PARA ACABAR COM ESTADO A QUE A ÁGUA CHEGOU...
Não há nenhuma razão válida para que não se possa recorrer à iniciativa privada no sector da água.
Numa entrevista ao Diário Económico, o ministro do Ambiente declarou que o sector das águas nunca seria privatizado. Trata-se de uma decisão com um carácter claramente ideológico. Não há nenhuma razão válida para que não se possa recorrer à iniciativa privada no sector da água. E a persistência das soluções estatizadas trará seguramente muito menor eficiência e portanto custos mais elevados e menos qualidade de serviço para os consumidores.
O sector da água tem importância porque tem uma enorme dimensão, exigindo investimentos muito vultosos, e porque tem um impacto grande na qualidade de vida de todos. A segurança de abastecimento de boa qualidade a custos módicos é evidentemente fundamental. É um sector que não pode ser deixado ao livre jogo da concorrência, porque a construção das redes de abastecimento cria imediatamente monopólios naturais, que exigem regulação apropriada para defesa dos consumidores. A intervenção do Estado é por isso indispensável. Isto, no entanto, não significa que o sector tenha de ser estatizado.
Neste como noutros sectores básicos de serviço de interesse colectivo, o Estado pode perfeitamente recorrer à iniciativa privada, desde que defina um quadro regulatório adequado. Para os mais exigentes, que gostariam de manter nas mãos do Estado a autoridade última sobre o sector, pode sempre recorrer-se ao regime de concessão. O Estado escolhe o operador privado, mas fica com o direito de o substituir, se não estiver satisfeito com o desempenho obtido. Não está claramente em causa sacrificar o interesse colectivo ao lucro privado, nem sequer abdicar da autoridade do Estado para regular um sector que não é como os outros.
O grande interesse do recurso à iniciativa privada está nos ganhos de eficiência que daí resultam. Embora seja um sector de grande dimensão, exigindo biliões de investimento, o sector das águas não enfrenta dificuldades de financiamento. Como a procura é extremamente estável e duradoura, é muitíssimo fácil mobilizar capital privado, em condições muito atraentes, para todos os investimentos de que o sector precisa. Numa época de grande abundância de fundos e de disponibilidade para praticar taxas muito baixas, quando o risco é pequeno, não há qualquer problema em financiar a modernização do sector.
O grande problema do sector das águas é operacional. Não é fácil conceber, optimizar, instalar e operar as grandes redes de transporte e distribuição de que o sector das águas precisa. As questões de engenharia são complexas, as soluções técnicas são múltiplas e evoluem rapidamente, a gestão da rede é exigente, a interacção permanente com o consumidor final requer muita competência. Não é por acaso que o sector das águas é em geral gerido por empresas de grande dimensão, muito sofisticadas e com grande capacidade técnica e de gestão.
Esta capacidade está ao dispor do governo, em Portugal como em qualquer outro país. Desde que a regulação do sector seja sensata e estável, há muitos operadores portugueses e estrangeiros dispostos a assumir a responsabilidade de pôr o sector das águas a funcionar de acordo com os melhores padrões internacionais. Seria menos uma preocupação para o Governo, a modernização do sector seria certamente mais rápida e o Estado não perderia a sua autoridade última sobre um serviço colectivo importante.
Em Portugal tem-se insistido numa solução baseada quase exclusivamente em empresas controladas pelo Estado – seja pelo poder central, seja pelas autarquias. O resultado é o habitual: enormes ineficiências e prejuízos; atrasos inexplicáveis na concretização de projectos fundamentais; caos generalizado em empresas gigantescas – municipais ou intermunicipais – criadas para gerir problemas complexos sem competência para o fazer; desperdício dramático de recursos sem responsabilização de ninguém; e baixíssima qualidade de serviço para muitos consumidores.
Podem os governantes achar que a ideologia justifica toda esta incongruência. Ou podem achar que o sector é demasiado importante – pelo poder que dá de distribuir benesses, atribuir contratos, colocar amigos em posições de influência – para ser entregue a privados. Afinal, na concepção de alguns, o poder é para ser exercido – nem que isso se traduza em prejuízo de toda a colectividade.
António Borges