OPINIÃO
Hoje, 9 de Outubro de 2005, há quatro candidatos presidenciais declarados, na chamada “área da esquerda” e, curiosamente não há nenhum na chamada “área da direita”.
Porém, para quem como eu se sente mais identificado com a área ideológica da esquerda, pouco me importa quem serão os candidatos da direita, já que o meu voto não irá incidir neles. A razão desta carta é que houve dois desses candidatos que me convidaram a declarar o meu apoio à sua candidatura.
Talvez convenha explicar sinteticamente o que é para mim o conjunto dos valores da esquerda, ainda que esteja perfeitamente consciente de que se trata da minha ideia de esquerda, logo, eivada de subjectividade, tal como estou consciente que há pessoas que se consideram de direita e que defendem alguns dos valores que, na sua globalidade, para mim caracterizam a esquerda.
Os valores que considero fundamentais são:
— a democracia representativa, sem prejuízo do recurso à democracia directa em determinadas circunstâncias e condições bem definidas;
— a preocupação com a qualidade de vida das pessoas mais desfavorecidas, seja por dificuldades financeiras, seja por outras razões;
— o respeito pela liberdade do indivíduo e a consequente não interferência do Estado, a não ser no que é essencial para garantir o bom funcionamento da comunidade;
— o conservacionismo em matéria ambiental e de património;
— a honestidade a todos os níveis;
— a importância de uma educação que seja tão abrangente quanto possível, mas sem que isso signifique o nivelamento por baixo;
— o reconhecimento da absoluta necessidade da existência de elites — sem elites não há excelência e sem excelência o país não progride. Essas elites devem ser devidamente recompensadas, embora dentro de critérios de razoabilidade, mas é igualmente necessário que o ser parte da elite traga responsabilidades acrescidas, não privilégios especiais;
— o acesso à cultura;
— finalmente e, talvez, mais importante que tudo o resto, o respeito pelo ser humano e a consciência de que todos somos diferentes, mas que também somos todos iguais.
Jerónimo de Sousa é o candidato do Partido Comunista Português e, apesar de se ter revelado nas eleições legislativas como um candidato com um carisma surpreendente, representa uma visão da esquerda, a meu ver, demasiado restritiva e ortodoxa.
Francisco Louçã é um homem que admiro e com quem simpatizo. Além disso, considero que o Bloco de Esquerda se tem revelado um pequeno partido de grande actividade parlamentar, muitas vezes de alta qualidade, que desempenha um utilíssimo papel na nossa sociedade enquanto intransigente guardião de certos valores. Pena é que o Partido Socialista o veja mais como um inimigo do que como um aliado.
Porém, considero-o excessivamente esquerdista e, por vezes com um radicalismo que tem qualquer coisa de demasiado imaturo para desempenhar adequadamente o papel de Presidente de todos os portugueses.
Mário Soares é, sem dúvida, uma figura ímpar entre os políticos portugueses, um homem de cultura que defende os valores do humanismo, que teve uma influência determinante e, dum modo geral, francamente positiva na história do nosso país. Porém, é uma pessoa por quem tenho uma admiração cheia de ambivalências, embora nutra grande simpatia por ele e de quem recebi atenções pessoais. Considero que foi, nas circunstâncias em que o foi, talvez o melhor dos nossos presidentes e é com mágoa que o digo, pois entendo que Jorge Sampaio, de quem gosto muito e me considero amigo, ficou aquém do que o seu passado e a sua personalidade prometiam. Mário Soares é, por excelência, o “animal político” mais extraordinário que conheço no nosso país e, se o admiro por isso, também me assusto com o facto de ser muito mais político do que qualquer outra coisa e de, para ele, a visão do mundo ser quase necessariamente política.
Ora, creio que as condições em que o país se encontra não são tais que exijam como Presidente da República Portuguesa um homem eminentemente político. Pelo contrário, o que considero que precisamos neste momento na Presidência da República é de um homem ou de uma mulher que não esteja refém de nenhum aparelho partidário, independentemente de ser ou não filiado num partido. Precisamos de um presidente que seja capaz de dizer as verdades doa a quem doer. Precisamos de um presidente que seja suficientemente pouco político, para que nos possa ajudar a voltar a acreditar na política.
Precisamos de um presidente que seja capaz de exigir aos políticos que se comportem como verdadeiros políticos, no sentido mais profundo e abrangente da palavra, e não como os politiqueiros que temos, na maior parte dos casos, visto grassarem e prosperarem em cada vez maior número, seja na capital, seja pelo país fora. Acresce que o Presidente da República é um órgão de soberania unipessoal e não partidário.
É por tudo isto que escolho apoiar a candidatura de Manuel Alegre.
Presidente da Fundação das Casas de Alorna e Fronteira
Fernando José Fernandes Costa Mascarenhas
In:Público, 18.10.05