Não tenho por hábito responder a cartas anónimas. Bastava, aliás, as pessoas assinarem os textos que escrevem para que, imediatamente, emergisse à superfície o verdadeiro sentido do texto que, em regra, nada tem a ver com o sentido que lhe quiseram dar com o anonimato. As cartas anónimas, onde estas mensagens se incluem obviamente, revelam, em regra, problemas e questões pessoais mal resolvidos. É, por isso, que a identidade do emissor é fundamental para se perceber a própria mensagem emitida. Aliás, refugiar-se no anonimato para agredir e ofender os outros revela muito da personalidade do agressor. E este é um caso paradigmático, uma vez que o autor do texto sobre as eleições na secundária, se bem que se faça passar por «um encarregado de educação sem dinheiro para explicações», é, em boa verdade, um professor da escola que, por falta de coragem para dar a cara (como é seu costume), tem por hábito refugiar-se no anonimato para, dessa forma cobarde, apedrejar a seu bel-prazer os seus colegas de profissão.
No entanto, vou abrir uma excepção para responder às perguntas da putativa mãe de uma aluna. Putativa porque, em boa verdade, não acredito minimamente que seja mãe de quem quer que seja (parece-me mais o putativo pai travestido de mãe). Mas se for, era fundamental para a própria educação da sua filha que a mãe desse o exemplo, assumindo as suas opiniões e as suas críticas. Esta é, na verdade, a única maneira de ensinarmos aos nossos filhos a importância da frontalidade e da verticalidade nas nossas relações com os outros.
*-Que fazem os membros deste órgão (conselho executivo)?
- Como o próprio nome indica, este órgão tem funções executivas. Ou seja, é o responsável pela gestão da Escola. Existem, na Escola mais dois órgãos, a Assembleia de Escola e o Conselho Pedagógico, sendo, o primeiro, um órgão meramente consultivo e, o segundo, responsável por parte pedagógica, ou seja, com tudo aquilo que tem a ver com o ensino e a aprendizagem.
*-Quem representa e quem é representado pela assembleia de escola?
- A Assembleia de Escola é um órgão meramente consultivo. A sua importância é, por isso, muito relativa. Aqui têm assento professores, alunos, pais, interesses económicos, culturais e sociais, etc. Ou seja, no fundo (e aí reside espírito para que foi criada), a Assembleia pretende reproduzir a própria comunidade onde a escola está inserida, o que, verdade seja dita, é uma pretensão demasiado pretensiosa, passe o pleonasmo.
*-Com que méritos?
- Para se pertencer à Assembleia de Escola não são necessários especiais predicados, tal como sucede em todas as assembleias eleitas deste país, sejam as Assembleias Municipais, as de Freguesia, as Câmaras Municipais, as direcções dos clubes ou dos bombeiros, etc. Os professores que pretendam pertencer à Assembleia de Escola ou ao Conselho Executivo fazem uma lista e candidatam-se. Ganha a lista que tiver mais votos, obviamente. É assim nas democracias.
*-Estarão à procura de promoção social?
Só uma pessoa que não conheça minimamente o funcionamento da Assembleia de Escola poderia, na verdade, fazer uma pergunta como esta. Com efeito, a Assembleia de Escola é mesmo dos órgãos que eu conheço onde os seus elementos têm menos visibilidade, até pelo facto de ser um órgão meramente consultivo. Quem quiser procurar promoção social deve procurar fazê-lo de outra forma, porque esta, na verdade, não é a mais adequada para esse efeito.
*-Terão dedicação exclusiva à escola? Serão profissionais de explicações? Estarão a resolver alguma situação particular ou pessoal?
- Isso de dedicação exclusiva é muito relativa, porque, em boa verdade, ninguém tem dedicação exclusiva ao que quer que seja. Mesmo aqueles que, alegadamente, só têm uma profissão, quantas vezes não a sacrificam, dando prioridade a questões da sua vida familiar, pessoal ou outras.
Aquilo que se deve exigir a um profissional é que cumpra as suas obrigações. A partir daí, cada um é senhor da sua vida e deve poder fazer dela o que quiser. E falo, até por mim, que acumulando o ensino com outra profissão, o ano passado dei apenas 1 falta em todo o ano lectivo. Além disso, aceitei fazer parte da Assembleia de Escola, único cargo na escola que não concede qualquer redução no horário de um professor.
Esta é, aliás, uma das razões pelas quais muitos professores não querem fazer parte da Assembleia de Escola. Com efeito, da mesma forma que os trabalhadores, em regra, não aceitam fazer horas extraordinárias, sem que as mesmas lhes sejam pagas, é, pois, normal que haja professores que pensem da mesma forma.
Quanto ao facto de a maioria dos professores darem explicações ou terem outra actividade (profissão liberal, comércio, agricultura ou indústria), isso apenas acontece porque aquilo que lhes pagam na Escola não é suficiente para manterem um nível vida de razoável. É perfeitamente legítimo que um professor não queira viver uma vida inteira num quarto e a comer meias doses. Um professor também tem direito a querer que os seus filhos vão estudar para a universidade, querer passar um mês de férias na praia, a querer comprar um automóvel ou uma casa... Ora, não é apenas com o vencimento da escola que o consegue.
Este não é apenas um problema português. O mesmo se passa em toda a Europa. Daí a razão por que quase todos os professores (excepto aqueles que, por herança ou casamento, encaram o ensino mais com um hobby do que como uma profissão), quer em Portugal, quer no estrangeiro, quer no ensino básico e secundário, quer na Universidade, têm necessidade de encontrar outras fontes de rendimento.
*Por que razão a qualidade do professor não é, hoje, determinante no sucesso dos alunos nos exames nacionais?
- Há 30 anos, para além de o acesso ao ensino secundário ser extremamente selectivo (contam-se, pelos dedos das mãos os alunos de Ponte de Sor que frequentaram o ensino complementar, antes de 1974), um aluno de Letras do Ensino Complementar (hoje, Secundário) tinha apenas 19 horas de aulas por semana.
Nestes 30 anos, passámos de um ensino selectivo para a massificação do ensino e passámos de um horário de 19 horas de aulas por semana para horários de 40 horas. Esta mudança radical não foi, no entanto, acompanhada de uma mudança de comportamento e de atitudes por parte dos intervenientes no processo educativo, designadamente pais e professores.
Com efeito, apesar de as condições terem sido radicalmente alteradas, pais, professores e comentadores (basta ver aquilo que escrevem e o que exigem) continuam a ter por referência o tempo em que foram alunos, esquecendo-se que estamos a viver num tempo e em condições completamente diferentes.
Horários de 19 horas de aulas semanais pressupõem, necessariamente, uma grande intensidade de trabalho, com muitos trabalhos de casa, muitas leituras obrigatórias e muito estudo. Por sua vez, horários de 40 horas de aulas semanais pressupõem necessariamente que todo o trabalho se esgote dentro da sala de aula. Ou uma coisa ou outra. Agora defender horários de 40 horas de aulas semanais e querer que os alunos continuem a fazer trabalhos de casa como antigamente é criar um sistema perverso onde os mais desfavorecidos não têm a mínima hipótese de competir, uma vez que não se lhes dá tempo para fazerem por si aquilo que os outros só conseguem fazer à custa dos pais ou dos explicadores.
Além disso, há os dogmas próprios do nosso tempo que nos impedem de resolver a questão atacando o cerne do problema. Enquanto nós não aceitarmos que as pessoas são diferentes, têm capacidades diferentes e tempos diferentes de aprendizagem, nunca resolveremos o problema.
Misturar na mesma turma indivíduos com capacidades e objectivos muito diferentes é prejudicar toda a gente e não beneficiar ninguém. Os melhores sentem-se completamente desmotivados e acabam por trabalhar com rendimento reduzido, o que prejudica a prazo as suas próprias capacidades, impedindo-as de se desenvolverem. Por outro, os que têm mais dificuldades de aprendizagem acabam também por se desmotivar e se desinteressar porque não conseguem acompanhar o ritmo. Ora, para que alguém aprenda e evolua é necessário que a aprendizagem esteja adequada ao seu nível. Para uma pessoa melhorar o salto em altura, nem se pode pôr a fasquia tão baixa, ao ponto de não exigir qualquer esforço para a ultrapassar, nem tão alta, ao ponto de se ter a certeza, antes do salto, que é impossível consegui-lo.
No nosso ensino público (daí a razão do sucesso dos colégios particulares), não é possível fazer turmas de nível, ou seja, turmas em que todos estejam nas mesmas circunstâncias, o que geraria uma concorrência saudável e permitiria ao professor encontrar as estratégias adequadas.
Agora, quando as turmas são uma mescla de alunos com capacidades e objectivos tão diferentes, torna-se praticamente impossível conseguir o esperado sucesso.
Além disso, não me parece justo que se queira comparar as notas dos exames nacionais com as notas de escola, quando o Ministério da Educação exige aos professores que, na sua avaliação, avaliem competências e atitudes que, depois, não são avaliadas no exames finais, designadamente, a expressão oral, a participação, a assiduidade, os valores da cidadania, da solidariedade, etc..
É óbvio que os problemas do ensino não se esgotam nisto que acabo de dizer. Teríamos ainda de falar da educação e do acompanhamento dos filhos pelos pais (que também sofreu um mudança de 180º), na questão disciplinar, na formação dos professores, etc. etc. etc.
Espero, no entanto, que esta breve e sintética explicação sempre ajude a compreender que as coisas, no Ensino, não são tão fáceis como, à primeira vista, parecem.
Estou, no entanto, na disposição de debater com quem quiser e onde quiser estes ou outros assuntos. Mas cara a cara. Como pessoas.
Porque, na verdade, ninguém pode sentir grande consideração por aqueles que se escondem atrás do anonimato para atirar pedras aos outros.
Santana-Maia Leonardo