sexta-feira, 17 de outubro de 2008

É O QUE TEMOS...

A apresentação do Orçamento de Estado para 2009 teve a aparência de uma rábula política.
Apesar da pen-drive, o fascínio pelas grandes tecnologias não consegue esconder a iliteracia nem a incompetência política, apenas torna tudo mais evidente.
Aliás, o titular das Finanças mais parecia o ministro do Tédio parado no meio de um país sucessivamente adiado.

Implacável, o Orçamento de Estado é um documento para um país realmente adiado.
Sócrates prepara a estagnação para 2009 com um Orçamento politicamente habilidoso – disfarça as eleições com a crise internacional.
Depois da beatificação do deficit a todo o custo, segue-se a apologia das famílias, da função pública, dos empresários e da melhoria das condições gerais do país.
O primeiro-ministro não apresentou o Orçamento, mas brindou Portugal com uma brilhante confissão de inconsistência política.
Em abono da verdade, a visão e os princípios políticos do primeiro-ministro coincidem com as indicações específicas de Bruxelas.
Afinal, qual será o verdadeiro e real Sócrates – o homem da austeridade ou o símbolo da bonança?
Provavelmente, ambos em semanas alternadas.

Por outro lado, o Orçamento é apresentado como um exercício de realismo, prudência e rigor. Eis finalmente uma frase pacífica – realismo face ao ano eleitoral, prudência porque as eleições ganham-se nas urnas e rigor na asfixia política da oposição. Coerente na convicção das conveniências, Sócrates oferece ao país um Orçamento economicamente arriscado, mas eleitoralmente seguro.
O Orçamento é a dose nacional de Prozac para 2009.
No futuro, as consequências continuarão a ser pagas pelos portugueses.
Entretanto, o país vagueia numa espécie de atraso que alguns julgam ser a face primeira do progresso.

E que dizer da oposição?
Uma conclusão salta à primeira vista – o PSD não se ouve no país. O PSD vive no pior dos mundos quando tem uma líder, mas não tem liderança.
Sem disciplina, inseguro na tradição política que representa, o PSD perdeu o hábito de vencer. Quanto a Ferreira Leite, a líder deve entender que não chefia uma Igreja.
Tal significa que não tem todo o tempo do mundo e uma autoridade natural que lhe permitam definir o tempo das declarações.
Em política existe a necessidade de falar e ser visto, respondendo à regra básica da discussão entre os opostos.
Existe em Portugal todo um eleitorado de centro-direita que exige uma alternativa política.
Um eleitorado que não vai esperar eternamente pelo PSD.

Carlos Marques

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sábado, 5 de julho de 2008

PORTUGAL...O ESTADO A QUE ISTO CHEGOU... [II]

A próxima semana vai ser politicamente dominada pelo debate sobre o estado da Nação, que encerra o ano parlamentar.
As boas ideias tendem a durar pouco, a tornar-se rotina: um debate que deveria marcar o tempo e servir de balanço, está condenado a tornar-se um debate como os outros, porque Governos e oposições não abdicam das suas posições e não dão passos que possam favorecer os adversários.

Ainda por cima, em vésperas de ano eleitoral!

É por isso que o leitor mais atento é bem capaz de antever ao pormenor o que cada um dos partidos e o próprio Governo têm para dizer.
Desta vez, chamado a uma entrevista na televisão num pico da crise internacional, até o primeiro- ministro já se adiantou no anúncio de algumas medidas.
Que a coisa se torne monótona já é mau.

O pior é que é completamente ineficaz.

Desculpem a comparação, mas muitas vezes, o discurso político em Portugal está a ficar igualzinho ao do futebol.
Só tem é menos tempo de antena nas televisões.
Compare-se o discurso e veja-se se não há semelhanças com quem tem de se justificar politicamente sempre culpando os outros pelos erros, ou encontrando pontos positivos na sua actuação quando está à vista o resultado de insucesso.

Não chegamos ainda ao ponto de ter um dirigente político a pedir-nos que demos as mãos para a corrente positiva passar com mais força. I
sso, só mesmo Scolari sabia fazer.

Mas temos políticos - no Governo e na Oposição - que são incapazes de aplaudir uma ideia adversária, que chegam ao ponto de apoiar uma medida se ela for proposta do seu lado, mas incapazes de a votar se, a mesmíssima proposta, vier do adversário.

Ainda esta semana, Manuela Ferreira Leite proferiu uma frase que, para mal dela a vai perseguir por algum tempo: O país não tem dinheiro para nada, o que, traduzido para futebolês quer dizer: Sócrates não joga nada.
Não joga nada porque é do outro.
O que Ferreira Leite disse já outros políticos disseram, incluindo o próprio Sócrates que, como sabemos, em matéria de arrogância, não fica a dever nada a ninguém.

No país ideal do mundo ideal, durante o debate do estado da Nação, políticos da oposição aconselhariam caminhos alternativos aos ministros, depois de estes terem admitido que algumas das suas políticas tinham falhado.
Entre este mundo idílico e a selva do futebol vai uma distância enorme.
Tão grande que a política real poderia ter ficado a meio caminho, aonde quer que se situasse o ideal olímpico da política. Infelizmente, não ficou.
Mas alegremo-nos, o mal não é só nosso, lá fora passa-se o mesmo; como diz o primeiro-ministro, a crise é internacional.


J.L.P.

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quarta-feira, 2 de julho de 2008

CONVERSAS EM FAMÍLIA...



Depois das homilias de Marcelo e Vitorino, ontem e hoje, tivemos duas sintomáticas conversas em família de Hilary Ferreira Leite e de Obama Pinto de Sousa, neste arranque das primárias do nosso Bloco Central, a que, outrora, demos o nome de União Sagrada.
Ambas glosaram a presente alteração anormal das circunstâncias, com muito petróleo, muitas taxas de juro e pouca crise alimentar. Sócrates, com o estadão do Terreiro do Paço como cenário de fundo, foi todo ele muito marquês, num exercício de politiqueirice, criticando verbalmente a politiqueirice, sic rebus, sic stantibus.

Sem qualquer acaso psicanalítico, substituiu Portugal pelo país, assumiu que tem encontros imediatos com o bem comum, situando-o na respectiva consciência e repetiu o soundbyte do ritmo reformista de modernização do país, mas ajudando quem precisa de ajuda, usando esse novo bacalhau a pataco que é não gastarmos nadas em obras, porque elas serão feitas por privados, os quais ficam com esse insignificante das concessões.

Por enquanto, ainda não anunciou a privatização das praias do domínio público marítimo, para transformarmos as areias em abonos e família e em incentivos à gravidez.



Apenas se confirma que, depois das vacas gordas de um estado de graça feito de porreiro, pá!, lá nos vamos enredando nas vacas magras, onde o é o inspirador do novo discurso maneleiro do país de tanga.
O que Sócrates não conseguiu disfarçar foi o tom de monólogo, feito de muitas vacas sagradas, dado que a conversa parecia um ditado, levado a cabo através de uma operação de conversão de muitos tracks de um mini-disk, cuja versão de fotonovela já conhecíamos nos palanques inaugurativos, feitos para propaganda de telejornal.

De qualquer maneira, para além da ausência da palavra e da ideia de Portugal, também desapareceram coisas como os cidadãos e os indivíduos, dado que se restauraram apenas as células do velho corporativismo das famílias e das empresas e das empresas e das famílias, entidades que, afinal, voltam a participar estruturalmente na vida da nação.
Por outras palavras, em tempo de vacas magras, apenas a abstracção das vacas sagradas, para que o contribuinte e o eleitor não reparem que são eles que pagam estes pilares da concessão da ponte do tédio, ainda sem buzinão...


JAM

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