazer por nós próprios é VOTAR, É participar na vida políticia, é acordar e defender o que também é nosso, não são os políticos que mandam em nós, é preciso ter a noção das coisa no lugar certo, somos nós que os lá pomos e teremos que ser nós que os de lá tiramos. Não há mandato nem mandata, quanto tempo levará para percebermos que temos o poder que não usamos porque andamos a dormir? Quantos políticos são gente decente? Quanto mais tempo será necessário para terminar com os mesmos políticos no poder? Até apodrecer-mos de marasmo?
Aprigio Mafra foi um dos correspondentes portugueses na guerra civil espanhola. Distinguiu-se por estar sempre do lado dos fascistas e redigir reportagens altamente tendenciosas a favor de Franco.
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