Um rápido passar de olhos pela imprensa nacional ou regional basta, para verificar que muitos desses anúncios estão tecnicamente incorrectos, não são legíveis e, frequentemente, a própria assinatura do responsável pelo organismo emissor é formalmente apresentada como ilegível, a relação custo-benefício é esquecida e os novos «media» também.
Primeiro surgiu a Alta Autoridade para a Comunicação Social a pronunciar-se sobre os boletins municipais num momento de intervenção parcial e excessiva, esquecendo-se convenientemente dos boletins produzidos por organismos da Administração Central, Institutos Públicos e empresas em geral.
Anos depois, com base nesse parecer, veio a Comissão Nacional de Eleições apelar ao bom senso dos presidentes dos municípios, desaconselhando o que, no seu entendimento, podem ser excessos de protagonismo, mas sobre os quais não existe qualquer instrumento legislativo aferidor.
O anterior governo, num arroubo justiceiro que passou despercebido, entendeu produzir alterações ao Código da Publicidade, proibindo a inserção de publicidade comercial nas publicações de informação periódica das autarquias locais, enquanto se esquecia ou não teve tempo de tomar idêntica medida (e com a mesma base de fundamentação encontrada), em relação às Rádio Difusão e Rádio Televisão Portuguesa, convenientemente protegidas na sentenciação legislativa: a publicidade do Estado (com excepção das autarquias locais) é um assunto à parte!
A debilidade de formatação e conteúdo dos diplomas legislativos é endémica e prolongada no tempo. A enorme falta de cultura democrática do Estado e da sociedade, leva a que se adoptem com facilidade princípios formais e se esqueçam, convenientemente, os fundamentos associados; por isso, as regras longe de serem universais, surgem de forma enviesada e reflectem o sabor dos momentos.
O Decreto-Lei nº 100/84, durante muito tempo, foi o instrumento legislativo que regulou as Atribuições e Competências das Autarquias Locais e nele se previa que «as deliberações dos órgãos autárquicos? destinadas a ter eficácia externa? seriam publicadas em boletim da autarquia quando exista, ou em edital?»
Os boletins municipais já eram nesse tempo e são, instrumentos (mais ou menos conseguidos, de maior ou menor qualidade), de divulgação das políticas e actividades dos municípios, pelo que a essência dos seus conteúdos tem/exerce alguma influência sobre os respectivos munícipes.
Mas as decisões com eficácia externa dos municípios são tantas, que a sua publicação extensiva em suporte adequado configura um repositório à escala, do Diário da República ou do Diário das Sessões, como o entenderam um ou outro município que criaram publicações específicas com esta finalidade.
Entre a opção por editar uma publicação exclusiva para este fim (com duvidosa exequibilidade e eficácia), ou fazer, como a maioria, uma interpretação ampla do legislado, ignorando a sua aplicação, sobressaiu o bom senso daqueles que foram divulgando em boletim municipal, as decisões tomadas de maior relevância para as comunidades locais que servem.
Mudam os anos, mudam as vontades, refinou-se a pertinácia legislativa. Revisto aquele diploma agora sob a forma de lei, em 1999, e mantendo nesta matéria articulado semelhante, seria alvo de uma nova revisão três anos depois, agora de forma substancial no que a este particular se reporta – assim, no seu artigo nº 91, titulado Publicidade das Deliberações, depois de referir a publicação em Diário da República e em edital, determina no seu ponto 2: «Os actos e decisões? destinados a ter eficácia externa são ainda publicados em boletim da autarquia local e nos jornais regionais editados na área do respectivo município, nos 30 dias subsequentes à tomada de decisão, que reúnam acumulativamente as seguintes condições:
a) sejam portugueses?;
b) sejam de informação geral;
c) periodicidade não superior a quinzenal;
d) tiragem média mínima nos últimos seis meses de 1500 exemplares por edição;
e) não sejam distribuídos a título gratuito».
Prevê-se ainda, previdentemente, no citado diploma, que, «por consenso entre as partes», serão anualmente estabelecidas as tabelas de custos, presume-se que para a publicitação destas decisões dos municípios na imprensa regional.
Como lhe competia, em extenso parecer à época, a Associação Nacional dos Municípios Portugueses, pronunciou-se contra este articulado, tendo mostrado disposição de defender a respectiva revogação. Certo é que, cinco anos depois, o artigo não foi revogado mas também não foi levado à prática?
Mas, se se ler bem o articulado, a simples falta de uma vírgula coloca em paridade os boletins municipais com alguns jornais regionais, isentando-os da publicitação enunciada? por serem distribuídos a título gratuito.
Será que, mais uma vez, terá andado por aqui «conveniente mãozinha» (será lobby?) da imprensa regional escrita? E porque é que os meios audiovisuais ficaram de fora?
E porque será que paladinos da imprensa livre, entendem que é condição dessa liberdade, a imprensa regional ser obrigatoriamente financiada com publicidade pelas autarquias locais? E, se assim é, qual a razão ou razões que impedem, ao contrário do que sucede, por exemplo, em Espanha, que as autarquias participem no capital dessa imprensa?
E, se não existe um controlo de tiragens generalizado e indiscutível da imprensa de grande expansão, como é que tal se pode assegurar, como prevê a lei, a nível local ou regional?
Demasiadas questões para tanta ambivalência.
É muito interessante constatar que a lei que estabelece o quadro de competências, assim como o regime jurídico de funcionamento dos órgãos dos municípios e freguesias, foi, pela sua natureza, produzida e aprovada pela Assembleia da República, onde têm tido assento na sua qualidade de deputados, variadíssimos autarcas da maioria dos partidos políticos ali representados.
Não se sabendo se a intervenção desses representantes flutua consoante desempenham funções de deputados ou de autarcas, verifica-se, pelo menos, que o peso específico desses autarcas dentro dos seus partidos políticos não é tão acentuado como parece, ou então, estas matérias são secundarizadas face a interesses prioritários do poder local.
Seguro é, que frequentemente se legisla tipificando a publicitação dos actos com eficácia exterior, agora nos boletins municipais, quase sempre nos media, em qualquer dos casos não salvaguardando a respectiva eficácia, isto é chegar à generalidade dos cidadãos, assegurando o melhor uso dos dinheiros públicos.
Um rápido passar de olhos pela imprensa nacional ou regional basta, para verificar que muitos desses anúncios estão tecnicamente incorrectos, não são legíveis e, frequentemente, a própria assinatura do responsável pelo organismo emissor é formalmente apresentada como ilegível, a relação custo-benefício é esquecida e os novos «media» também!
Há uma outra atitude que o Estado deve ponderar – começar por dar o exemplo a partir de cima, assegurando pressupostos semelhantes para os dois níveis da Administração Pública, assumindo formalmente que, no âmbito das suas obrigações e competências, tem o dever, que advém da natureza do regime e dos fins que prossegue, de dar pública informação e explicação das suas actividades.
Ao fazê-lo, deve criar um quadro de referências apropriado, com a maleabilidade necessária, mas com a obrigação subjacente, de que cada organismo público deve adoptá-lo como um compromisso, declarado em função das circunstâncias de cada um, cabendo ao Estado transpor para esse código, valores e fundamentos da informação pública partilhada, assumindo a função supletiva e persistente de sensibilização, pedagogia e formação dos diversos intervenientes.
Tão simples como isto: é a bitola da maturidade do Estado que está em equação!
Luís M. Sousa