A MIÚDA QUE AÍ ESTÁ
Olhem-me para esta miúda que parece sozinha mas não está. Vejam este cartaz, simultaneamente de protesto, de aviso e de angústia. Diz-nos, a miúda, que foi abandonada, que a terra onde nasceu a não ama; e não há maior desgosto, pena mais dolorosa, do que ser largada e desprezada, nas coisas do coração.
"O meu país não me quer!" Há desdém mais penoso, desamparo mais sem remédio, solidão mais trágica e mais cavada do que estas mágoas apresentadas como se fossem sem remissão? Há?
A fotografia representa a dor humana na forma medonha de uma dilaceração. O rosto da miúda é um calvário impressionante, porém doce e singelo, como todos os sentimentos aparentemente irremediáveis. Para aonde vou agora, que a minha pátria não me quer? Que vou fazer dos meus sonhos, que são a substância definida da minha vida?
A miúda está serena, todavia resoluta como a decisão de um destino. Foi expulsa por quem não sabe que nenhum sofrimento desta natureza é medíocre, disperso, absurdo ou confuso. A miúda é uma acusação não resignada, um dedo esticado, pontual, exacto, infalível e tranquilo contra quem possui um coração oco.
Não existe maneira de dizer a esta miúda que há muita gente com ela; que se comoveu com esta imagem desamparada, com esta frase tão contundente como arrepiante. Não há. Como não existe modo de lhe explicar o que leva um grupo de pessoas a ser malvadas e inclementes.
O que eu gosto nesta miúda é a assunção da sua presença, e a melancolia de saber que pouco ou nada posso fazer por ela, a não ser dizer-lhe que a amo como amo os meus filhos e os meus netos, nessa enigmática e sagrada união de afecto que forma o elo da condição humana. Vi essa partilha de sujeito logo-assim reparei na grande fotografia do "Público". A miúda desabrigada, desprotegida e à espera sou eu, somos todos nós, neste luto sem tréguas, neste infortúnio selvagem.
B.B.
Etiquetas: Portugal 2014