O NÚMERO DE AUTARCAS QUE EXIGEM LUVAS É ASSUSTADOR
Um abraço a todos
Rosa Ramos
Saldanha Sanches
"A ausência de denúncia
de cobardia e de medo"
A legislação e a administração fiscal deverão ser alteradas?
Já toda a gente sabe que a legislação deve manter-se tal como está, exceptuando ajustamentos mínimos. Deve é assentar-se esforços na transformação da máquina fiscal...
Refere-se à parte administrativa?
Estou a falar da parte administrativa. Porque aí é que reside quase tudo. A conclusão a tirar é que mais importante do que o sistema que será adoptado são as pessoas que o vão aplicar. Isto é, pode agora dizer-se, como aquela velha frase de Deng Xiaoping "Não importa que o gato seja branco ou preto, o que importa é que apanhe ratos". Tem é de haver um sistema que funcione. Aliás, a discussão sobre o tipo de rendimentos e ou os modos da técnica de tributar não é uma discussão para juristas. É uma discussão para funcionários qualificados, eles é que têm de dizer o que fazemos.
Essencial para colocar a máquina a funcionar é precisamente a parte informática, permitindo um cruzamento de dados...
Por que razão toda a banca tem a máquina informática a funcionar? E porque é que no Estado a máquina fiscal tem gasto milhões e milhões e nada funciona?
Qual é a sua resposta para isso?
Não sei, isso merecia um tipo de case study, para vermos como está a administração pública. O que impede que ela funcione? O que é que faz com que se despeje dinheiro nos problemas e fique tudo na mesma?
Um case que deveria ser feito pela gente da gestão.
Concorda que nos últimos anos a economia paralela cresceu, que a fuga e a fraude fiscal aumentaram?
Não sei se cresceu... Vemos por exemplo a construção civil, vemos em muitos sectores. Não tenho dados para dizer se aumentou ou não. Se calhar o Estado tem de gastar mais dinheiro com este tipo de estudos.
Há uma necessidade de reformulação de quadros na administração fiscal?
A velha ideia da comissão Silva Lopes foi desperdiçada com nomeações erradas, que fez com que tudo ficasse na mesma. As pessoas foram simplesmente mal escolhidas. Era um modelo interessante, mas mais uma vez estamos a falar de questões de gestão para serem resolvidas pelos especialistas de gestão. A esse respeito, acho que nós, juristas, devemos calar-nos. De certo modo, não é essa a nossa formação, não é esse o nosso papel. Devemos dar lugar a especialistas de gestão que levem isso a sério. Estamos no século da gestão, e tudo isso tem de ser resolvido por esses meios. Isso não é tarefa para juristas nem para amadores. É uma tarefa para ser estudada de forma profunda por gente que entenda de organização.
Interessante ouvir isso de um jurista...
Estas discussões não podem cair numa espécie de disputa entre modelos jurídicos diversos, porque isso não vai levar a lado nenhum. Nos últimos anos entraram economistas no mundo do direito fiscal e isso é interessante.
Considera que a máquina fiscal está infestada de corruptos?
Está fortemente corrompida. Esse ajuste de contas com a Justiça foi interrompido a meio. Acho que isso fazia parte de um ambiente político da altura que não queria que isso avançasse. E essa mensagem chegou aos órgãos de aplicação da Justiça. Porque é que esse processo não avançou? Porque não existia ambiente político... Era o princípio de uma investigação que daria uma limpeza geral àquela casa.
O número de casos correntes que acaba em litígio é excessivo...
E há indícios terríveis. Grande parte das questões em litígio com a máquina fiscal podiam ser resolvidas mediante decisão administrativa. Decisões que deviam ser tomadas sem ir para os tribunais. Mas hoje em dia nenhum funcionário está disposto a tomar essa responsabilidade, tais são os danos da corrupção... Se o funcionário tomar decisões, pensa-se que foi subornado, de modo que os mais honestos dizem "Paciência, vão para tribunal". Porque é que isto acontece? Porque o ambiente social é pela não transparência dos processos. E então tudo segue para os tribunais, o que é péssimo para os tribunais e para os contribuintes. É uma opção dominante e um pouco cobarde.
Mas não há uma reacção para afastar esses corpos corrompidos.
Essa segregação dos agentes da corrupção teria de suceder num ambiente deontologicamente mais exigente. E, ainda para mais, é uma questão económica muito simples os honestos não devem aceitar essa concorrência desleal dos desonestos. É inacreditável que os homens da contabilidade aceitem a concorrência desleal dos funcionários do fisco e não a denunciem. Porque é concorrência desleal e é um foco de corrupção. De repente temos aqui um caldo de cultura com uma relação funcionário-empresário preciosíssima. E há cidades na província onde a maior parte das escritas são feitas por gente das Finanças. Isto é inacreditável.
Mas ninguém denuncia...
A Ordem dos Advogados é muito egoísta, mas um aspecto positivo é o de estar sempre a limpar o mercado da concorrência desleal de quem não é advogado. A Ordem dos TOC aceita isso e não o quer denunciar. Há sempre aquela tendência para o medo, para a coexistência, para a cobardia, para a ausência de denúncia. É uma coisa gravíssima.
Ausência de denúncia é também uma forma de cobardia?
É uma forma de cobardia e de medo. As pessoas aceitam. É assim, sempre foi assim. Em todo o caso, não é de aceitar concorrência desleal. Tal como não é de aceitar revisores oficiais de contas que são funcionários da DGCI - Direcção Geral das Contribuições e Impostos. Isso, a câmara dos ROC não quer e bem.
Há hoje ambiente político para prosseguir com as investigações à corrupção fiscal?
Não faço ideia... Acho que as coisas poderiam ter sido diferentes se na altura o ministro da Justiça fosse já o doutor Aguiar Branco. Parece-me uma pessoa respeitável...
Que medidas considera que um futuro Governo devia tomar?
Mais uma vez voltar à tal pessoa jurídica e independente para enquadrar a máquina fiscal, um instituto público. E levar para a DGCI, por concurso público, 10 ou 15 jovens gestores ambiciosos, com ordenados razoáveis, embora inferiores aos praticados na antiga estrutura, porque eram desproporcionados.
Era preciso reduzir o segredo fiscal...
O sigilo bancário é indiscutível, o sigilo fiscal pode manter-se a um certo nível ou acabar, acho isso indiferente. Agora não pode é ser proibido divulgar as acções de fiscalização contra o senhor fulano tal empresário de futebol. Há que saber o que lhe está a acontecer, com os pormenorzinhos todos. O sr. José Veiga está com problemas fiscais, mas isso não devia ser fuga para o DN. Todo o material deveria ser dado à comunicação social para que possam analisar e dá-lo a conhecer à opinião pública.
Qual a solução para o caso do offshore da Madeira?
É difícil. Acho que tem de haver uma espécie de acordo de cavalheiros com a banca, de modo que esta pague mais. Acima de tudo, é muito importante dissipar as suspeitas de que a Madeira possa ser usada como centro de reabilitação ou de lavagem de dinheiro. Não faz sentido ter lá empresas que não tenham uma estrutura empresarial mínima, fixa, com duas ou três pessoas. Ou mesmo mais, para que a Madeira possa ganhar alguma coisa com aquela máquina giratória.