quarta-feira, 18 de junho de 2008

"YES"DE MOLLY BLOOM?

Nunca fui um entusiasta quer da Constituição Europeia quer do Tratado de Lisboa e ainda menos me iludi com a engenharia institucional contra naturam a que apontavam os mecanismos respectivos, como aqui tive ocasião de escrever com alguma frequência.

De uma maneira ou de outra, os países mais fortes apontavam a um directório a que se submeteriam os países mais fracos e tudo redundaria numa espécie de federalismo europeu de trazer por casa, substantivamente comandado por eles e formalmente por Bruxelas, com a singularidade de se dispensar um orçamento federal compatível e o picante de haver cada vez menos um espírito europeu partilhado e cada vez mais uma série de conflitos de interesses nacionais muitas vezes insolúveis...

De resto, quem ler a laboriosa concocção do texto de 2007, após a presidência alemã ter dado as suas instruções à presidência portuguesa, fica com a certeza de que nenhum chefe de Estado ou de Governo participante na CIG conhece bem o teor e as implicações daquilo que aprovou.

Na mecânica e nos detalhes (e quase sempre são estes o que mais conta), o Tratado de Lisboa só pode ser o produto da cerebração sibilina de altos funcionários nos bastidores das instituições europeias, muito em especial, do Conselho. A este vício genético, acrescem outros:

Foi politicamente muito imprudente o processo seguido na Convenção que levou à elaboração de um projecto de Constituição Europeia. Foi igualmente imprudente a sua proclamação urbi et orbi em Roma em 2004, como se via pouco depois com os desaires em França e na Holanda. Continuou a ser imprudente a repescagem e ressurreição que conduziram à minuta absolutamente incompreensível e à estruturação apressada, impulsionada pela presidência alemã, daquilo que veio a ser o Tratado de Lisboa.

A Constituição Europeia era um cadáver adiado. A Europa dos mais fortes não o percebeu ou não o quis perceber.

Agora, o projecto estatela-se mais uma vez, por acção de um pequeno país, por sinal aquela mesma Irlanda que era dada como paradigma dos benefícios da integração e do crescimento espectacular em poucos anos graças à Europa... Também este facto torna a rejeição do Tratado de Lisboa particularmente grave no contexto europeu e mesmo mundial.

O resultado mostra bem que a União Europeia continua a não ser possível com a arquitectura que se lhe pretendia impor, de cima para baixo. Coonestaram-se todos os expedientes para se fazer aprovar a Europa na secretaria. O falhanço é clamoroso, mas ainda se vai assistir a mais ginásticas conceptuais.

Por outro lado, o referendo. Sim, o referendo, entre nós evacuado expeditivamente pelos mesmos que se tinham comprometido a promovê- -lo... Sócrates perdeu uma boa ocasião de brilhar pela coerência, no que foi rapidamente seguido por um PSD a arrepiar caminho e a desdizer-se sem pestanejar.

O resultado traz um benefício manifesto aos partidos à esquerda do PS, referendistas por anti-europeísmo, quando, nos partidos moderados, quem pedia o referendo o fazia em nome da construção europeia e por causa dela, para que não se invocasse uma qualquer carência de legitimação a mais ou menos médio prazo. A responsabilidade de Sócrates está também em ter fingido que não percebia isto, entregando de bandeja à esquerda esse capital de reivindicação democrática, o que é tanto mais grave quanto é certo que, em Portugal, o sim teria ganho.

Já por aí se insinua nalguns sectores bem pensantes que a dimensão mínima de um país como a Irlanda não pode travar o motor que interessa a mais 26 Estados. É um exercício que pode ser feito quanto a mais de uma dúzia deles, incluindo o nosso... Este perigosíssimo argumento traduz um enorme desprezo pelos países mais pequenos e pelo princípio da igualdade entre os Estados.

Para já, entre ameaças, perspectivas de negociação e expectativas pouco consistentes, parece que se pretende que Molly Bloom reconsidere e também remate esta história com o seu yes. O pior é que é exactamente com pressas, álibis, expedientes, sofismas e simplificações grosseiras deste tipo que se esvazia o sentido dos valores europeus, se aliena o interesse dos cidadãos e se fica impedido de construir decentemente o futuro da União.


Vasco Graça Moura

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