O HEDIONDO SORRISO
Portugal está cheio de fome: de justiça, de cultura, de instrução, de governo, de esperança - e fome de comer.
Os números são assustadores.
Gente com a autoridade moral de Isabel Jonet e Bruto da Costa advertem-nos para a iminente catástrofe, não apenas consubstanciada em agitação e confronto, mas, também, na irremediável perda dos laços sociais.
O imperativo de consciência determina que nunca actuemos de forma a ausentarmo-nos das regras legítimas da socialização.
Este Governo tripudia sobre essas regras.
Há dias, no Parlamento, assistimos a um episódio repulsivo: ao sorriso escarninho de Sócrates, quando Santana Lopes se referiu ao problema da fome em Portugal. Independentemente do que possamos pensar das duas personagens, concentremo-nos no facto em si. Sócrates perdeu, em definitivo, o perfil de homem de Estado. Não respondeu, esgueirou-se numa retórica fatigada e fatigante - e sorriu, como se o problema lhe não dissesse respeito, e o Governo não fosse o fundamental instrumento da mediação.
Aliás, o primeiro-ministro está a ausentar-se, cada vez mais, dos conflitos e das explicações que nos deve sobre a sua origem e causas. Coloco à margem deste texto as mentiras, as omissões, o incumprimento de promessas, a celeridade com que se desdiz. Mas relevo a extraordinária decisão de não se envolver na questão dos combustíveis, sob a grotesca legenda de que o mercado está a funcionar.
Não subscrevo a grosseria de Santana Lopes quando o apelidou de socialista de meia-tigela; mas aceito qualquer outra declaração sobre o facto de que o homem não é socialista nem tem nada a ver com socialismo. Falta-lhe grandeza, educação social e política, sensibilidade, falta de prospectiva, capacidade de criar uma relativa igualdade entre as pessoas, admissão das razões do outro - transparência sem ambiguidade e clareza sem ambivalência.
Pouco ou nada sabemos do que se passa em Portugal e muita coisa se passa fora do alcance do nosso conhecimento. O DN de anteontem assinalava que o sinistro Jean-Pierre Bemba, antigo alto dirigente da República Democrática do Congo, e acusado de crimes contra a humanidade, vivera, durante um ano, numa residência na Quinta do Lago, custodiado por um dispositivo de segurança da PSP. Ao que parece, a protecção fora apadrinhada por Durão Barroso. O ministro dos Estrangeiros falou - e nada disse. É na própria variação dos incidentes que se estabelece e se desenrola uma relação. A mobilidade entre a distância e a proximidade dos factos fornece-nos o retrato político, social e moral dos protagonistas.
A diferença entre a expressão legítima de um socialista e a conduta de quem se diz tal, torna claros os arbítrios sob os quais temos vivido. E muito nítidos os hediondos sorrisos de Sócrates.
B.B.
Há dias, no Parlamento, assistimos a um episódio repulsivo: ao sorriso escarninho de Sócrates, quando Santana Lopes se referiu ao problema da fome em Portugal. Independentemente do que possamos pensar das duas personagens, concentremo-nos no facto em si. Sócrates perdeu, em definitivo, o perfil de homem de Estado. Não respondeu, esgueirou-se numa retórica fatigada e fatigante - e sorriu, como se o problema lhe não dissesse respeito, e o Governo não fosse o fundamental instrumento da mediação.
Aliás, o primeiro-ministro está a ausentar-se, cada vez mais, dos conflitos e das explicações que nos deve sobre a sua origem e causas. Coloco à margem deste texto as mentiras, as omissões, o incumprimento de promessas, a celeridade com que se desdiz. Mas relevo a extraordinária decisão de não se envolver na questão dos combustíveis, sob a grotesca legenda de que o mercado está a funcionar.
Não subscrevo a grosseria de Santana Lopes quando o apelidou de socialista de meia-tigela; mas aceito qualquer outra declaração sobre o facto de que o homem não é socialista nem tem nada a ver com socialismo. Falta-lhe grandeza, educação social e política, sensibilidade, falta de prospectiva, capacidade de criar uma relativa igualdade entre as pessoas, admissão das razões do outro - transparência sem ambiguidade e clareza sem ambivalência.
Pouco ou nada sabemos do que se passa em Portugal e muita coisa se passa fora do alcance do nosso conhecimento. O DN de anteontem assinalava que o sinistro Jean-Pierre Bemba, antigo alto dirigente da República Democrática do Congo, e acusado de crimes contra a humanidade, vivera, durante um ano, numa residência na Quinta do Lago, custodiado por um dispositivo de segurança da PSP. Ao que parece, a protecção fora apadrinhada por Durão Barroso. O ministro dos Estrangeiros falou - e nada disse. É na própria variação dos incidentes que se estabelece e se desenrola uma relação. A mobilidade entre a distância e a proximidade dos factos fornece-nos o retrato político, social e moral dos protagonistas.
A diferença entre a expressão legítima de um socialista e a conduta de quem se diz tal, torna claros os arbítrios sob os quais temos vivido. E muito nítidos os hediondos sorrisos de Sócrates.
B.B.
Etiquetas: Fome, José Sócrates, Partido Socialista, Portugal
2 Comments:
Os nossos pobres dão muito jeito à economia, pelo menos os que ainda estão em idade de trabalhar, com um modelo económico assente em baixos salários os pobres fazem falta à competitividade da economia. Empresários, ministros do Trabalho e governadores do Banco de Portugal empenham-se permanentemente para que os salários não subam muito.
Só que a pobreza também tem os seus custos, os seus inconvenientes, fica muito cara à economia. Bem feitas as contas os pobres dão mesmo muita despesa, ficam mais caros ao SNS de que são dependentes, deitam à rua os recursos investidos na educação ao abandonarem as escolas, sobrevivem com subsídios, etc., etc..
Não percebo, portanto, as razões do empenho de tanta gente para que os pobres não deixem de o ser ou, pelo menos, que o deixem de ser muito devagarinho. É evidente que os nossos defensores de um modelo económico miserabilista, uma velha tradição das nossas elites política e económica, não são muito dados às contas, pelo menos às contas colectivas já que quanto às suas todos sabemos que as sabem fazer.
Para que meia dúzia de sectores empresariais possam viver tranquilamente à custa de baixos salários, sem, terem, que apostar em gestão, design, investigação, tecnologia, criatividade e outras coisas que dão trabalho e custam dinheiro, temos que manter uma boa parte dos portugueses em regime de pobreza controlada. Vivemos num circulo vicioso, porque somos pobres a procura interna é insuficiente, em consequência disso a economia depende das exportações e quando as coisas estão melhor importamos mais porque não há oferta interna para o consumo dos mais ricos. Voltamos a ter dificuldades e aparece logo o Vítor Constâncio a apelar ao governo para que explique aos pobres que sejam mais comedidos, que tenham mais calma porque isso de se deixar de ser pobre depressa demais tem os seus perigos.
A pobreza não só é cara como ainda por cima limita o mercado interno a níveis que nos obrigam a continuar a ser pobres. Vivemos num círculo vicioso de pobreza, onde a existência de pobreza é uma condição necessária para que deixe de haver pobreza.
Agora que se volta a falar em pobreza talvez seja o momento de dizer que o problema da pobreza não é apenas um resultado do nosso modelo económico, é o seu motor. Talvez seja tempo de se perceber que se o objectivo é acabar com a pobreza endémica no nosso país há que considerar o seu combate um objectivo prioritário das políticas governamentais e não assunto para quando a “crise aperta”.
Talvez seja tempo também para ensinar os nossos ricos a fazerem contas e explicar que ao contrário do que dizem alguns liberais não são os pobres que o são por serem preguiçosos, no nosso país uma boa parte da pobreza também se explica pela preguiça dos nossos empresários. Há por aí muita malandragem.
Quer os políticos do governo gostem ou não a pobreza existe e os políticos da oposição que não comecem a festejar pois o problema subsistirá por muito tempo. Não vale a pena os governantes mascararem a realidade com abonos de família, nem os opositores converterem-se repentinamente a Madres Teresas de Calcutá porque a pobreza não se combate nem com publicidade nem com paliativos, não basta haver dinheiro para comprar meia-dúzia de papo-secos ou prometer que se dá dinheiro suficiente para uma dúzia que se resolve o problema, poderão conquistar-se alguns votos a pobreza persistirá.
A população agrícola foi brutalmente reduzida, as formas de economia de subsistência foram literalmente varridas da economia em nome do progresso, da calibragem das frutas e das normas comunitárias. Agora até nem é possível oferecer dois frangos a uma instituição de assistência social não vá a ASAE aparecer com os seus ninjas e apreender a criação e multar a instituição, tudo isso com directos a partir dos carros de exteriores das televisões.
Não basta construir grandes obras, os agricultores rapidamente convertidos em serventes de pedreiro irão parar a uma barraca nos subúrbios de uma qualquer cidade e logo que ocorra a primeira crise serão convertidos em novos pobres. O mesmo modelo de desenvolvimento que transformou Cavaco Silva no herói das obras públicas, e que tanta ajuda tem dado aos governos na hora das eleições gera tanto progresso como pobreza, cria tantos novo-ricos como novo-pobres.
Queiram ou não a pobreza vai continuar a existir, até poderá ser escondida atrás de biombos feitos de subsídios e bairros sociais, mas o problema persistirá. Haverão sempre as vítimas de uma modernização feita a pensar em estatísticas, haverão sempre os que não acompanham as exigências de uma sociedade competitiva, feita a pensar apenas nos mais fortes, haverão sempre os que serão derrotados pelas exigências higiénicas adaptadas pelo inspector-geral da ASAE ou por um qualquer upgrade tecnológico. As economias de sucesso terão sempre as vítimas do insucesso.
A pobreza não se resolve com medidas pontuais nem com a Manuela Ferreira Leite armada em Madre Teresa de Calcultá, combate-se com políticas consistentes, com a permanente preocupação de evitar os efeitos perversos de cada nova medida política. Quer os políticos gostem ou não a pobreza existe e veio para os irritar.
É preciso que os governantes europeus e, em particular os portugueses, percebam que a pobreza tem de ser combatida com políticas sérias e não com medidas para iludir relatórios e eleitores. Não vale a pena irritarem-se ou ficarem eufóricos com os artigos do Mário Soares, há pobreza que chegue para irritar os que agora são governo e os que irão suceder-lhes, há pobreza que baste para todos.
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